Voluntários do projeto "Abraçar o Mundo" rumam a São Tomé para auxiliar os mais necessitados
São Tomé e Princípe

Reportagem TSF: terra onde "mana fruta-pão", mas onde falta praticamente tudo

Encontramos Adérito a pousar os remos. Cruzam-se por cima da canoa frágil. Aquilo a que, em Portugal, chamaríamos de "uma casca de noz". Aníbal é pescador e tal como a grande parte dos santomenses apenas faz uma refeição por dia. Alguns habitantes cruzaram-se connosco estando há vários dias sem comer.

Adérito é pescador desde os 20 anos. Tem agora 60 e pesca sobretudo para subsistir. Precisa de se alimentar e de alimentar uma família de sete bocas. Estaria tudo resolvido se em Santa Catarina o peixe não fosse cada vez menos e os pescadores cada vez mais. Uma situação que se agrava quando chove. Adérito veste uma t-shirt muito usada e com a cor comida pelo tempo e pelo salitre. Em dias de chuva, conta-nos que há fome e só porque Adérito não tem uma capa para a chuva e por isso não vai pescar.

Desligamos o gravador, pedimos que aguarde e corremos até junto da missão "Abraçar São Tomé", que está a realizar rastreios de saúde na escola primária local. Em dois minutos arranjámos uma capa para a chuva e em agradecimento Adérito quer mostrar-nos a sua casa.

Voluntários distribuíram centenas de cabazes alimentares e fizeram milhares de rastreios de saúde

De Portugal partiram rumo a São Tomé e Príncipe 57 voluntários do projeto "Abraçar o Mundo". A iniciativa surgiu em 2006, pelas mãos de António Rodrigues, pastor da igreja Adventista do Sétimo Dia. Desde essa altura já realizaram missões em praticamente todos os PALOP - Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa: Timor-Leste, Moçambique, Cabo Verde, entre outros. Em São Tomé e Príncipe é a segunda vez e os voluntários, adventistas ou não, ficaram alojados numa escola primária que o Abraçar o Mundo iniciou a construção no primeiro ano que esteve no país.

Colchões estendidos no chão, banho a copo com água no depósito, redes mosquiteiras para prevenir picadas do mosquito da malária, acordar bem cedo e deitar bem tarde. Uma rotina que se prolongou ao longo de 13 dias.

Pelo Abraçar São Tomé foram angariados em Portugal 5300 euros em donativos, que depois permitiram comprar os alimentos para fazer os cabazes e alguma medicação para população mais necessitada. Para além dos profissionais de saúde portugueses (enfermeiros, médicos, farmacêuticos e técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica) a missão contou com o apoio de um grupo de médicos de São Tomé.

Para além dos rastreios realizados, mais de mil e duzentos, os voluntários tinham também uma componente social, a distribuição de cabazes alimentares em várias localidades de São Tomé.

Os voluntários andaram pelas localidades de Bombom, Ribeira Afonso, Santa Catarina, Trindade, São Tomé e Neves. Nesta missão do Abraçar o mundo foram feitos e distribuídos 826 cabazes alimentares e 145 cabazes com material escolar. Os alimentos foram comprados na capital, já os materiais escolares foram recolhidos ainda em Portugal e levados nas malas dos voluntários, que abdicaram do espaço para conseguirem transportá-lo.

Em São Tomé vive-se com 40 euros mensais e há quem viva com menos

O ordenado mínimo em São Tomé e Príncipe ronda os 40 euros mensais. Um euro corresponde, mais ou menos, a 25 dobras. Lúcio Moreno é apenas uma das muitas histórias com que os voluntários do projeto "Abraçar o Mundo" se cruzaram durante os 13 dias que estiveram na ilha de São Tomé. Lúcio trabalhou 45 anos no bloco operatório do hospital da capital, o único do país. Quando saiu, depois de formar enfermeiros no processo de esterilização dos materiais, ficou a receber 600 dobras mensais, o equivalente a 24€. Os voluntários entregam-lhe um cabaz de alimentos porque o que recebe não chega para comprar comida e pagar as despesas de saúde que tem todos os dias, com ele e com o neto que vive debaixo do mesmo teto.

Ester dá vida a outra história. Mãe de 10 filhos, avó de não sabe quantos netos. Não sabe mesmo. São tanto, diz, que ainda nem os contou. Faz medicação regular, ou melhor, deveria fazer. Interrompe-a muitas vezes. A razão? Falta dinheiro para comer, por isso também não chega para comprar medicamentos.

