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Os ponteiros nunca estiveram tão próximos da meia-noite. O chamado relógio do juízo final mostra, todos os anos, de forma metafórica, a que distância pode estar a humanidade da destruição. A meia-noite é a hora final e a partir de hoje estamos a apenas 90 segundos dessa meta, muito longe de 1991 quando o fim da Guerra Fria nos deixou a 17 minutos da meia-noite.
Nesta iniciativa são dadas as respostas a duas perguntas. Está hoje a humanidade mais segura ou em maior risco comparando com o ano passado? E está mais segura ou em maior risco comparando com todos os anos desde 1947? A resposta mostra a avaliação que cientistas e peritos em segurança fazem à ameaça que a humanidade enfrenta. Em avaliação estão as crises causadas pelo homem mas também as catástrofes naturais.
Ainda antes de revelar a nova hora, Rachel Bronson a presidente da Revista de Cientistas Atómicos, explicou que nesta altura a maior ameaça vem da guerra em território europeu. "As declarações dos russos de que vão usar armas nucleares lembram que o agravamento da situação por acidente, por erro ou de forma intencional é um grande risco." Rachel Bronson acrescentou que a possibilidade da guerra ficar fora de controlo é muito elevada.
Foi por isso que, nos últimos 12 meses, o relógio avançou dez segundos. Desde 2020 que os ponteiros não se mexiam.

© Anna Moneymaker/Getty Images via AFP
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Steve Fetter, professor da Universidade de Maryland defende que a ameaça nuclear aumentou como nunca desde a invasão da Ucrânia. Ele acredita que quando Putin diz que usará todas as armas para defender os territórios anexados, não está a fazer bluff.
O professor norte-americano recorda as palavras do presidente russo, logo no início da invasão, de que quem tentasse travar os russos deveria ter a consciência de que a resposta seria imediata e levaria a consequências nunca sentidas na história. A intenção, disse Steve Fetter, era travar uma resposta dos Estados Unidos e da NATO, que têm sido cautelosos, mas por mais cuidados que tenham a ameaça não está afastada. Se estiver perante a possibilidade de ser derrotado, Putin poderá avançar para o escalar do conflito.
O docente da Universidade de Maryland acrescentou que, mesmo que as armas nucleares não sejam usadas, os estragos já estão feitos. "A guerra pôs em causa os entendimentos construídos ao longo de 6 décadas para limitar os riscos de utilização desse armamento."
Para que o relógio possa recuar é preciso agir de forma rápida, mas isso não está a acontecer. Mary Robinson, antiga Presidente irlandesa e presidente da organização criada por Nelson Mandela, "The Elders", confessa que, há dois anos, quando acompanhou a colocação dos ponteiros a cem segundos da meia-noite, não podia imaginar que às ameaças já existentes iria juntar-se a pandemia de Covid-19 e a invasão ilegal de um Estado soberano por um membro permanente do Conselho de Segurança.
Mary Robinson diz que o aumento das ameaças faz sobressair o falhanço das lideranças. "Vivemos num mundo de crises interligadas e todas revelam a falta de vontade dos líderes de agirem em defesa dos interesses dos seus povos. A crise climática, a proliferação nuclear e a pandemia exigem uma mentalidade de combate por parte dos dirigentes. Precisamos urgentemente de ações multilaterais e de líderes éticos e ousados. Líderes como Nelson Mandela," sustentou a antiga presidente irlandesa.
A mesma ideia foi defendida pelo antigo Presidente da Mongólia. Elbegdorj Tsakhia salientou que ameaça existencial que o mundo enfrenta devia ser causa de preocupação para todos, mas mais preocupante é a incapacidade mostrada pelos líderes mundiais para estarem à altura dos desafios.
O antigo chefe de Estado relembrou a história de Pompeia, em Itália. "O início da erupção do Vesúvio causou alarme, mas foi seguido de muitos dias em que nada aconteceu. A população habituou-se, continuou a viver na localidade e quando a lava começou a cair já não houve tempo para fugir. Hoje vejo muitos 'montes Vesúvios' junto às nossas cidades. Vesúvios que são guerras, armas nucleares, ameaças patogénicas, pandemias e alterações climáticas."
Elbegdorj Tsakhia defende que os líderes têm de escutar os cientistas. Todos temos de os escutar. Os dois presidentes da Irlanda e da Mongólia interrogam-se sobre as razões pelas quais a maioria das pessoas ouviu e seguiu os conselhos dos médicos durante a pandemia, mas não o faz agora com os cientistas.