A vitória "inevitável", o "sinal" da China e um peso muito pessoal: Zelensky resume um ano de guerra
Guerra na Ucrânia

A vitória "inevitável", o "sinal" da China e um peso muito pessoal: Zelensky resume um ano de guerra

No dia em que se completa um ano da invasão russa da Ucrânia, Volodymyr Zelensky respondeu, em Kiev e durante mais de três horas, a questões de jornalistas de todo o mundo não só sobre a sua experiência e planos, mas também sobre o apoio que tem recebido, e o que espera do futuro do conflito, adiantando desde já que, se daqui a um ano tiver de repetir esta conferência de imprensa, "será dramático".

A ideia surge por oposição ao que o próprio líder ucraniano defendeu logo no arranque desta sessão: o de que a vitória ucraniana é "inevitável" e deve acontecer este ano. Para isso, explica, é preciso que os parceiros ocidentais mantenham as promessas relacionadas com a ajuda militar.

"Se os nossos parceiros mantiverem a palavra e respeitarem os prazos, aguarda-nos uma vitória inevitável (...) mas temos de cumprir os nossos deveres porque nenhum país pode defender-se por si mesmo. Quero verdadeiramente que isso aconteça este ano", disse Zelensky.

"Temos tudo para isso: motivação, certeza, amigos, diplomacia e voz", garantiu, aproveitando para assinalar que não há "nenhum país no mundo capaz de aguentar isto, só se forem os Estados Unidos".

Mais tarde, um repórter britânico aproveitou esse desejo para questionar o líder ucraniano sobre o que o poderá levar a repetir esta conferência de imprensa, daqui a um ano, sendo que tal seria um sinal de que a guerra não acabou.

Na resposta, Zelensky identificou a "união" como o principal fator para o sucesso ucraniano. "Se não tivermos tropas e munições suficientes, é claro que perderemos muita gente e depois muita moral. Será um grande desafio para a Ucrânia, será o nosso maior problema e nem quero pensar nisso", confessou.

Assim, se tiver de repetir esta conferência de imprensa daqui a um ano e "na mesma posição será dramático". Para aligeirar o peso repentino da questão, Zelensky aproveitou para enviar uma questão de volta para o Reino Unido. "Pergunte ao meu amigo Rishi onde estão os caças Typhoon", gracejou.

Um bom "sinal" da China

A proposta chinesa para um plano de paz, que foi esta sexta-feira oficialmente apresentada por Pequim, foi naturalmente outro dos assuntos que marcou o encontro.

Zelensky vê um bom ponto de partida, já que a China se refere à Ucrânia como um "país invadido", mas não ignora que o regime chinês "não é propriamente pró-ucraniano" e agora é preciso "ver que atos se seguem às palavras".

"Apenas peço à China que fale connosco", acrescentou, referindo ser "um sinal importante" que Pequim "pareça estar a querer participar" no processo. Ainda assim, só o vê "como um sinal por agora".

"Penso que a China vai ficar do lado da paz e justiça, que é o nosso, e quero acreditar que não vai fornecer armas à Rússia, vou fazer o que puder para o prevenir", adiantou também.

E quer começar por reunir-se com Xi Jinping por entender que tal seria "útil para os dois países e para a segurança mundial". Para treinar, e recorrendo ao seu lado de humorista, aproveitou a presença de uma repórter chinesa para uma conversa em que a tomou como representante de Pequim, questionando-a sobre temas como o assassinato de civis e a ocupação de centrais nucleares.

Perante tanto alinhamento, a conclusão foi simples: "Está a ver que concordamos em tanta coisa? Temos de falar entre nós, sem mais ninguém."

África e América Latina com a ajuda de Lula

O líder ucraniano também quer organizar uma cimeira com "países de todos os continentes" após Kiev ter recebido um apoio generalizado na Assembleia-geral da ONU, que na quinta-feira aprovou uma resolução sobre o fim das hostilidades e a retirada das tropas russas do território ucraniano.

