- Comentar
O conflito na Etiópia poderá fragmentar a sociedade se evoluir para a violência comunitária ou até mesmo desencadear um êxodo que lembrará as cenas caóticas de retirada no aeroporto de Cabul em agosto, disse esta quinta-feira um responsável humanitário.
A guerra, que já dura mais de um ano na região do Tigray, norte da Etiópia, talvez tenha provocado a crise humanitária mais perturbadora, declarou o subsecretário-geral da ONU para Assuntos Humanitários, Martin Griffiths, numa entrevista à agência de notícias AFP.
Os combates na capital, Adis Abeba, e o aumento da violência na comunidade podem levar a um agravamento "exponencial" da situação, alertou Griffiths.
"O pior do ponto de vista humanitário [seria] se ocorresse uma batalha pelo [controlo de] Adis Abeba ou agitação em torno desta cidade, levando a um aumento da violência comunitária em todo o país", sublinhou Griffiths.
"Se isso acontecer, estaríamos diante de algo que não vivíamos há muitos e muitos anos: estaríamos diante de uma fratura" no tecido social etíope, acrescentou.
Subscrever newsletter
Subscreva a nossa newsletter e tenha as notícias no seu e-mail todos os dias
Este cenário levaria ao colapso, neste país de cerca de 115 milhões de habitantes, de um sistema cuidadosamente elaborado para assegurar a coesão nacional entre mais de 80 grupos étnicos e que poderia conduzir a um caos além do que a Etiópia conheceu no passado.
De acordo com estimativas da ONU, a guerra matou milhares de pessoas, deslocou mais de dois milhões e colocou centenas de milhares de etíopes em condições próximas à fome desde o início do conflito em novembro de 2020.
O primeiro-ministro, Abiy Ahmed, enviou tropas para a região do Tigray para derrubar a Frente Popular para a Libertação de Tigray (TPLF) em resposta, disse o responsável político, aos ataques rebeldes aos acampamentos do exército etíope.
Os rebeldes recapturaram a maior parte de Tigray em junho, antes de chegar às regiões vizinhas de Amhara e Afar. O conflito tomou um novo rumo há um mês, quando a TPLF afirmou ter capturado cidades estratégicas numa rodovia importante que leva à capital.
Na quarta-feira, porém, a Etiópia anunciou a tomada por forças governamentais do sítio arqueológico de Lalibela, classificado pela Unesco como Património Mundial, que havia ficado sob o controlo dos rebeldes do Tigray em agosto.
Martin Griffiths pediu o fim da violência e apelou, sobretudo, no sentido de que se os combates chegarem à capital etíope, "os principais alvos devem ser evitados", nomeadamente o aeroporto e a própria cidade, que tem mais de cinco milhões de habitantes e "onde é inimaginável pensar em tal batalha".
Segundo o responsável humanitário, diplomatas e outros expatriados em Adis Abeba temem que o país possa ser palco de cenas que lembrem a caótica retirada do aeroporto de Cabul após a tomada do Afeganistão pelos talibãs em agosto.
Questionado pela AFP se achava que tal cenário poderia acontecer, Griffiths respondeu: "Acho que sim, mas espero que não."
O Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas anunciou na semana passada que o número de pessoas que precisam de assistência alimentar no norte da Etiópia subiu para mais de nove milhões, já que a seca agravou a insegurança alimentar em outras regiões.
Cerca de 400.000 pessoas no norte do país correm o risco de morrer de fome, um número indiscutivelmente subestimado de acordo com Griffiths, por causa das dificuldades para avaliar a situação no terreno.
No entanto, como as condições melhoraram, as agências da ONU estão agora em posição de avaliar a situação nas próximas semanas.
"Espero simplesmente, por Deus, que não vejamos esse tipo de infortúnio", declarou, quando questionado sobre o risco de um retorno à fome que matou mais de um milhão de pessoas na Etiópia em meados da década de 1980.