Pelo conservadorismo ou pelo impulso? "Os extremistas têm um desempenho pior nas tarefas mais complexas"

Um estudo da Universidade de Cambridge revela que "os extremistas têm um desempenho pior em tarefas mais complexas". Alguns demonstram cautela, associada ao conservadorismo. Outros são impulsivos, mas também falham. Em entrevista à TSF, Leor Zmigrod garante que, seja como for, "a conclusão é de que [pessoas mais radicais] falham mais nas tarefas mais difíceis e têm mais dificuldades em controlar as suas emoções".

O cérebro humano guarda "assinaturas cognitivas" das ideologias defendidas por cada indivíduo. Leor Zmigrod, do departamento de Psicologia da Universidade de Cambridge estuda há já alguns anos essas impressões digitais que influenciam a forma como os seres humanos pensam questões como a política e a religião.

A descoberta mais recente surpreendeu-a. "É interessante", diz. Os investigadores da sua equipa, em Cambridge, descobriram que pessoas com visões extremistas - nas políticas, no nacionalismo e nas crenças dogmáticas - têm mais dificuldade em resolver tarefas mais complexas. Trata-se de uma relação que extravasa fatores demográficos como o género, a idade e a etnia.

Em entrevista à TSF, para o programa O Estado do Sítio, Leor Zmigrod, que já constou da lista da Forbes como uma das cientistas com menos de 30 anos mais relevantes do mundo, fala sobre o impacto deste estudo, que envolveu 330 participantes em 37 tarefas neuropsicológicas e 22 inquéritos à personalidade.

"Algumas pessoas são naturalmente extremistas. O que nós fizemos foi colocar a pergunta ideológica que olha para o seu extremismo, mas também para os seus níveis de nacionalismo e alinhamento político: o liberalismo, o conservadorismo... Todos estes tipos de ideologias. E depois tentámos analisar os indivíduos que eram mais extremistas e mais dispostos a praticar violência por causa do seu grupo ou da sua causa, e os que eram contra a violência." Foram realizados questionários de análise à personalidade, e os participantes foram colocados face a tarefas cognitivas.

A investigadora Leor Zmigrod explica o que foi avaliado: "No que toca à personalidade, uma das coisas que avaliámos foi a impulsividade. Se as pessoas estavam dispostas a parar-se a si mesmas quando é preciso, e a controlarem-se, a mostrarem autocontrolo. Algumas pessoas são muito boas a exercer o seu autocontrolo, e outras não. As pessoas respondiam de acordo com aquilo que era o seu comportamento típico. A partir daí, conseguimos aprender sobre o quão impulsivas são ou o quanto procuram novas experiências, sensações e adrenalina. As pessoas que tipicamente adoram montanhas-russas e as que nunca andariam numa."

A investigação permitiu depois detetar "o perfil da personalidade do tipo de indivíduos que se dispõem a embarcar em movimentos massivos e a cometer atos violentos", adianta a autora e investigadora da Universidade de Cambridge. "As pessoas que nos demonstravam que eram altamente impulsivas e que diziam procurar esse tipo de sensação de adrenalina eram as mais dispostas a praticar violência para proteger a sua causa. Isso é muito interessante."

"Jogos cerebrais": liberais mais rápidos, conservadores mais lentos

Diferentes formas a moverem-se no ecrã, círculos e figuras para ordenar e outros exercícios cognitivos. Os participantes no estudo foram confrontados com vários problemas. "Demos-lhes instruções, como: 'Aqui está um puzzle difícil. Resolva-o.' A partir daí conseguimos extrair informações sobre como pensam, sobre como os seus cérebros operam e processam os dados. Conseguimos apreender muitas características psicológicas. Há tarefas que são pedidas e são complexas, como terem de ordenar elementos e saber todos os aspetos que visualizaram."

O objetivo era compreender "como algumas pessoas conseguem perceber muito rapidamente como responder mas cometem muitos erros". No entanto, algumas pessoas optavam por uma estratégia mais lenta e consistente. Eram mais lentas mas também mais precisas. "Só pela forma como respondiam a estes exercícios de perceção conseguimos ver que as pessoas conservadoras, em termos políticos, tendem a ser mais lentas e cautelosas neste tipo de tarefas em que têm pontos a moverem-se no ecrã. Já os mais liberais eram mais rápidos nestes exercícios. Foi muito interessante, porque começámos a perceber o paralelismo entre a forma como o cérebro funciona e a ideologia que as pessoas defendem e para a qual se sentem atraídas."

Correlação não é causalidade

"A ideologia política e as ideologias religiosas demonstram como as pessoas são, como estão ou não dispostas a ouvir outras crenças. 'Se eu ouvir uma prova qualquer, não vou ouvi-la.' Há muitas pessoas que lhe dirão isso. Isso é dogmatismo, e cada um deles tem uma assinatura psicológica ou uma impressão digital. Aspetos como o conservadorismo político muitas vezes relacionam-se com a religião. Algumas coisas estão ligadas, e é por isso que vemos acentuações."

Mas há também situações diferentes, que contrastam com ideias preconcebidas, garante Leor Zmigrod. "Às vezes associamos política e religião, especialmente no Ocidente. As cabeças das pessoas que são conservadoras, entusiastas ou mentes abertas têm diferentes assinaturas psicológicas."

No entanto, o estudo de Cambridge não resolve a questão sobre o que causa o quê. "Neste campo, reconhecemos que há o problema do ovo e da galinha. É o problema de não sabermos o que surgiu primeiro. Como é que sabemos se as pessoas inicialmente eram mais lentas e cautelosas e depois sentem-se mais atraídas por ideais conservadores? Ou se é o facto de termos uma ideologia conservadora muito forte que nos faz mais cautelosos? Quanto ao extremismo, não temos a certeza absoluta de que as pessoas que têm dificuldades com tarefas difíceis se sentem atraídas automaticamente por ideologias que tornam tudo mais simples, ou se o facto de sermos atraídos por ideologias que simplificam demasiado o mundo e que tornam tudo 'sim, não, certo, errado', um pensamento de preto e branco, depois acaba por reformular o nosso processo psicológico. O problema do ovo e da galinha é sempre muito difícil de resolver, e a resposta mais provável é que isto seja um processo bidirecional."

"Cocktail caótico, muito intenso e perigoso"

Se os liberais são mais rápidos e os conservadores mais lentos, onde cabe o extremismo, e como se explica que os extremistas sejam menos bem-sucedidos em tarefas difíceis? Leor Zmigrod responde: "O que é interessante é que os extremistas têm um desempenho pior nestas tarefas mais complexas mas até demonstram alguma cautela, o que pode ter que ver com o conservadorismo. Mas outros demonstram impulsividade e também falham. Por isso, é uma análise complexa, mas em que a conclusão é que falham mais nas tarefas mais difíceis e têm mais dificuldades em controlar as suas emoções. Isso tudo junto é caótico e muito intenso, e penso que é esse o cenário daqueles que alinham em ideologias muito inflamadas. Isso tudo junto cria um cocktail perigoso."

A investigadora acredita que o estudo pode ajudar a compreender o outro, em vez de o julgar taxativamente. "Politicamente é muito poderoso saber que uma das razões pelas quais gravitamos em torno de certas ideologias tem que ver com o nosso perfil psicológico. É muito comum diabolizarmos o outro lado e dizermos que é irracional. Mas há estas tendências que puxam as pessoas em determinadas direções e compreendê-lo torna-nos mais capazes de compaixão e de compreensão."

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