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Sviatlana Tsikhanouskaia é a líder da oposição bielorrussa contra a última ditadura na Europa. Chega na próxima semana a Portugal para dialogar com a presidência da UE. Entrevista exclusiva à TSF.
TSF: Sviatlana Tsikhanouskaia, quais são as suas expectativas para esta visita a Portugal?
Sviatlana Tsikhanouskaia: Será a minha primeira visita a Portugal, apreciamos muito a oportunidade de visitar esse país, Portugal está na presidência da União Europeia (UE), e pensamos que essa ligação pode ser muito útil, tendo em conta a situação na Bielorrússia.
Ouça aqui, na íntegra, a entrevista de Ricardo Alexandre com Sviatlana Tsikhanouskaia
Com quem é que se vai encontrar em Portugal?
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Reuniremos de certeza com o Ministro dos Negócios Estrangeiros e com o ex-presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso e há mais algumas pessoas com as quais gostariam os de nos reunir mas ainda está a ser preparado nesta altura.
Também com os bielorrussos em Portugal...
Em todos os países falamos com a diáspora bielorrussa, é uma questão muito sensível mas todos os bielorrussos no mundo estão unidos nesta altura e a fazer um grande trabalho no terreno para pôr a Bielorrússia na agenda. Temos sempre muito prazer em encontrar-mo nos com eles, tenho a certeza de que em Lisboa também vai ser um encontro muito agradável, vamos ver-nos, saber o que estão a fazer em concreto para ajudar o povo bielorrusso, como comunicam com o governo de Portugal para influenciar as decisões, como ajudam a sociedade civil na Bielorrússia.
Não se sente desiludida com a UE?
Não, eu não me sinto desiludida, porque a UE fez um grande trabalho em relação à Bielorrússia. E o facto de os países da União Europeia não terem reconhecido Lukashenko como presidente legítimo nem as eleições fraudulentas foi uma mensagem muito poderosa para as pessoas: de que não estamos sozinhos, todo o mundo está a olhar para nós e apoiar o movimento da Bielorrússia rumo à democracia.
Aquilo que se passa na Bielorrússia é uma dor nossa. E só os bielorrussos são responsáveis pela situação. Mas precisamos tremendamente de apoio e assistência por parte da União Europeia, tendo em conta os abusos dos direitos humanos no país. Queremos justiça, a Bielorrússia é um país sem lei nesta altura. É a nossa dor. Claro que queremos que as decisões da UE sejam mais corajosas e as declarações que são feitas que sejam mais fortes e as ações mais ativas. Também entendo que a UE é uma máquina imensa e por vezes parece muito lenta. E o tempo na Bielorrússia é percecionado de forma diferente porque muitas pessoas estão a ser detidas, pessoas inocentes estão nas prisões, há mil pessoas com acusações criminais por protestarem. Para essas pessoas, todos os dias são importantes. Portanto, é natural querermos que as decisões sejam mais rápidas, não queremos que a Bielorrússia desapareça da agenda europeia, então para o povo bielorrusso a UE é uma coisa fantástica e sabemos que a UE podia fazer muito mais do que fez, embora já tenha feito muito. Sabe... Há uma crise humanitária na Bielorrússia, gostaríamos que o mundo se movesse connosco... mais rapidamente, sim.
Foi importante o prémio Sakharov, atribuído pelo Parlamento Europeu à oposição democrática bielorrussa?
Com certeza. Todos os passos em direção à Bielorrússia, qualquer reconhecimento, todos os prémios para o povo bielorrusso que realmente mostrou tanta bravura, são importantes. É graças a estes prémios que mais e mais pessoas sabem da situação na Bielorrússia e da luta das pessoas pelos seus direitos, é importante sem dúvida".
Já teve algum contacto com a Administração Biden?
Estamos em contacto com a Administração Biden e a preparar a nossa visita, embora adiada sem data por causa da situação da Covid e confinamento. Mas estamos a trabalhar com os Estados Unidos e têm-nos ajudado bastante. O importante é que os Estados Unidos, a UE e outros países consolidem o seu apoio e falem a uma só voz. Quando estão unidos, são mais fortes".
Disse que os EUA estão a ajudar-vos. Estão a receber ajuda financeira da América?
Nós estamos sempre atentos às formas de apoio à sociedade civil. Por um lado, estamos sempre a pensar em como colocar pressão sobre o regime, tentando que seja cortado o financiamento externo às organizações estatais, transformando isso em apoio à sociedade civil, que estão a lutar e a sofrer neste momento. Claro que, por vezes, este apoio é bastante lento, muitos países estão dispostos a ajudar organizações de defesa dos direitos humanos ou os mass média, mas é uma ajuda que pode demorar dois ou três meses a chegar e nós não temos esse tempo. Precisamos de assistência imediatamente, de modo muito urgente e estamos sempre a insistir nisso. Por favor, respondam a esta urgência.
Na semana passada, o secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken anunciou sanções contra 43 oficiais bielorrussos envolvidos na repressão, depois de as jornalistas Katsiaryna Bakhvalava e Daria Chultsova terem sido condenadas a dois anos de prisão por filmar protestos em novembro. Qual é a sua reação a essa indicação do Departamento de Estado dos EUA?
