Entrada na NATO não é uma opção a ser considerada na Suécia e Finlândia

A primeira-ministra sueca e o presidente da Finlândia garantiram-no ainda ontem, em entrevistas à imprensa nórdica, considerando não haver ameaças reais à segurança nacional para se pôr a questão da NATO na mesa apesar da invasão da Ucrânia.

Numa resposta direta ao aviso do Kremlin sobre consequências político-militares em caso de adesão à NATO da Suécia e Finlândia, a primeira-ministra da Suécia, Magdalena Andersson comenta: "Vou ser o mais explícita possível. Cabe inteiramente à Suécia decidir a nossa própria política de segurança."

Mesmo assim, é duvidoso que a entrada na NATO dos dois parceiros nórdicos seja uma opção a ser ponderada seriamente nos bastidores do poder em Estocolmo ou Helsínquia. Ainda ontem, em entrevistas à imprensa nórdica, Magdalena Andersson e o Presidente da Finlândia, Sauli Niinistö, expressaram ambos a ideia de que não existem ameaças reais à segurança nacional para que uma adesão à NATO necessite nesta altura de ser seriamente ponderada.

Sono como arma de guerra

Niinistö deu mesmo a entender que a Finlândia tem condicionalismos geográficos que não pode ignorar, e que continua a ter o mesmo vizinho a Leste. Na memória coletiva dos finlandeses está bem presente a ameaça que a Rússia constitui para países fronteiriços que desafiem claramente os interesses do Kremlin. Em novembro de 1939, a Finlândia foi invadida por 450 mil tropas da URSS organizadas em 21 batalhões, numa operação que Josef Stalin e os seus generais contavam ir ser rápida e devastadora. O desejo de anexar rapidamente uma Finlândia cada vez mais distante dos interesses de Moscovo da altura era demasiado tentador, mas os generais soviéticos não podiam estar mais enganados.

Os finlandeses, apesar de uma enorme inferioridade bélica a todos os níveis, ofereceram resistência feroz e inesperada. Dois dias após a invasão ter começado, a Rússia instalou um governo finlandês fantoche em território conquistado, mas os finlandeses recusaram-se a aceitar a legitimidade do executivo pró-russo.

Graças a uma estratégia em boa parte baseada em guerrilha descentralizada, mas inteligentemente coordenada, os finlandeses iniciaram ataques surpresa em série que privaram os invasores de sono e de coragem: os soldados soviéticos nunca sabiam quando, e de onde, ataques isolados viriam. Os finlandeses, frequentemente em grupos de apenas dois ou três homens, atacavam por breves instantes os agrupamentos de tropas soviéticas entrincheiradas, desaparecendo depois nos densos bosques gelados da Finlândia tão rapidamente como vieram. Os finlandeses revezavam-se nos ataques de guerrilha, com o objetivo de criar crescente medo entre os soviéticos e privá-los de descanso continuado. A falta de sono tornou-se numa das mais eficazes armas de guerra finlandesas.

Custo da paz

Com a invasão sem solução à vista, e o custo humano a aumentar em ambos os lados, a guerra-relâmpago antecipada pela URSS emperrou, sem grandes progressos no terreno. Os soviéticos lutavam contra um país que conhecia bem um terreno ferozmente defendido de finlandeses dispostos a morrer para salvarem a Pátria. Três meses e meio de uma invasão falhada que ficou conhecida como a Guerra do Inverno culminaram num acordo de paz com Stalin, em que a Finlândia cedeu 9% do seu território à Rússia, aceitando ainda declarar-se como país neutral. A Finlândia perdeu o acesso ao Mar Ártico a Norte, e boa parte da província da Carélia a Sul. A perda mais significativa foi, no entanto, a cidade finlandesa de Viborg, que na altura era a quarta maior da Finlândia. Estima-se que 450.000 finlandeses tiveram que sair dos territórios cedidos à Rússia.

Durante o período da Guerra Fria, Helsínquia manteve boas relações com a URSS a todos os níveis, mas sempre com agilidade política para nunca irritar ou provocar Moscovo. Em 1989, a URSS era mesmo o principal parceiro económico da Finlândia, convertendo os finlandeses a política de neutralidade imposta pelo acordo de paz em benefícios económicos e prosperidade social. A ocidentalização da Finlândia independente, sob uma aura de subjugação passiva a certos interesses de Moscovo ficou conhecida como "Finlandizaçäo".

Quebra-cabeças militar

Os peritos militares nórdicos explicam que os sistemas descentralizados de defesa da Suécia e Finlândia, em parte semelhantes ao da Suíça, estão concebidos para provocarem graves problemas logísticos a um invasor. A ideia é fazer inimigo pensar que uma invasão será não só demorada e muito cara, como se tornará num quebra-cabeças para ser bem-sucedida. Basicamente, o invasor terá de destruir um número infindável de potenciais alvos se quiser ter alguma esperança de mudar as cores da bandeira nacional em Estocolmo ou Helsínquia.

Por exemplo, na Suécia, qualquer barracão acima de uma determinada dimensão tem de ter acessos e ser construído para esconder os aviões de guerra suecos. A Suécia tem assim 13 mil esconderijos para, em menos de uma hora, proteger toda a aviação militar do país. A Suécia possui também uma poderosa indústria própria de armamento, que inclui alguns dos mais avançados caças de guerra do mundo (Jas-Grippen), bem como avançados submarinos, aviões de reconhecimento, e sistemas sofisticados de radar e comunicações, mísseis de pequeno alcance e defesa antiaérea.

Antes do colapso da URSS, a estratégia militar sueca era a de que a invasão da Suécia só era provável num cenário de guerra generalizada na Europa. O objetivo era a Suécia conseguir suster uma invasão por pelo menos um mês antes de receber ajuda da Nato no quadro de uma propagação quase inevitável de um conflito com a URSS a outros países europeus.

Também quase todas as estradas na Suécia e Finlândia têm troços com intervalos regulares mais largos, e sem outros obstáculos (linhas elétricas, pontes ou separadores), para poderem servir de pistas improvisadas para a aviação por todo o lado. Os donos de veículos comerciais, ou 4x4, podem também ter que ceder as viaturas ao exército em caso de guerra, o que em teoria obriga um invasor a atacar qualquer veículo civil ou militar na estrada para neutralizar movimentos de tropas. A requisição militar das viaturas é comunicada pouco tempo após o registo do veículo, recebendo o dono ordens para entrega imediata de uma chave ao exército e instruções sobre o que fazer em caso de um conflito militar.

Perante um número infindável de alvos, o invasor fica quase inevitavelmente impedido de avanços rápidos no terreno, para além de ter que equacionar custos muito mais elevados numa campanha de guerra onde o inimigo pode estar em todo o lado.

Para finlandeses e suecos é assim melhor colocar meia dúzia de cadeados na bicicleta para que o ladrão desista e opte por outra... É que mesmo que liguem para o 112, é duvidoso que seja despachada uma patrulha policial para os ajudar.

ACOMPANHE AQUI TUDO SOBRE O CONFLITO ENTRE A RÚSSIA E A UCRÂNIA

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