A guerra também se alimenta de cereais

A Rússia destrói depósitos de cereais na Ucrânia, Kiev avisa que as exportações vão cair muito. Em Portugal, há quem defenda que é sempre o mesmo, "só nos lembramos dos cereais em tempo de guerra", mas ainda podemos "ir a tempo de reduzir a dependência" dos cereais dos outros.

As forças russas bombardearam nas últimas horas seis silos de cereais na parte Ocidental da Ucrânia. Impedida de exportar, a Federação Russa usa também a comida como arma: quanto menos a Ucrânia exportar, maiores as dificuldades para o resto do mundo e, em particular, para os "países hostis".

Kiev aponta as operações militares em zonas férteis, a falta de combustíveis ou a mobilização dos homens para a guerra como travões à produção de cereais no país, concentrado em garantir, por isso, o abastecimento interno.

O retrato não será bem este, contrapõe o repórter André Luís Alves. O enviado da Global Imagens à Ucrânia conta-nos que "a Ucrânia agrícola está dependente da situação militar". Exemplo disso refere "o hangar cheio de cereais que encontrei a uns 60 quilómetros de Kiev, numa zona reconquistada pelos ucranianos, esse hangar servia para alimentar umas 400 cabeças de gado dessa quinta".

As autoridades da Ucrânia falam em alterar as regras para permitir que alguns homens voltem ao trabalho nos campos, mas André Luís Alves questiona o argumento. "A lei marcial aplica-se aos homens entre os 18 e os 60 anos, mas nem todos estão a combater, só não podem sair do país. Pelas informações que tenho, o exército ucraniano está completo, não há falta de pessoal."

No país, nas regiões sob controlo das forças ucranianas, não há falta de produtos agrícolas, "o problema é que muitas lojas estão fechadas, mas não tenho notado falta de produtos básicos, pode haver escassez de alguns produtos, mas do essencial - pão, leite, óleo - não senti ainda falta de nada".

A concretizarem-se as estimativas do governo da Ucrânia, um corte de "40 a 50% na produção cerealífera deste ano e grande impacto na exportação", isso quereria dizer que o mundo fica sem uns 50 milhões de toneladas de trigo, milho, cevada ou girassol.

Para o continente africano, por exemplo, pode ser sinónimo de fome, para o continente europeu pode querer dizer que as variedades de pão vão aumentar muito e os preços muito mais.

A ONU estima que o aumento global dos preços dos cereais possa chegar aos 20%, o que abre um buraco até nas contas do Programa Alimentar Mundial.

Em Portugal, depois da corrida ao óleo de girassol, o JN dá agora conta da corrida à farinha e de algum racionamento nos mercados grossistas.

"É pena, mas é assim, Portugal só se lembra dos cereais, outra vez, em tempo de guerra", desabafa Fernando Carpinteiro Albino. Produtor de cereais, antigo dirigente da CAP, a Confederação dos Agricultores de Portugal, lembra que foi mais ou menos assim em 1945, depois da Segunda Guerra Mundial.

Na altura, Salazar transformou o Alentejo no celeiro do país, Carpinteiro Albino desafia os atuais às chamadas ajudas de custo porque ninguém trabalha para perder dinheiro.

"A não ser que haja uma espingarda atrás de cada agricultor", remata Carpinteiro Albino. A proposta que faz é antiga e simples, "até está na resolução do Conselho de Ministros que aprovou a reforma da PAC que deve entrar em vigor em 2023".

Se formos rápidos, este produtor acredita que "ainda vamos a tempo", não este ano, mas já no próximo", de reduzir a dependência dos cereais importados.

Atualmente, importa-se cerca de 90% do que chega à mesa dos portugueses. A Estratégia Nacional para aumentarmos a produção nacional de cereais demorou tanto a implementar que o seu mentor, o ex-ministro da Agricultura, Capoulas Santos, até já deixou o cargo e o país, é agora eurodeputado em Bruxelas.

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