Claro que é uma boa indicação, mas entendemos que é apenas o primeiro passo. Essa lista de sanções será estendida, no futuro mais próximo. E queremos que os EUA consolidem esforços com outros países como o Canadá, para impor sanções não só a nível nacional, mas também ao nível internacional, juntamente com a UE. Os Estados Unidos são líderes da democracia e a UE e as Nações Unidas vão seguir os sinais que forem dados, como estender as sanções a indivíduos do regime que são marionetas de Lukashenko.
Neste momento, qual é a questão que torna mais difícil a luta pela democracia?
O tremendo nível de violência na Bielorrússia. E contra isso não podemos lutar porque queremos uma transição pacífica do poder, O nosso objetivo são novas eleições, não estamos a lutar pelo poder como um partido ou assim, queremos apenas que sejam organizadas novas eleições. Não é apenas difícil, é impossível lidar com esta violência e de a contradizer. Por isso é que é tão importante a assistência da UE e de outros países. Num país onde os direitos humanos são violados e as pessoas são torturadas nas prisões, a voz dos países democráticos é crucial.
Falou em transição pacífica de poder, mas por outro lado em organizar eleições. Considera-se presidente?
Nesta altura, considero-me a líder de um país democrático ou a líder eleita porque sei - e as pessoas na Bielorrússia sabem - que o povo votou em mim como a sua líder de transição. Não vou participar em novas eleições. O meu mandato está limitado. Prometi aos bielorrussos que o faria até às próximas eleições e depois as pessoas escolherão o seu novo presidente para uma nova Bielorrússia.
Não se vai candidatar nessas eleições?
Não, não.
É definitivo?
Os cenários podem ser diferentes e não sabemos como as coisas vão acontecer, mas de momento digo que não, não vou participar em novas eleições. Haverá um candidato apropriado às eleições. Não conhecemos os obstáculos até essas eleições, mas de certeza que não serei candidata.
Em que consiste o documento "Estratégia para a Vitória dos Bielorrussos"?
Essa estratégia não é bem um plano de vitória porque não se pode inventar um plano milagroso que funcione. A estratégia é uma unidade de esforços, a unidade de centenas de pontos de pressão sobre Lukashenko. E para tornar esta estratégia bem sucedida, todas as pessoas na Bielorrússia que se esforçam por construir um novo país, têm de participar. É como que uma unidade de iniciativas que ajudará a que o regime ditatorial comece a negociar connosco e com a maioria das pessoas. Não se trata de ir para as manifestações em dias especiais e já está tudo bem. Não. É trabalho duro diariamente, colocando pressão sobre o regime. Dentro e fora do país.
Aleksandr Lukashenko conseguiu manter-se no poder, apesar da agitação cívica. Empregou força bruta para reprimir a dissidência, 33.000 pessoas foram presas. Como está a situação na Bielorrússia neste momento?
Lukashenko perdeu eleições e as pessoas sabem disso. Além do mais, depois das eleições em agosto houve um enorme nível de violência, Lukashenko transformou o país num inferno e perdeu qualquer legitimidade que pudesse ter aos olhos do povo. Perdeu o apoio mesmo daqueles que o tinham apoiado em anos anteriores. Conseguiu manter-se no poder apenas graças à polícia antimotim, à violência. Mas não pode durar para sempre. A mente das pessoas mudou, as pessoas querem muito fortemente a mudança. Mesmo que as manifestações desapareçam das ruas por causa da violência, as pessoas continuam a lutar. De momento, na clandestinidade, inventam novas formas de colocar pressão sobre este regime, mas acredito que as manifestações vão regressar num futuro próximo, as pessoas vão sair à rua e o mundo vai ver que estamos a lutar. Não parámos. Não desistimos. Continuamos a lutar pelos nossos direitos.
O mais importante aqui é que as pessoas não estão mais dispostas a viver como viveram nos últimos 26 anos. As suas cabeças mudaram. Esta luta vai continuar. Lukashenko é tóxico para os países europeus, Lukashenko já não é confortável para a Rússia, embora pareça uma irmandade, Lukashenko já não é mais conveniente para o Kremlin. Nós queremos ter boas relações com todos os países do mundo, a Rússia incluído com toda a certeza, somos vizinhos e queremos ser bons vizinhos no futuro. Mas é uma pena que o Kremlin tenha apoiado Lukashenko porque neste momento apoiá-lo significa apoiar a violência no país. Por isso, estamos à procura de uma solução para esta situação. E estamos sempre a dizer que a nossa revolução não é sobre a amizade entre a Rússia e a Bielorrússia, mas sim sobre uma crise política e humanitária no nosso país.
Acredita que o nível de violência possa aumentar ainda mais depois do inverno se as pessoas regressarem às ruas?
