- Comentar
A gestão do tráfego espacial e a criação de uma rede de comunicações por satélite segura e de alto desempenho vão estar em discussão na cimeira europeia do espaço de Toulouse, França, que se realiza esta quarta-feira.
A cimeira, que junta os Estados-membros da Agência Espacial Europeia (ESA) e da União Europeia (UE), incluindo Portugal, é dirigida pela presidência francesa do Conselho da UE.
Portugal estará representado pelo ministro da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior, Manuel Heitor, e pelo presidente da agência espacial portuguesa Portugal Space, Ricardo Conde.
Jornalista Rute Fonseca explica tudo sobre esta cimeira
Miguel Gonçalves, especialista em astronomia e divulgador de ciência, diz que esta cimeira marca a tomada de consciência da Europa para as novas vias que o espaço abre na história da exploração espacial e aeronáutica.
Subscrever newsletter
Subscreva a nossa newsletter e tenha as notícias no seu e-mail todos os dias
"É uma cimeira que está marcada pelo poder da tecnologia, da necessidade de colocar lá em cima satélites com maiores e melhores capacidades de comunicação com a Terra e de uma maneira mais segura, por isso é que se fala tanto do apoio da quântica para estabelecer essa comunicação entre, literalmente, os céus e a terra. Com benefícios que nós sabemos que são necessários para o conforto da própria humanidade como as comunicações, medicina que possa ser feita à distância, de uma maneira muito mais rápida e mais segura, por exemplo. A própria humanidade entra aqui num novo capítulo no que diz respeito ao espaço em que sabemos que é preciso colocar cada vez mais satélites lá em cima porque temos, cá em baixo, cada vez mais dispositivos que comunicam entre si, a chamada internet das coisas. É uma inevitabilidade", explicou à TSF Miguel Gonçalves.
Ouça as declarações do especialista em astronomia à TSF
O especialista em astronomia sublinha que há riscos porque atualmente existe o que diz ser uma anarquia legislativa na colocação de satélites no espaço.
"Não temos, para já, nenhum quadro legal, nenhuma política de seguros espaciais que seja minimamente consensual entre todas as nações espaciais da Terra. Isso faz com que a colocação de satélites nestas órbitas seja um bocadinho como o faroeste norte-americano, quase sei rei nem roque. As empresas estão também a aproveitar-se dessa anarquia legislativa e de vigilância", acrescentou o especialista em astronomia.
A cimeira consiste em duas partes: uma reunião informal do Conselho Competitivo da UE sobre o espaço e uma reunião do Conselho Ministerial da ESA.
França e Portugal copresidem ao Conselho Ministerial da ESA, órgão governativo da agência onde têm assento os ministros dos 22 países-membros que tutelam as atividades espaciais.
Na cimeira de Toulouse, que sucede à reunião ministerial intermédia da ESA de Matosinhos, ocorrida em novembro, os líderes europeus vão discutir as estratégias da UE para a conectividade segura e para a gestão do tráfego espacial e reafirmar os "aceleradores" e "inspiradores" da ESA para o uso do espaço.
A estratégia da UE para a conectividade segura visa, segundo a Comissão Europeia, criar uma rede de satélites para gerar "comunicações confiáveis, seguras e económicas" que apoiem "infraestruturas críticas", como as de energia, saúde e centrais de dados, ações de "gestão de crise", como a ajuda humanitária, ou a vigilância do espaço marítimo e aéreo.
A rede possibilitará aceder a banda larga de alta velocidade em toda a Europa, complementando os sistemas de navegação por satélite Galileo/EGNOS e de observação da Terra Copernicus, e fornecer proteção contra ataques cibernéticos na internet, mantendo os europeus ligados "inclusive durante ataques ou desempenho reduzido de infraestruturas terrestres".
Usando tecnologias baseadas na criptografia quântica, que permite criar e partilhar uma chave secreta para criptografar e decifrar mensagens, o sistema "será crucial para ajudar a UE a comunicar de uma forma que impeça que terceiros escutem ou intercetem informações vitais, sensíveis e confidenciais para os Estados-membros".
Bruxelas estima que este novo sistema de conectividade por satélite tenha um custo total de seis mil milhões de euros.
A outra estratégia da UE para o espaço, a da gestão do tráfego, visa "garantir uma utilização segura e sustentável do espaço, preservando a competitividade da indústria espacial".
A estratégia passa pelo reforço da capacidade tecnológica para identificar e rastrear veículos, equipamentos e detritos espaciais, a definição do quadro legislativo adequado e o estabelecimento de parcerias internacionais.
De acordo com a Comissão Europeia, "o número de satélites no espaço aumentou muito devido ao desenvolvimento de lançadores reutilizáveis, pequenos satélites e investimentos privados que reduziram os custos", agravando "o risco de colisões" e aumentando "o número de manobras para evitar colisões".
Desde 2016, a UE dispõe de uma capacidade de vigilância e rastreio de objetos no espaço que é executada por um consórcio europeu que agrega mais de 130 organizações de 23 Estados-membros, que tem como missão a prevenção de colisões e a análise de fragmentações e de reentradas na atmosfera terrestre.
Atualmente, mais de 260 satélites da UE, incluindo os dos programas Galileo e Copernicus, beneficiam do serviço de prevenção de colisões.
À "mesa" da cimeira vão estar, ainda, os três "aceleradores" e os dois "inspiradores" da ESA para o uso do espaço, já apoiados pelos Estados-membros na reunião de Matosinhos.
Os "aceleradores" traduzem-se na utilização de dados de satélite de observação da Terra para travar os efeitos das alterações climáticas, no melhor uso dos dados espaciais e da "interconectividade inteligente" para responder a catástrofes na Terra, como incêndios e cheias, e na proteção das infraestruturas espaciais, como satélites e naves, contra ameaças cibernéticas, a destruição por mísseis ou a colisão com lixo espacial (satélites desativados e outros detritos).
O grupo consultivo da ESA para acelerar o uso do espaço na Europa recomendou, no domínio dos "inspiradores", que sejam iniciados "os passos preparatórios" para uma missão de recolha e envio para a Terra de amostras da superfície gelada das luas dos planetas gasosos do Sistema Solar (sem especificar).
Considerou, também, que a ESA deve estudar, com a participação da indústria do setor, a viabilidade de soluções de transporte espacial autónomo, atendendo às perspetivas da exploração de novos destinos no espaço e de viagens de turismo espacial.
Portugal determinou na sua estratégia para o espaço o lançamento, antes de 2025, de uma constelação de microssatélites de observação da Terra e a criação de uma plataforma com "dados de alta resolução" para fornecer informação útil para, por exemplo, a prevenção de fogos florestais e o mapeamento do território.
Empresas portuguesas estão envolvidas na primeira missão europeia de remoção de lixo espacial, prevista para 2025.