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Mais de metro e noventa, um elefante tatuado no antebraço. Barba clara, quase ruiva, ar descontraído. Kyle Murphy encontra os jornalistas entre máscaras, com microfones, tripés e extensores. O ciclista norte-americano da Rally Race acaba de vencer a primeira etapa da carreira como profissional.
- Digam lá (risos). O que me querem perguntar? (Kyle)
- Gostaríamos de saber como foi esta etapa. (jornalista)
- Foi um dia muito difícil, muito quente, com muito vento... Por sorte, eu e os meus companheiros na frente durante a fuga... Trabalhámos bem e conseguimos manter a distância... Foi uma surpresa muito agradável.
Descontraído, despreocupado, demora menos de dois minutos na entrevista rápida. A história que contou na segunda etapa da Volta a Portugal é bem mais complexa. O ciclista de laranja - quase da mesma cor da barba e cabelos fartos que enverga - esgueirou-se do pelotão logo à saída de Ponte de Sor. Ele e dois outros atletas, Marvin Scheulen (LA Aluminios) e, português de pai alemão, nascido em Almada e Andrew Turner, britânico (Swift Carbon).
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Ouça a reportagem da terceira etapa.
Ao longo de 162,1 km os comentários à etapa repetiam-se. Era uma questão de tempo até os três da frente serem apanhados. No rádio-volta - o pequeno e ruidoso companheiro de viagem dos jornalistas que seguem a Volta de carro - o número ditado surpreendia. Cinco minutos de vantagem para o pelotão. Seis minutos. Sete minutos. Chegaram a ser oito. A vantagem lá caiu perto de Retaxo, na última contagem de montanha do dia, uma contagem de terceira categoria.
Marvin ficou para trás depois de amealhar 15 pontos na classificação da montanha. Já sabia por essa altura que ia visitar o pódio em Castelo Branco e vestir a "camisola das bolinhas" encarnadas, o novo líder da montanha, mesmo antes da subida ao Alto da Torre, na Serra da Estrela (3ª etapa). Seguiu-se a Scheulen a queda na classificação de Turner, também ele engolido pelo pelotão.
Cruzado o Tejo, mais uma vez, pela última vez nesta volta, o norte-americano vestido de laranja mantinha a liderança. Portas do Rodão para trás, a chegada a Castelo Branco tinha algumas subidas exigentes, um teste ao que resta dos pulmões. À partida para a etapa, nas conversas com os jornalistas no parque de estacionamento, os diretores desportivos repetiam a mesma ideia. "Sábado é dia de Torre. Não queremos falar da Torre, mas sabemos o que represente". É impossível deixar de pensar nesse desafio desgastante, onde se vão marcar diferenças à 3.ª etapa. E por isso a 2.ª, esta ligação Ponte de Sor - Castelo Branco, servia sobretudo para evitar sobressaltos.
Descontraído, Kyle Murphy revisitou os quilómetros finais na partilha com a imprensa. Ainda olhou para trás na reta da meta, no empedrado de 300 metros bem no centro da engalanada cidade de Castelo Branco. Com muito público - e pouca distância entre a assistência -, o norte-americano surpreendeu. Não foi uma chega ao sprint como se previa. A fuga foi bem sucedida, Kyle somou a primeira vitória da carreira numa trajeto pelo alto Alentejo. A Torre vem logo depois, mas isso fica para amanhã. Rafael Reis continua de amarelo, Joni Brandão apareceu para recuperar tempo. Talvez depois da Serra da Estrela tudo seja diferente.