La Palma quatro meses depois da erupção: "Parte dos bairros continua enterrada em lava e cinza"

Mais de 8000 moradores das zonas mais afetadas pela erupção vulcânica continuam sem poder voltar a casa e à espera de uma solução.

Durante 85 dias e 8 horas nada mais se ouviu na ilha de La Palma. O rugido do vulcão de Cumbre Vieja começou no dia 19 de setembro de 2021 e não parou até ao dia de Natal. Rios de lava, chuva de cinzas, e o ruído, sempre o mesmo ruído ensurdecedor ao fundo.

"Ouvi-lo... ouvi-lo era não querer ouvi-lo, na verdade", diz Jennifer Sánchez. Ainda hoje, ao outro lado do telefone, tem de respirar fundo cada vez que lembra aqueles dias: "Tivemos muito medo, muita incerteza, não saber o que fazer... quando achávamos que o vulcão ia parar, voltava a ganhar força e a continuar a sua destruição. Foi muito difícil, muito duro."

Jennifer Sánchez vivia em Las Manchas, um dos bairros mais afetados pelo vulcão. Quatro meses depois do fim da erupção e a paisagem continua a ser quase a mesma: montanhas de lava sepultam edifícios inteiros e outros escondem-se debaixo das cinzas que se levantam em remoinhos quando sopra o vento. As estradas desapareceram, a maioria das casas está vazia e os serviços básicos continuam sem estar disponíveis.

"Parte do bairro está enterrada em lava e a outra em cinza. Só alguns negócios, muito poucos, puderam abrir. Faltam os serviços mínimos: a água, os supermercados, o transporte, o consultório médico. A maioria das pessoas quer voltar para as suas casas mas é impossível", conta Jennifer.

O vulcão arrasou mais de 1200 hectares de terreno e os lares de 8000 pessoas que ainda hoje esperam uma solução. Jennifer Sánchez é uma delas. O vulcão obrigou-a a deixar a casa com as duas filhas e a alojar-se noutro município no dia 19 de setembro, o primeiro dia da erupção. "Estivemos uma semana numa autocaravana emprestada e depois cederam-nos um estúdio onde podíamos ficar até dezembro. Os donos não queriam alugar a casa mas no final do ano convenci-os a deixarem-nos ficar mais uns meses porque não tínhamos para onde ir."

Até agora, o Governo das Ilhas Canárias já entregou 435,35 milhões de euros às pessoas afetadas pelo vulcão, a grande maioria, cerca de 189,1 milhões, destinada a habitação, mas o processo é lento e, além do dinheiro, faltam outros trâmites essenciais. Os trabalhos de limpeza e recuperação do bairro de Las Manchas iniciaram-se assim que a erupção terminou, mas ainda não se sabe que zonas serão recuperáveis, deste e outros bairros afetados. Além da destruição, falta definir a área protegida que vai ficar como parque natural e onde não será possível reconstruir.

"Há vizinhos que perderam tudo debaixo da lava, não sabem como se vão fazer essas avaliações, se os vão expropriar, se o solo vai ficar à sua disposição... o que fazer com essa possível indemnização que ainda não chegou... falta-nos muita informação", explica.

Por isso, uma das principais reivindicações das associações de moradores é a definição do plano de proteção ambiental que vai estabelecer as zonas onde não será possível realojar a população. "A delegação do Governo nas Canárias apresentou-nos uma proposta feita por geólogos, mas ainda não é a definitiva. Dá-nos uma ideia das zonas e dos sítios onde estão as bocas do vulcão mas não temos data para a apresentação do estudo definitivo."

Quando forem definidas as zonas protegidas, começa uma nova fase de adaptação à convivência com o vulcão que tem de ser feita e que pode trazer também consequências positivas para a população. "Tudo depende da política adotada pelos gestores do território, mas num país dentro da União Europeia, com muito espírito de conservação, de turismo verde, talvez seja mais negócio e pensando no bem-estar dos habitantes da ilha, a conservação e o turismo, do que o uso da superfície para restabelecer as plantações de banana", analisa o vulcanologista Vicente Soler.

Avisos desde 2017

Soler mudou-se dia 20 de setembro, um dia depois do início da erupção, para La Palma desde Tenerife, onde vive e trabalha habitualmente, no Instituto de Produtos Naturais e Agrobiologia (IPNA), para acompanhar o fenómeno de perto. A partir de então é uma das vozes mais reconhecidas sobre o vulcão de Cumbre Vieja.

"Transformou-se num fenómeno especial com o passar dos dias. Havia muitas bocas, nunca parou a emissão de lava e piroclastos e acabou por ser o maior vulcão da série histórica da ilha contra todos os prognósticos", explica. "Desde o início da serie histórica, em 1585, até à erupção de 1971, cada erupção tinha sido mais curta que a anterior e nada fazia prever o que aconteceu agora."

E o que aconteceu agora foram mais de três meses de uma erupção cujos primeiros sinais começaram em 2017. "Os primeiros avisos começaram nesse ano, com um conjunto de sismos detetados de forma instrumental [que não foram sentidos pela população], e que se repetiram até seis vezes nos anos seguintes. Estávamos atentos mas não sabíamos quantos anos podiam passar até se produzir a erupção."

Foram cinco. Soler lembra que a maioria dos vulcões "avisa sempre com certa sismicidade" e, ainda que a destruição material seja inevitável, o previsibilidade ajuda a minimizar os riscos para a população. "Nestas ilhas, como La Palma e São Jorge, nos Açores, também, é de esperar que antes da erupção haja uma deformação significativa do terreno e uma serie de sismos. Em La Palma, uma semana antes da erupção, havia atividade sísmica sentida pela população", recorda.

No caso de São Jorge, que viveu uma crise sísmica em março, a ameaça acabou por não se concretizar, "para já". "A combinação entre sismicidade e deformação do terreno é a que melhor parece funcionar para detetar o processo de erupção cedo. Aliás, em São Jorge, o semáforo de risco vulcânico esteve em quatro sobre cinco...ou seja, os cientistas portugueses viam claramente que se tratava de uma intrusão magmática", explica.

Semelhante na forma de se manifestar, o vulcão de São Jorge pode, no entanto, ser diferente nas consequências, tendo em conta os acontecimentos históricos. "As duas erupções históricas de São Jorge aconteceram em maio e, nas duas, houve pequenas nuvens de pomes que mataram dez pessoas cada uma. A ilha de São Jorge tem esta componente da pedra pomes que lhe dá um pouco mais de perigo que se deve ter em conta ao nível da prevenção", avisa.

Quatro meses depois, as sequelas da erupção ainda hoje se sentem em La Palma. "Ainda há pequenos sismos e isso vai existir durante muito tempo. Depois da erupção há uma certa deformação do território e esta atividade é um reajuste necessário que, pouco a pouco, irá desaparecer. Além disso, há emissões de gás quente na zona do vulcão, que podem durar anos. Para já o que mais preocupa é a concentração de CO2 em níveis ainda perigosos em algumas zonas que ainda impede o regresso da população", explica.

O vulcão deixou de rugir, mas tudo mudou no vale de Aridane. O verde das plantações deu lugar ao negro das capas de cinza e lava, algumas com mais de 70 metros de altura. O turismo regressa pouco a pouco à ilha, atraído pela mesma paisagem que lembra que o dia a dia ainda está longe de voltar ao normal.

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