Exército europeu? "A diferença seria muito pequena" nesta guerra

O historiador António José Telo defende que o futuro deve passar por uma estratégia comum de defesa na União Europeia. Um exército único, acrescenta, poderia ficar paralisado, caso um dos 27 países não concordasse com determinada intervenção militar. Travar Putin? "O Ocidente deve negociar com a China e não com a Rússia", defende.

A ideia de um "Exército Comum Europeu" entre os 27 estados-membros da União Europeia (UE) já não é nova. Mas, à medida que a Rússia avança pelo território ucraniano e a presença mais próxima junto à fronteira da UE, pode fazer reemergir a questão. Em entrevista à TSF, António José Telo, historiador da Academia Militar, acredita que essa opção de pouco valeria no atual contexto. No futuro, é preferível haver antes uma estratégia comum.

"Nesta crise se houvesse um exército europeu qual seria a diferença? Seria muito curta e pequena, o que interessa é que a Europa está desarmada. Se a Europa estivesse armada, mesmo que não houvesse um exército europeu a questão seria diferente. Esse desarmamento é sobretudo evidente na Alemanha. Não estou a falar tanto num exército europeu, mas sim de capacidades que a guerra moderna, tem mais importância do que isso, na capacidade de ciberguerra, controlo do espaço, por exemplo", esclarece.

António José Telo acredita que no cenário de haver um exército europeu, "bastaria um estado-membro não concordar para ficar tudo paralisado". "De que serviria um exército?", questiona.

Recentemente, em entrevista à Rádio Renascença, o ministro da Defesa português considerou não ser apropriado o uso do termo "exército comum", defendendo antes um reforço no investimento e na cooperação. João Gomes Cravinho alertou para a necessidade de reduzir a disparidade de capacidades e deu o exemplo de "haver dezenas de carros de combate diferentes na Europa".

Quanto ao fornecimento de armas à Ucrânia, António José Telo não fica espantado com a opção, já que é um modo de atual normal, "sem se considerar que seja um ato de guerra".

O historiador recorda os tempos da Guerra Fria, que colocou frente a frente os Estados Unidos e a então União Soviética, em que as duas potências foram armando fações em vários países. "A Rússia fez isso no Vietname, onde os Estados Unidos estavam empenhados, fez isso na Coreia do Norte. Os norte-americanos fizeram o mesmo no Afeganistão, quando era a Rússia que esteva a ocupar esse país", acrescenta. No entanto, o especialista militar considera que no caso da Ucrânia a novidade é que têm sido mais países do que o habitual a enviar material militar.

Quebra da neutralidade? "É uma tomada de posição pelo vencedor"

Para ajudar a Ucrânia muitos países têm quebrado o estatuto de neutralidade, que mantiveram ao longo de décadas, são os casos do Japão e da Suíça. No caso dos nipónicos, enviaram na terça-feira à noite coletes à prova de bala, capacetes e mantimentos para a Ucrânia. Foi a primeira vez que o Japão quebrou a postura pacifista que adota desde a Segunda Guerra Mundial, doando pela primeira vez equipamentos a outro país.

Já a Suíça, país que guarda as grandes fortunas dos oligarcas russos, optou por aplicar na íntegra as sanções económicas que a UE imputou à Rússia. Entre as sanções estão a proibição de entrada no país para membros próximos de Vladimir Putin e também o congelamento de ativos que têm no país.

A Irlanda, através do seu primeiro-ministro, assumiu que integrar a NATO é uma opção "a longo prazo" e pondera abandonar a neutralidade que mantêm há mais de 100 anos, no que diz respeito a conflitos internacionais.

Nos casos dos países do norte da Europa a estratégia tem sido algo semelhante. A Finlândia, que partilha fronteira com a Rússia, e a Suécia já prometerem intensificar as relações com a NATO, sem nunca se comprometerem com um pedido de adesão à aliança atlântica. Um eventual pedido que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, já garantiu ser um "ultrapassar de uma linha vermelha".

Se a Rússia quiser replicar na Finlândia o ataque está a fazer à Ucrânia, José António Telo alerta que não será tarefa fácil e recorre ao passado. "Em 1939, a "Guerra de Inverno", entre a União Soviética e a Finlândia, em que os soviéticos tinham uma esmagadora superioridade de forças e levou uma tareia tremenda, ou seja, a campanha prolongou-se uns meses e no final teve de assumir uma posição de compromisso, em que a Finlândia foi obrigada a recuar, mas numa solução de compromisso. Foi algo que marcou fortemente a Rússia. O que aliás, a partir daí, reorganizou todas as suas forças armadas", acrescenta.

António José Telo afirma que "a Finlândia pode parecer fraca, mas não é tão fraca como isso. Pelo contrário, tem uma tradição longa de defesa popular, pelo empenho da totalidade da população".

Já sobre possíveis soluções para o conflito, o historiador considera que a "China é o único país com autoridade moral para chegar ao pé da Rússia e obrigá-la a mudar de posição, sobretudo porque a Rússia sabe que não aguentará as sanções sem o apoio da China". Com os efeitos das sanções a provocarem danos no comércio mundial, no sistema de pagamentos internacional e no preço da energia, António José Telo diz que são tudo "más notícias para a China". "A economia do país assenta na exportação e tem uma grande dependência das importações. São abalos que não interessam à China", explica.

O especialista em assuntos militares afirma que os países ocidentais devem sentar-se à mesa para negociar com o regime de Xi Jinping, porque só este pode fazer a Rússia de Vladimir Putin sair da Ucrânia. "Possivelmente o Ocidente deve negociar com a China e não com a Rússia", defende.

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