O projeto "Abraçar o Mundo" tem três pilares que o sustentam: foca-se na intervenção social, na promoção da saúde, e no encontro espiritual. Mayerling Zabala é uma das voluntárias e é médica pediatra. Diz-nos que desconhecia as condições de vida dos santomenses e que apesar de São Tomé ser uma ilha pequena, os problemas de saúde variam de localidade em localidade. Cada aldeia com sua patologia, mas existe um denominador comum: "eles conhecem os seus diagnósticos, mas encontras coisas muito tristes, como por exemplo o facto de não terem dinheiro para tomar a medicação. Depois, precisam de educação sanitária e medicina preventiva", explica.

Em São Tomé, tal como já fizeram em Cabo Verde, Timor-Leste ou Moçambique, os voluntários do Abraçar o Mundo deram vida, todos os dias num sítio diferente, à Exposaúde, uma espécie de feira de rastreios e consultas várias, realizadas por profissionais de saúde. Um centro de rastreios, encarado pela população como um hospital de campanha. "o acesso às consultas ou ao hospital nem sempre é fácil e por isso encaram esta atividade que, para nós tem maior incidência na prevenção, como se fosse um hospital ou uma clínica em que temos que fazer consultas a tudo, mas dificilmente conseguimos ter todos os especialistas connosco", refere.

Falta dinheiro, mas também educação ambiental e educação para a saúde

Em São Tomé lava-se a roupa nos rios. As casas são de madeira, muitas delas apenas com uma divisão. Não há luz. Não há água canalizada. Sobretudo as mulheres juntam-se para lavar na pedra, pelo menos, quando há dinheiro para comprar sabão. Pelo menos é assim na maior parte do território. A capital tem edifícios de betão, mas depois quando se entra no miolo da ilha, o único edifício em cimento que existe nas localidades é normalmente a escola primária.

Mas, em São Tomé sorri-se. Sorri-se muito mesmo tendo tão pouco.

Regina Andresa faz vassouras. Consegue fazer 10 pequenas vassouras por dia, que lhe hão de render 50 dobras. Estamos a falar de dois euros por dia. É o pagamento pelo trabalho de um dia. Se todos os dias fizer uma vassoura, ha-de conseguir umas 200 ao final do mês e receber 40 euros, o equivalente ao ordenado mínimo em São Tomé. As vassouras são depois vendidas na capital, onde o barulho contrasta com o silêncio da selva e das roças de cacau. É nestas roças que todos tiram e colhem como sendo seu, para comer e para vencer, e comprometem assim a economia local.

Brian Rius é brasileiro. Está em São Tomé também temporariamente. Em missão na Igreja Adventista. Veio por três anos. É com ele que, no interior profundo da ilha, encontramos um agricultor que extrai sumo de palma, e há também quem lhe chame vinho de palma. O sumo de palma é extraído a cada dois dias. Uma garrafa de litro e meio pode custar 15 dobras, 60 cêntimos. Com estes rendimentos falta dinheiro para o mais básico, a alimentação e medicamentos. A técnica de farmácia Cristiana Martins e a médica Mayerling Zabala tentam aconselhar com a medicação, porta a porta, à medida que vão sendo também entregues os cabazes alimentares.

Ruth Salvaterra viajou mais cedo para São Tomé para formar jovens voluntários que, durante a missão Abraçar São Tomé, passaram a mensagem às crianças são-tomenses. São elas que podem causar a mudança na família, como por exemplo, naquele que é um dos principais problemas do país: o alcoolismo.

No terreno, a médica Seldicia Gracia, ligada ao ministério da Saúde em São Tomé, foi quem identificou as famílias e as localidades prioritárias. A lista inicial para a entrega dos cabazes de alimentos foi de muito ultrapassada. O trabalho foi visível e a médica traça um balanço positivo e diz-se sem palavras suficientes para agradecer.

António Rodrigues, o mentor do projeto, ainda não descansou desta missão a Abraçar São Tomé e já pensa na próxima. Talvez Moçambique, na Beira, por onde está tudo ainda em reconstrução, mas o que é certo é que vai continuar a Abraçar o Mundo.

São Tomé é "terra onde mana fruta-pão", uma fruta típica daquelas paragens, que sabe a pão e serve para acompanhar pratos com molho, habitualmente assada na brasa à porta de casa. Terra onde há bananas de qualidades diferentes para, pelo menos, cada dia da semana. Terra onde escasseiam recursos básicos como medicamentos, energia ou alimentos. Terra onde só não faltam os sorrisos e a alegria de um povo que sonha um dia conhecer Portugal.

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