Eleições em Israel. À quarta pode não ser de vez

Um primeiro-ministro a contas com a justiça por corrupção vencerá as eleições de hoje em Israel, as quartas em dois anos. Sem maioria absoluta, Bibi Netanyahu depende dos rivais de direita para governar.

Vinte mil pessoas - os organizadores falam em 50 mil - manifestaram-se no sábado, em Jerusalém, para exigir a demissão do primeiro-ministro israelita, que está a ser julgado por corrupção, fraude e abuso de confiança. Os manifestantes entoaram, junto à residência oficial do chefe do Governo, palavras de ordem como "vai votar", "muda o Governo" ou "provoca a mudança". Foi a maior manifestação desde que o protesto pela demissão do primeiro-ministro começou, sempre aos fins de semana, no ano passado.

Benjamin Netanyahu é, ainda assim, o favorito a ganhar as eleições desta terça-feira. Mas a quarta ida às urnas em dois anos, pode, mais uma vez, não produzir no Knesset, o Parlamento israelita, uma maioria para governar: as sondagens apontam para um novo triunfo do Likud, com 27 a 31 deputados eleitos (detém 35 lugares no Parlamento cessante), mas a depender de rivais de direita para chegar à maioria de 61 deputados que traga estabilidade ao país.

A campanha foi muito virtual, muito nas redes sociais e dominada pela aposta de Netanyahu na massiva vacinação contra o coronavírus. No poder há década e meia, tem tentado passar a ideia de que está à frente de um país que afirma ser "laboratório mundial" das vacinas. Netanyahu lançou a campanha ao ser o primeiro vacinado no país, ao vivo na televisão, mas o Governo tem sido criticado - até internacionalmente - por fornecer um pequeno número de doses aos palestinianos e pelas concessões que terá feito à indústria farmacêutica: Israel conseguiu um fornecimento rápido e massivo de vacinas Pfizer-BioNTech em troca de dados biomédicos sobre o efeito da vacinação nos israelitas; mais de metade dos 9 milhões de cidadãos já estarão nesta altura imunizados.

A ocupação dos territórios palestinianos, as alegadas violações dos direitos humanos e da lei humanitária internacional, além de questões mais gerais sobre legitimidade democrática em Israel, são temas que não fazem parte da linha da frente da agenda partidária, pois esses não são temas que estejam no centro das preocupações dos israelitas.

Netanyahu puxa também dos galões pelos entendimentos diplomáticos conseguidos com alguns países árabes, ou seja uma espécie de paz com os Emirados Árabes Unidos, Bahrein, mas também as boas relações com Sudão, Marrocos e Kosovo, uma piscadela de olho ao eleitorado mais à esquerda do Likhud e aos árabes israelitas.

Netanyahu, que já não conta com o aliado Trump na Casa Branca, prometeu igualmente ganhar a "guerra" contra "a criminalidade" nas cidades árabes de Israel, diz já ter representantes da minoria a admitir colaborar com ele no combate à violência. A Lista Conjunta de três formações árabes-israelitas consegue oito deputados, de acordo com as últimas sondagens, tal como o partido ultraortodoxo Shas.

Nas três eleições anteriores, Netanyahu enfrentou o antigo comandante das Forças Armadas e líder da coligação centrista Azul e Branco, Benny Gantz. Após três duelos sem vencedor, os dois formaram, em maio do ano passado, um Governo de união para enfrentar a pandemia, mas esse executivo de unidade nacional caiu em dezembro.

Para a investigadora Ana Santos Pinto, do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), a grande prioridade do país é a recuperação económica pós-pandemia: "A grande dificuldade do estado israelita é criar uma recuperação económica, questão que é absolutamente fundamental, porque a economia já não estava no seu melhor estado, e, face aos permanentes períodos de confinamento, que como todos nós sabemos tem um impacto muitíssimo significativo na economia, é esse o ponto fundamental para a esmagadora maioria dos eleitores, designadamente aqueles que estão na classe média e que têm grandes dificuldades em manter o seu rendimento ou o nível de habitação e qualidade de vida que tinham".

O sistema eleitoral proporcional israelita favorece a entrada de pequenos partidos no Parlamento, mas a quantidade de formações políticas torna quase impossível uma maioria absoluta e obriga a negociações que são, tradicionalmente, complexas.

Atualmente, a coligação Azul e Branco luta por votos suficientes para entrar no Parlamento (3,25%) e Netanyahu tem como principais adversários o líder da oposição Yair Lapid do partido Yesh Atid (em português Há Um Futuro, 17-20 deputados, segundo as sondagens) e dois candidatos de direita: Gideon Saar, ex-Likud, que formou o partido Nova Esperança (estimativa de dez deputados eleitos), e o líder do partido de extrema-direita Yamina, de Naftali Bennett. Com as sondagens a apontarem para nove deputados, pode estar nas mãos dele a chave para abrir a porta a mais um governo de Netanyahu.

Os partidos de direita podem ter atitudes diferentes em relação a Netanyahu, mas convergem naquilo que para eles é essencial: a ocupação dos territórios da Palestina.

Se os partidos de centro e esquerda, como o Azul-e-Branco e o Meretz não conseguirem os 3,25% de limiar mínimo para entrarem no Parlamento, Netanyahu tem mais possibilidades de continuar no poder. Se, por outro lado, o partido sionista Smotrich não conseguir esse valor, Netanyahu pode não conseguir os 61 deputados que garantem a maioria e termina os seus doze anos de liderança do Governo, deixando os israelitas à mercê de uma quinta ida às urnas em apenas dois anos.

Santos Pinto duvida que Netanyahu consiga uma coligação estável: "Acho que vamos assistir a um resultado muito semelhante ao das três últimas eleições. A chave pode estar no segundo partido de direita mais votado. O Yamina, que é o partido do arquirrival de direita Naftali Bennett, pode ganhar aqui uma margem negocial muito significativa. Penso que esta quarta vez em que os israelitas vão às urnas em dois anos terá a probabilidade de gerar uma coligação igualmente frágil e veremos eleições repetidas daqui a uns tempos".

Num país paralisado e sem reformas há praticamente dois anos... à quarta, pode ainda não ser de vez.

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