Reportagem TSF: "Ficamos até o fim." Mykolaiv não se rende e desafia as bombas russas
Guerra na Ucrânia

Reportagem TSF: "Ficamos até o fim." Mykolaiv não se rende e desafia as bombas russas

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A cidade portuária do sul da Ucrânia esteve sempre ligada ao mar e à indústria naval desde a sua fundação, em 1789, por Grigory Potemkin, príncipe do império russo, a partir de onde foi criando a sua temível frota de navios de guerra que controlavam o Mar Negro.

Este legado ligado ao fabrico de navios perdurou durante a União Soviética, mas cessou com a dissolução do regime e consequente retirada do Estado das diversas indústrias, o que as levou à bancarrota por falta de investimento privado.

"A nossa cidade passou tempo difíceis nos primeiros anos da independência da Ucrânia, não havia emprego. Mais de 500 mil pessoas dependiam diretamente ou indiretamente desta indústria", afirma Alexander Senkevich, atual presidente da câmara, que foi eleito perante promessas de gerir a cidade com base na transparência e uma aproximação à Europa, ele próprio um homem de negócios ligado à esfera tecnológica.

O mesmo responsável diz que até 2014 nunca tinha pegado numa arma, mas agora está disposto a lutar até ao fim, e traz uma pistola glock consigo, bem como segurança militar.

A cidade de Mykolaiv tem sido alvo nas passadas semanas de vários bombardeamentos com rockets russos enviados à partir de cidade ocupada de Kherson. "Hoje mesmo tivemos um ataque de manhã em que morreu uma pessoa", conta Alexander Senkevich, e as notícias que chegam é que um outro ataque na tarde de ontem, segunda-feira, que causou dez vítimas mortais e 46 feridos. Repito, dez mortos e 46 feridos.

"Ficamos até o fim"

A vida na cidade parece normal: comércio aberto, venda ambulante nas ruas, mas também janelas partidas, carros crivados de marcas de estilhaços e o edifício da administração regional de Mykolaiv com um buraco que o atravessa de ponta a ponta, sendo que são pelo menos 15 metros de prédio atravessados pela destruição.

E este ponto por si marca bem as intenções da Federação Russa naquela cidade. Mas nada parece fazer demover os seus habitantes - entre 30% e 40 % da população abandonou a cidade. "Ficamos até o fim. Vamos resistir, esta cidade é nossa. Atualmente, 25% das exportações de cereal da Ucrânia passam pelo nosso porto. A nossa economia estava a funcionar antes guerra", defende o presidente da autarquia, impávido, mas sublinhando que a sua cidade está na mira dos rockets de Kherson, dos mísseis de Sevastopol, na Crimeia, e da possível invasão por terra, que, afirma, já foi por diversas vezes frustrada pelas forças ucranianas desde o início do conflito.

Mykolaiv é ligada a terra por duas pontes, uma a norte em direção a Kiev, outra a ocidente para Odessa, ambas pontes móveis e estão armadilhadas caso seja necessário travar uma ofensiva russa por terra, mas os habitantes estão confiantes. "No início sim ficámos assustados, mas agora parece mais seguro. Estamos a pensar fica na cidade." É o que contam Ina e Palvo, enquanto pedem um café numa esquina do centro da cidade.

Noutra rua, não muito da linha costeira da cidade, entre casas de um lado e de outro, está um rocket enterrado numa estrada quase até meio, com partes metálicas do outro lado, na berma. "Caiu ontem [domingo] mais foi intercetado, não chegou a explodir. Não matou ninguém", diz um jovem.

Noutra zona da cidade, vários moradores colocam madeiras para tapar janelas que foram destruídas na noite anterior. Todos ajudam nesta tarefa, o mesmo se passa no hospital que as janelas são reparadas diariamente e todo o recinto aos poucos é protegido por sacos de areia.

Mykolaiv recebe material militar

Vive-se nesta cidade uma atmosfera de invencibilidade em que a vida desafia os ataques diários com uma certeza: a rendição é uma não questão. Aqui, há muito mais pessoas na rua e comércio aberto do que em Odessa, onde ainda não houve nenhuma vítima mortal e onde os ataques atingiram apenas o porto.

A separar estas duas cidades, além de 130 quilómetros de distância e uma ponte, que agora é um alvo estratégico, está a postura contra o inimigo. "No início não estávamos preparados, mas depois de uma semana já tínhamos a defesa a funcionar", relata o presidente da câmara, que parece o guardião de uma cidade que se recusa a cair.

Alexander Senkevich está para Mykolaiv como Zelensky está para Kiev e para Ucrânia. "Estamos mobilizados a lutar noutras frentes, por exemplo na direção de Kherson." Mykolaiv está a receber material militar.

O príncipe russo que fundou Mylokaiv é conhecido por ter conquistado pacificamente a Crimeia aos turcos, mas esta guerra pelo presente e pelo futuro do Mar Negro nada tem de pacífica. E o conflito no sul está mais mortal do que nunca e não promete tréguas nem rendições.

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