Eu penso que Lukashenko é um ditador cruel. E acreditamos que continue com este nível de violência. Mas estamos a trabalhar com as estruturas que são próximas a Lukashenko como a polícia antimotim, a nomenclatura e eles, na verdade, também não apoiam Lukashenko. Apensas sentem medo... de ir para a prisão, de serem despedidos. Temos estado a explicar-lhes que vão continuar nos seus lugares depois da vitória. Façam as vossas escolhas agora porque vamos precisar de vocês no futuro. Decidam por vós próprios se querem apoiar a ditadura e se querem que as vossas crianças vivam debaixo desta pressão no futuro. Venham para o nosso lado e lutem connosco. Mesmo que não possam sair dos vossos postos, fiquem onde estão, mas ajudem-nos. E essa mensagem tem sido muito produtiva porque nos tem permitido obter muita informação das estruturas internas do poder. As pessoas continuam lá, mas ajudam-nos com informações, com vídeos, com imagens de provas de violência e tortura. Estão a ajudar-nos subterraneamente. Ou seja, nós vemos que ele está sozinho. Apenas um círculo restrito muito muito próximo dele o apoia. Ou tem medo dele, nem sei bem. Mas a maior parte das pessoas que estão nos ministérios, estão connosco.
Conquistam as pessoas para o vosso lado prometendo-lhes que vão conservar os empregos...
Com certeza. Embora haja muita gente que participou na violência e terão de responder pelos seus crimes, mas asseguramos que serão tribunais justos e honestos, não serão julgados em tribunais sem lei. Obviamente que toda a gente que cometeu crimes pesados terá de responder pelos seus crimes, mas os restantes que não tenham as mãos manchadas de sangue, que não seguiram as ordens criminosas, com certeza que continuarão a poder trabalhar.
Está pronta para o diálogo?
Com certeza. Não só aceitamos diálogo como estamos a lutar para que o diálogo aconteça. Sempre dissemos que precisamos de diálogo. A maior parte das pessoas do que se considera a oposição e os que estão na nomenclatura querem este diálogo no qual decidiremos quando serão as eleições, as garantias para Lukashenko e muitas outras questões. Queremos uma transição pacífica de poder, não precisamos de qualquer espécie de guerras ou de violações do nosso lado. É pelo diálogo que queremos atingir os nossos objetivos.
Está então disposta a sentar-se com Lukashenko, frente a frente, à mesma mesa?
Se necessário sim, mas estou certa que o próprio não participaria, porque podemos ver quão cruel ele é. Mas estamos a pedir aos ministérios e às pessoas que estão no poder neste momento. Não é com Lukashenko. É com as pessoas que estão à volta dele. Elas é que devem estar na mesa de negociações.
Já se passaram mais de oito meses desde que o seu marido e candidato presidencial, Sergei Tikhanovsky, foi preso. Que notícias tem dele?
Está à espera do tribunal. Está preso há nove meses e as condições dos presos políticos na Bielorrússia são horríveis. Os nossos tribunais que condenam as pessoas a penas de prisão não estão de modo algum relacionados com a lei, com o direito. Ele está como outros presos políticos, à espera que o povo da Bielorrússia se erga de novo. Já não há esperança na lei, apenas no povo da Bielorrússia. E estamos a lutar diariamente.
Tem falado com ele ao telefone?
Não, no nosso país não é possível falar com pessoas que estejam sob investigação, apenas falei com ele uma vez ao telefone, quando a polícia permitiu. De resto, é através do advogado. De resto, comunicamos através do advogado.
Como é que lida com a situação com as vossas crianças?
Com as crianças? Tenho duas, a minha filha tem cinco anos e o meu filho dez. A minha filha pergunta todas as noites pelo pai e eu digo-lhe que o papá foi numa viagem de negócios, que não pode voltar por causa da Covid, invento um conto de fadas qualquer. O meu filho mais velho compreende onde o pai está mas já mais tem idade suficiente para entender a situação. Mas claro que é muito duro para os meus filhos não verem o pai há tanto tempo.
A sua vida mudou muito nos últimos nove meses...
Sim. Completamente. Ficou de pernas para o ar.
E tem alguma parte boa?
A minha vida é lutar todos os dias. E todos os dias compreendo que estou a fazer algo pela Bielorrússia, mas todos os dias tenho na cabeça as pessoas que estão na prisão, temos que fazer mais mais e mais para as libertarmos. E temos de convencer os líderes de diferentes países de que precisamos da ajuda deles, porque precisamos dessa ajuda. As pessoas estão a sofrer. Estamos constantemente sob esta pressão. Não posso descansar, sorrir ou relaxar. Estamos diariamente sob pressão. E estarei constantemente sob esta pressão até os presos políticos serem libertados.
Falou há pouco num candidato apropriado que aparecerá quando houver eleições. Esse candidato poderá ser o seu marido?
Ele poderá participar nas eleições se assim quiser, com certeza. Terá de ser um desejo dele, mas se for candidato, votarei nele.
E deseja que ele seja candidato?
Sabe, nós vamos construir um novo país. E estou certa de que a participação dele na construção desse novo país será muito útil. Como candidato, como presidente, ou não, isso realmente não é o que mais importa. Só precisamos que o nosso povo seja uma nação e sabendo quanto custa, qual é o preço desta vitória, as pessoas, em conjunto, construirão uma nova Bielorrússia. Não sei se ele desejará candidatar-se mas certamente que será útil, tal como eu.