Reportagem TSF. O polícia Serghiy está num posto de controlo em Mykolaiv e as saudades de Portugal apertam
Reportagem TSF na Ucrânia

Reportagem TSF. O polícia Serghiy está num posto de controlo em Mykolaiv e as saudades de Portugal apertam

Serghiy estudou em Portugal quando tinha nove anos. No último mês, o agente ganhou mais um motivo para ter saudades de Portugal: a mulher e a sogra refugiaram-se em Camarate.

Três carros civis aproximaram-se de um posto de controlo ucraniano na estrada que liga Mykolaiv a Kherson e tentaram atacar a posição ucraniana. Os ocupantes eram militares russos que se faziam passar por refugiados ucranianos vindos de Kherson. Na troca de tiros, cinco soldados de Putin morreram, mas vários conseguiram escapar. A informação foi avançada pelo comando operacional da região Sul.

Não tiveram tempo de responder, mas se lhes tivessem pedido muito provavelmente teriam sido descobertos. Паляниця - Palianytsia é um tipo de pão branco típico da Ucrânia, mas em tempos de guerra a palavra ganhou uma nova utilidade. Serve agora para identificar os russos que se tentam fazer passar por ucranianos. "É incrível. Eles não a conseguem dizer, alguns dizem Plunytsya, que significa morango, mas a maior parte nem sequer lá chega perto", conta entre gargalhadas Serhiy, um polícia de serviço no posto de controlo à entrada de Mykolaiv.

A explicação surgiu em português. Serghiy estudou em Portugal quando tinha nove anos. "No primeiro dia de escola, uma professora chamou um outro professor. Era ucraniano, mas falava muito bem português. Aprendi com ele." A estadia em Camarate, às portas de Lisboa, durou apenas três anos. Quando regressou a Mykolaiv, continuou a estudar a língua que acabara de aprender. "Sonhava ser tradutor, mas acabei na polícia." Morar em Mykolaiv dificultou atingir o objetivo. "Em Kiev e em Odessa há muitas escolas de línguas, aulas na universidade. Mas aqui na nossa universidade só há espanhol e um bocadinho de português".

As palavras nem sempre surgem facilmente, Serghiy acaba sempre por encontrá-las. "Nos últimos 15 anos quase não falei português". Mas o idioma já lhe foi útil no trabalho. "Uma vez uns turistas brasileiros, beberam um bocadinho de mais e perderam-se. Chamaram-me do serviço, para os ajudar", conta a rir.

O Serghiy guarda boas recordações de Portugal e há quatro anos fez questão de levar a noiva a conhecer o país. "Fomos ao Cabo da Roca, mostrei-lhe Lisboa. Ela adorou. Achou um país fantástico."

Em 2016, fez questão de ir a Lisboa assistir à chegada da seleção campeã europeia de futebol. "Estive lá dois dias. Fui ao aeroporto, andei com o autocarro. Fui lá só para ver a equipa. Eles são bons." Quando pode, o polícia não perde uma oportunidade para ver as equipas portuguesas. "Sporting, FC Porto e Benfica, vejo muitas vezes na internet." Mas o coração de Serghiy é azul e branco. "Não sei porquê. Morei sempre em Lisboa, mas gosto do Porto. Mas o Benfica e Sporting também são grandes equipas." O futebol não é a única ligação que Serhiy mantém com Portugal. O irmão e o pai, Volodymyr, vivem em Camarate, na Quinta do Grilo, há 24 anos.

De Portugal, conta Serghiy, tem saudades das castanhas assadas e dos caracóis com cerveja. "Não temos isso cá", lamenta para logo de seguida soltar outro lamento. "Gostava muito de ver os surfistas a cavalgar as ondas. Gostava de aprender a surfar, mas ainda não passou de um sonho de criança", recordando "a beleza do Oceano, de Lisboa, das ruas da Baixa e dos elétricos. "São muito fixes."

No último mês, o agente ganhou mais um motivo para ter saudades de Portugal. A mulher, Anastasia, e a sogra também passaram a morar às portas de Lisboa pouco depois da guerra ter rebentado. No 7º dia, fui levá-las a Odessa e um amigo levou-as, de carro, até à Polónia. Depois meteram-se no avião e ficaram logo quase à porta de casa. Foi fácil", relata Serghi. A mãe e o bisavô escolheram permanecer em Mykolaiv.

Serghiy fala todos os dias com a mulher: "Ela está calma, porque há um céu tranquilo sobre a cabeça. Mas ao mesmo tempo, o coração não está calmo. Ela está muito preocupada com todos os familiares que ficaram aqui. Nem toda a beleza do país a consegue ajudar", conta Serghiy enquanto lembra que. "Esta é uma viagem forçada. Ela quer muito voltar para casa"

No posto de controlo em que encontrámos Serghiy, passam vários milhares de carros por dia. Por agora, ainda são mais os que passam à procura de um porto seguro: "Muitos vêm de Kherson, mas também há muita gente de Mykolaiv". "Muitos têm medo. É normal. Há um dia que se passa bem, mas no outro começam a bombardear".

Apesar da cidade ter sido atacada várias vezes, o agente conta que se sente seguro. "Penso que agora está seguro. Há muita gente que está a voltar. Alguns foram embora nos primeiros dias da guerra, mas agora decidiram regressar. São pessoas corajosas, já perderam o medo. Vêm para ajudar os médicos, os militares, a polícia. Há pessoas que cozinham para distribuir por quem precisa e por quem está a trabalhar."

Serghiy já tem planos para quando a guerra terminar: "Quero construir uma grande família":Mas não o projeto desta vez não passa por Portugal: "É difícil. Lá não posso trabalhar na polícia. Aqui eu tenho casa, carro e trabalho. Lá não tenho nada"

Enquanto fala com a TSF, o polícia vai brincando com uma cadela pastor belga malinois. É a companheira de trabalho. "Somos um binómio. Ela está treinada para encontrar explosivos." Quando os militares no posto de controlo encontram um carro suspeito, mesmo que os ocupantes saibam dizer corretamente "Palianytsia", Serghiy e Nala entram em ação.

"Nos postos de controlo ainda não encontrámos explosivos", conta a agente que noutro posto de controlo, com outro cão, descobriram vários quilos de droga escondidos num carro. "Iam para Kherson, que agora está ocupada pelos russos. Mas é dinheiro, todos tentam arranjar dinheiro da maneira que conseguem": Mas a vida de Serghiy e Nala não se passa só nos postos de controlo. No último mês revistaram várias casas suspeitas. "Ela já descobriu quatro terroristas aqui em Mykolaiv."

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