Para que os erros do passado não se repitam, "Sami, o rapaz que sobreviveu a Auschwitz" é um livro escrito pelo italiano Walter Veltroni, jornalista, ex-secretário geral do Partido Democrático e antigo presidente da câmara de Roma.
A obra conta na primeira pessoa os anos que Sami Modiano passou nos campos da morte nazis. O autor conversou com a TSF sobre esperança e um livro que nasceu quando ainda era presidente da capital italiana.
Como é que nasceu este livro?
Este livro nasceu porque Sami Modiano, quando eu era presidente da Câmara de Roma, decidiu voltar pela primeira vez ao campo de Auschwitz. Ele não fazia isso desde que assumiu em 1945. Ele nunca teve coragem de fazer isso. Costumávamos organizar, todos os anos, visitas, de estudantes e escolas, com os sobreviventes do campo de Auschwitz-Birkenau. Eu e Piero Terracina, que foi um dos sobreviventes, insistimos com Sami para que ele voltasse e ele finalmente concordou em voltar. E daí começou uma amizade. O carinho que sinto por ele levou-me primeiro a fazer um documentário com uma longa entrevista com ele, que se chama "Tudo diante destes olhos", e depois a escrever este livro, voltado para os mais novos, para contar a história de um menino que acabou no campo de Birkenau.
Este é um livro de esperança?
Sim. Deixa-me muito feliz ao dizer isso porque era exatamente o objetivo que corresponde ao personagem de Sami. Ele é uma pessoa muito, muito doce, muito acolhedora, muito gentil... Não posso dizer sereno porque, obviamente, a serenidade não pode pertencer-lhe com o que viveu e conheceu. Mas é uma pessoa que tem sempro dentro de si um fio de esperança, positividade e otimismo. E desde que decidiu começar a contar a sua história, em particular aos mais novos, é como se tivesse encontrado energia, força e talvez até o sentido da sua existência. O que, como ele mesmo diz, é justamente isso: A pergunta que todos os sobreviventes se fazem é 'porque é que eu consegui e os outros não?' A resposta que ele deu a si mesmo é que ele tinha uma tarefa e essa tarefa era contar, testemunhar Auschwitz.
Tem levado este livro às escolas, as crianças hoje têm consciência do que foi o Holocausto?
Normalmente as pessoas são pessimistas. Eu, por outro lado, sou bastante otimista quanto a isso, no sentido de que tenho a impressão de que, embora a sociedade em que vivemos tenda a remover a memória e o passado, há, no entanto, consciência do que foi Auschwitz e do que foi a Shoah - que é uma tragédia incomparável com qualquer outra vivida pela humanidade -, porque nunca houve nada assim na história do ser humano. A consciência disso existe entre os jovens. O trabalho que se tem feito sobre a memória desde as viagens até ao dia da memória, aos testemunhos em suma os livros que se têm editado os filmes que se têm feito tudo isto tem contribuído para construir um fundo de consciência que talvez não existisse antes.
Mas esta também é uma forma de Itália lidar com o passado...
Sim. No caso de Sami é um pouco diferente porque ele vivia em Rodes. Rodes foi ocupada pelo exército italiano, depois pelos nazis e os nazis depois deportaram-no. Mas no caso, por exemplo, da deportação de mais de mil judeus de Roma, em 16 de outubro de 1943, a responsabilidade não pode ser atribuída apenas aos nazis. Mussolini foi informado? Certamente, dado que ele tinha recebido os líderes da ocupação nazi em Roma alguns dias antes. Porque é que os fascistas contribuíram para a elaboração das listas de judeus? Porque, em geral, os fascistas delatavam os judeus. O meu avô, que não era judeu, era um cidadão esloveno que em Roma era, digamos, um diplomata do Reino da Jugoslávia, mas que escondeu judeus e antifascistas para salvá-los durante as rusgas dos nazis. O meu avô foi denunciado por um fascista que morava na casa em frente. Foi levado e torturado. Os fascistas tiveram um papel muito importante, não só com as leis raciais de 1938, mas depois participando ativamente na denúncia e, portanto, na trágica máquina de morte montada pelos nazis.
Sami Modiano gostou do livro?
Sim, muito. Eu escrevi e dei-lho a ler. E ele está muito feliz. Ainda ontem à noite estive com ele e contei-lhe que tinha saído a edição portuguesa e ele ficou muito feliz. Pede-me para mandar saudações a todos os jovens e leitores portugueses.
Então esperamos vê-lo, em Portugal, em breve.
O Sami tem mais de 90 anos e por isso tem um pouco de dificuldade para viajar. Mas talvez se possa organizar algo para dar a conhecer a maravilha que é este ser humano. Realmente é uma das pessoas... Se eu pensar em quantas pessoas são devoradas pelo ódio... Sami, que teria todos os motivos do mundo para se sentir em crédito para com a vida, tem perante a vida uma atitude de generosidade, de bondade e de serenidade que merece ser apreciada. É um ensinamento.
Há hoje momentos que o façam recordar os tempos deste livro?
A História tende a repetir-se. Em momentos de crise, momentos como os que estamos a viver, momentos em que a democracia luta, a tentação do homem forte tende a renascer. Em Portugal, como em Itália e como em outros, especialmente no Mediterrâneo. Portanto, devemos ter cuidado. Em particular com o risco de que as dificuldades e os problemas gerem um pedido de tipo autoritário.
Há três meses, a extrema-direita italiana voltou ao poder. Isso deixa-o preocupado?
Não acho que haja um perigo para a democracia em Itália. Eu não acredito. E não acredito por muitas razões: porque há um Parlamento forte, um Presidente da República forte e porque as mesmas forças que estão no Governo não têm intenção de forçar. Não penso que estejamos a viver um perigo para a democracia. As ideias políticas programáticas são outra coisa. Mas essas, digamos, fazem parte de uma que me preocupa mais do que outras formas. O que mais me preocupa é o que existe noutros países onde há uma tendência a sugerir a ideia de uma democracia de tipo autoritário. Acho que na Itália existem forças, energias e recursos democráticos capazes de... Como posso dizer? Garantir que aquela que é a nossa principal conquista seja salvaguardada por todos.
Mas o seu partido, o PD, a esquerda, terá muitas dificuldades em voltar ao poder?
Não me obrigue a falar sobre isso agora.