"Recebemos uma prenda do Putin, obrigado por nos libertar. Só não sei do que nos está a libertar"
Reportagem TSF na Ucrânia

"Recebemos uma prenda do Putin, obrigado por nos libertar. Só não sei do que nos está a libertar"

"Há muito trabalho no meu departamento, muitas pessoas que precisavam de ser registadas... Temos crianças a nascer que precisam de ser registadas, temos famílias a formar-se independentemente de tudo. Eu caso as pessoas, eu casei os nossos militares." Deitada numa cama do Hospital Regional de Mykolaiv, Marina Andriyaj explica que, apesar de ter sido ferida, não tenciona abandonar o país. "O meu marido insiste, mas eu não vou", acrescenta a mulher de 35 anos.

É uma das vítimas do fogo russo que nos últimos dias tem assolado Mykolaiv. No domingo estava a entrar em casa, com a filha de 15 anos, quando foram "cobertas pela onda causada pela explosão". A mulher conta que foi salva por um carro: "Absorveu o impacto de um dos fragmentos e nós acabamos por sobreviver por causa deste carro."

Na manhã seguinte, Marina voltou a viver momentos de pânico quando as bombas de fragmentação rebentaram do lado de fora das paredes do quarto do hospital.

"Quinze bombas de fragmentação explodiram dentro do nosso perímetro", conta Petr Rimar, diretor do hospital. "O maior dano foi causado na unidade de quatro andares, onde ficou danificado o teto".

Junto a uma porta, a areia não foi suficiente para absorver todo o sangue que ali havia. O clínico explica que "é de um familiar de uma pessoa que aqui trabalha, estava à espera para irem para casa. Felizmente não foram ferimentos graves." Como graves não foram os danos causados no hospital, "desta vez", ressalva.

Os vidros de muitas janelas, até porque o sistema de aquecimento é elétrico, também deixaram de funcionar. Aponta para um cabo trespassado por um estilhaço. "Tivemos de trocar para outro tipo de equipamento de emergência."

O depósito de oxigénio do hospital não foi atingido. Por agora não é preciso remediar nada, mas horas depois do ataque vários trabalhadores enchiam sacos de areia para fortificar o equipamento.

No parque de estacionamento, antes das despedidas, Petr faz questão de nos mostrar que à hora do ataque já ali estava estacionado. O carro do diretor do hospital também foi atingido, tal como o de Pavlo, ali perto, mas noutro bairro da cidade: "É incrível."

"Estava entre mais três carros e mesmo assim foi atingido pelos estilhaços", conta enquanto tenta substituir o vidro traseiro por um plástico, com pouca fé na solução. "É óbvio que já não vai funcionar."

O ataque desta manhã impediu Pavlo de ir trabalhar, mas a guerra afastou-o do pai que mora na Rússia. Estiveram ao telefone no terceiro dia de guerra. "Começou a falar sobre o Donbass, aquelas mentiras todas que eles andam a contar. Falámos uns minutos, depois disso deixei de ter rede e ele não voltou a ligar."

Pavlo mora em Namyv, um pequeno bairro operário junto à margem do rio Inhul. "Isto é de loucos. Não sei o que é que eles vieram cá procurar, esta zona não tem nada. Só mercearias e casas residenciais, nem bombas de gasolina há."

O mesmo homem que, na véspera, viu os horrores de Bucha. "Não aguentei, fui-me abaixo. Hoje recebemos uma prenda do Putin. Obrigado por nos libertar. Só não sei de que é que ele nos está a libertar? Deve ser das nossas próprias casas", atira irónico.

Enquanto ignora o cão que parece chamá-lo, conta que pelo menos, enquanto tiver casa, também ele, como milhares de ucranianos, não tenciona abandoná-la. "Para onde? Não estamos seguros em lado nenhum, só vamos estar seguros quando eles finalmente saírem todos daqui ou matarem o seu Führer."

Pavlo não esconde a raiva e deixa um último desabafo: "Em vez de gastar tantas balas nas nossas cidades, mais vale eles gastarem uma bala para matar uma única pessoa."

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