Jogo entre o Palmeiras e o Flamengo em novembro de 2021
homofobia

"Existe um tabu." Número 24 é evitado no futebol brasileiro por associação à homossexualidade

A origem do preconceito é um jogo criado no final do século XIX, no qual o número 24 representa o veado. O nome do animal, no Brasil, é associado à homossexualidade e é utilizado como insulto.

Os jogadores de futebol no Brasil evitam utilizar o número 24 nas costas. A razão? Uma polémica associação do número à homossexualidade. Bernardo Gonzales, ativista e jogador da equipa de futsal transmasculino do Sport Club T Mosqueteiros de São Paulo, explica que os jogadores temem que a sua masculinidade seja colocada em causa se utilizarem aquele número.

"Existe um tabu e é louco pensar nisso, porque é um número como qualquer outro, mas preferem usar outro porque não querem que sua masculinidade seja questionada", disse Gonzales à AFP.

O estigma não é novo e transcende a vida quotidiana no Brasil. A origem provém do "jogo do bicho", uma bolsa ilegal de apostas criada no final do século XIX. Nesse jogo, em que se aposta em números que representam animais, o 24 simboliza o veado.

Na cultura popular brasileira, o veado é sinónimo de fragilidade ou delicadeza por ser uma espécie com comportamentos homossexuais, como explica o sociólogo Rodrigo Monteiro, da Universidade Federal Fluminense, à AFP.

Naquele país da América do Sul, muitos homens preferem não ter o número associados a si, Por exemplo, há quem evite sentar-se no assento 24 nos autocarros, teatros ou cinemas, morar no apartamento com esse número ou dizer que tem "23+1" anos. Um adepto do Palmeiras, citado pela AFP, num bar de São Paulo, diz: "Não sou homofóbico, mas o 24 nunca!"

Atualmente, ainda que nem todas as equipas da Série A do Brasileirão tenham já os números atribuídos, há apenas três jogadores que o utilizam o 24 nas costas. Dois são colombianos: César Haydar, do Red Bull Bragantino, e Victor Cantillo, do Corinthians. O único brasileiro, até ao momento, que irá jogar com a camisola 24 é Kevin Malthus, de 19 anos, do Santos.

O jovem do Santos explicou ao portal brasileiro UOL a razão de utilizar o número: "Acho importante a inclusão do número em todos os clubes. É apenas um número. Criaram um preconceito homofóbico em cima dele. Grandes atletas do desporto utilizaram a camisa 24, como o [falecido jogador da NBA] Kobe Bryant."

"Número de Respeito"

Já o colombiano Víctor Cantillo (Corinthians) foi alvo de uma brincadeira quando chegou ao Timão, em janeiro de 2020. Duílio Monteiro Alves, diretor de futebol na altura, afirmou: "24 aqui não!" O técnico mais tarde desculpou-se e o médio manteve o número. Em seguida, o Bahia, atualmente na segunda divisão, lançou a campanha "Número de Respeito", na qual vários jogadores, como o ex-futebolista do Benfica Gabigol, usaram o número 24 durante uma partida.

O Grupo Arco-Íris, uma organização não-governamental que luta pelos direitos LGBTI, denunciou o Flamengo por não registar o número 24 no plantel que disputou a Copa São Paulo de Futebol Júnior (torneio sub-20 também conhecido como "Copinha"), em janeiro. O clube alegou que os jogadores decidiram os próprios números e o processo foi arquivado, segundo o advogado, devido à dificuldade de provar que a ausência se verificou por "motivos discriminatórios".

Nesse mesmo torneio, Jurandir, do América-MG, jogou com a camisa 24 e foi alvo de cânticos homofóbicos.

"Atitude homofóbica"

"Por mais que haja contestação, crítica, movimento forte institucional ou mesmo de organizações civis, não tem sido suficiente para parar essa associação homofóbica", afirma Rodrigo Monteiro. O sociólogo diz que não se consegue desfazer "essa base da cultura masculina em que se fundamenta o futebol".

No caso da seleção brasileira, esta defende-se pelo facto de as camisolas na maioria das competições serem numeradas de 1 a 23. Contudo, a polémica instalou-se na Copa América de 2021. A competição permitiu a inscrição de 28 atletas por causa da Covid-19 e todas as equipas tiveram um jogador com o número 24, exceto o Brasil. O Grupo Arco-Íris considerou uma "atitude homofóbica" e levou o caso à justiça, que pediu explicações à Confederação Brasileira de Futebol. Na resposta, a entidade afirmou que se tratava de uma questão "desportiva" e o caso acabou arquivado.

Em Portugal, nos últimos anos, entre os clubes mais regulares na I Liga, quase nenhum jogador brasileiro utilizou o número. Uma exceção é Fabiano Freitas, guarda-redes que jogou no FC Porto entre 2012 e 2015 e entre 2017 e 2019. Utilizou o número 24 nas duas primeiras épocas de dragão ao peito. Atualmente, apesar de haver 131 jogadores brasileiros nos plantéis das equipas da I Liga, nenhum utiliza o número 24.

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