A cimeira deve ocorrer num país "que seja capaz de reunir o maior número possível de países do mundo", um dia depois de 141 Estados representados na ONU terem votado a favor da resolução.

Ainda assim, não deixou de notar algumas das abstenções registadas durante a votação, onde se incluem a China e a Índia, garantindo que o seu Governo trabalha "para transformar essa neutralidade num estatuto de não-neutralidade face à guerra".

Kiev está a tentar garantir o apoio ao seu plano de paz - que prevê um roteiro onde se inclui a retirada das tropas russas da Ucrânia de acordo com a Carta da ONU - nos países da América Latina e África. Nesse âmbito, a Ucrânia já começou a abrir embaixadas nos dois continentes, onde diversos países mantêm boas relações com a Rússia e rejeitaram condenar a guerra.

Para mudar esse paradigma, quer que a Ucrânia dê "um passo em frente para se encontrar com os países do continente africano", desejando igualmente "organizar uma cimeira entre os países da América Latina e a Ucrânia".

Nesta dimensão, Zelensky revelou querer apoiar-se no Presidente do Brasil, Lula da Silva, que já convidou para uma visita à Ucrânia.

"Gostava que ele me apoiasse e ajudasse a formar uma plataforma para falar com a América Latina", confessou, querendo para isso "falar olhos nos olhos" com o líder brasileiro.

O chefe de Estado ucraniano também sublinhou os estreitos contactos com os Países Baixos, Reino Unido, Polónia e os três Estados do Báltico (Estónia, Letónia e Lituânia) para criar mecanismos internacionais que permitam investigar os crimes de guerra de que a Rússia é acusada de ter cometido na Ucrânia.

"É um processo muito complexo e a maioria dos países tem receio de criar um tribunal", sendo para isso precisa também "unidade política".

O dia mais assustador e a emoção da família... e uma selfie

Na longa conferência de imprensa houve espaço para perguntas e pedidos mais pessoais ao líder de Kiev. Um repórter azeri - a "pedido do filho" - abriu as hostilidades ao desafiar Zelensky para uma selfie. Pedido aceite, "porque o mais importante é o filho" e não a guerra.

Outro dos pontos mais pessoais da sessão desta tarde surgiu após questões de um jornalista ucraniano sobre sobre quem desiludiu mais Zelensky neste ano de guerra, que erros cometeu e o que mais o assustou.

Quem mais o desiludiu, respondeu sem grandes complexos, foi "quem abandonou o país no dia 24, quem saiu de Kiev e das cidades e aldeias e devia liderar o país e tratar da sua segurança, zelar pelo país todo". Já quanto aos seus erros, nota que "foram vários" porque está "o dia todo a tomar decisões".

Ainda assim, defendeu, o que lhe importa é que, como Presidente, "não cometa erros fatais" que levem à destruição do país, já que tem a obrigação constitucional de zelar por ele.

Já o dia mais assustador para Zelensky foi o da visita a Bucha depois da sua libertação: "Aquilo que vimos significa que o Diabo não está algures, está na Terra... Talvez tenha sido isso."

A "pergunta mais difícil" - palavras do próprio - ficou para o fim: como é que a guerra afetou a sua família? A resposta chegou acompanhada de uma expressão de emoção: "Amo-os muito, à minha família, à minha mulher e aos meus filhos, eles são as pessoas mais importantes para mim. Não os vejo muito. E quase não tenho oportunidade de ver os meus pais."

"Tenho muito orgulho na minha mulher, sei a pessoa que ela é e que está a fazer tudo o que pode pelas crianças e pelo país... Tenho-os sempre no coração", adianta.

"É mesmo a pergunta mais difícil. O mais importante é não desiludi-los, não desiludir os meus filhos. É bom que estejam na Ucrânia, que possam ir à escola na Ucrânia", defende.

Qualquer Presidente ucraniano com o país em guerra "tem de estar na Ucrânia e é importante estar junto da mulher e dos filhos. Não os posso obrigar a ficar, portanto tenho muita sorte em tê-los aqui".

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