"Grande evolução cultural." Cachalotes partilhavam informação sobre ataques de baleeiros no século XIX

As baleias aprenderam a escapar aos ataques no oceano Pacífico há dois séculos. A forma secreta como comunicavam diminuiu a taxa de cachalotes mortos em 58% em apenas alguns anos.

Um estudo recente publicado pela Royal Society reconstrói os acontecimentos da caça de cachalotes no Pacífico Norte durante o século XIX. Os investigadores digitalizaram e consultaram diários de bordo, a partir dos quais concluíram que, em apenas alguns anos, a taxa de animais apanhados pelos arpões diminuiu em 58%.

O jornal The Guardian revela que as observações permitiram concluir que a informação relativa aos ataques aos cachalotes estava a ser partilhada entre estes mamíferos, que acabaram por alterar comportamentos. O contacto com o ser humano, com desfecho fatal para a espécie, permitiu-lhes, por isso, aprender com os erros.

A descoberta está a ser descrita como notável já que pode conduzir a uma compreensão das reações destes animais à ameaça da mão humana ainda no século XXI. Mas o estudo também lança uma pergunta: se estas baleias eram tão inteligentes como permaneceram nos mesmos lugares à espera de serem mortas? A resposta é: não permaneceram.

Os cachalotes reagem de uma forma tradicional aos ataques das orcas, as suas únicas predadoras até o ser humano aparecer nesta cadeia alimentar: formam círculos defensivos, mantêm as poderosas caudas estendidas para fora para manter os predadores à distância. Mas essas técnicas apenas tornaram mais fácil o abate por parte dos baleeiros, conforma explica o investigador Hal Whitehead ao jornal The Guardian.

Durante anos a chacina de cachalotes ensombrou o nome e a fama do oceano Pacífico. Herman Melville, baleeiro no Pacífico em 1841, escreveria em Moby-Dick (1851): "O ponto discutível é se o Leviatã pode suportar por muito tempo uma perseguição tão ampla e uma devastação tão impiedosa."

Só que os cachalotes são animais com grande capacidade de socialização e comunicação a grandes distâncias. Agrupam-se em clãs, definidos pelo dialeto a partir de cliques de sonar, e de forma matrilinear, o que faz com as informações sobre novos perigos possam ser partilhadas a partir das matriarcas, como comunicam necessidades de alimentação. Os cachalotes são ainda a espécie do planeta com o maior cérebro e compreenderam o risco que os ameaçava.

Os caçadores relatam nos seus diários de bordo que se aperceberam dos esforços das baleias para escapar, e descrevem que os cachalotes pareciam comunicar no interior dos núcleos atacados. Abandonavam as formações defensivas tradicionais, nadavam contra o vento e assim escapavam aos navios, também movidos pela energia eólica.

"Esta foi uma evolução cultural, a um ritmo muito rápido para a evolução genética", admite Hal Whitehead.

As baleias começam agora a recuperar-se da destruição industrial pelas frotas baleeiras do século XX - cujos navios a vapor e arpões eram destruidores e implacáveis -, mas voltam a enfrentar novas ameaças criadas pela tecnologia. "Estão a aprender a não serem atropelados por navios, a lidar com os desafios da pesca com palangre, e com a mutação dos seus alimentos devido às alterações climáticas", elenca Whitehead. Há ainda o perigo da poluição sonora, do qual não conseguem escapar.

Até hoje o canto da baleia permanece um mistério. A cultura das baleias é muitos milhões de anos mais velha do que a humana e tem vindo a aprender a adaptar-se. Escreveu Melville, como uma profecia, em Moby-Dick. "Consideramos a baleia imortal na sua espécie, por mais perecível que seja em sua individualidade, e, se algum dia, o mundo for inundado novamente, então a baleia eterna ainda sobreviverá e lançará o seu desafio espumante os céus."

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