124 anos da "Acusação" de Émile Zola

Hoje, dia 13 de janeiro, é um dia especial, pois foi neste dia no longínquo ano de 1898 que o grande intelectual francês Émile Zola publicou num jornal uma carta intitulada "Eu acuso ... !", uma carta dirigida ao então Presidente francês.

Porquê o meu destaque? Ora bem, Émile Zola acusava um conjunto de pessoas de forma perentória de terem cometido uma enorme injustiça motivada por um antissemitismo descarado: o caso Dreyfus.

Aliás vale a pena ver o filme realizado por Roman Polanski, em 2019, sobre este caso.

Numa versão muito sucinta, a vítima, um militar francês judeu de seu nome Albert Dreyfus foi acusado de traição via tribunal militar. Sem qualquer hipótese de presunção de inocência ou o direito a um julgamento justo, foi condenado sem apelo nem agravo, ao degredo na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa.

Émile Zola, homem de letras, descreve o caso e as suas palavras são tão certeiras que não deixam qualquer margem para dúvidas: "O meu dever é falar, eu não quero ser cúmplice. As minhas noites serão assombradas pelo inocente que sofre a pior das torturas, por um crime que não cometeu." E depois há palavras como "mancha", "verdades culposas" e "preconceitos" que são tão, tão genuínas.

Para este escritor, a injustiça feita ao capitão francês por ser judeu era uma demonstração de algo muito mais preocupante para o futuro do seu país: "É um crime (...) acirrar paixões de reação e de intolerância, enquanto se abrigam num antissemitismo odioso, do qual, se não for curada, a Grande França Liberal dos direitos humanos morrerá."

Infelizmente, e como bem demonstra a primeira metade do século XX na Europa, o antissemitismo foi levado ao extremo do Holocausto. No caso francês tivemos sem dúvida uma França Livre liderada por Charles de Gaulle, uma França que resistiu, mas também a chamada França de Vichy, liderada pelo Marechal Pétain e que colaborou com o regime nazi.

Poderíamos pensar que depois de tanta maldade e de tanto horror não seria possível voltarmos, enquanto europeus, à estigmatização de judeus como bodes expiatórios de tudo e mais alguma coisa. Infelizmente, temos sinais preocupantes pela Europa fora e, desde logo, mas não só, nem por sombras, em França.

Gostaria de destacar um de vários exemplos: no último ano, alguns protestos contra as vacinas incluíram mensagens antissemitas. O diretor executivo do Conselho Representante de Instituições Judaicas em França reagiu assim: "É preocupante não apenas para os judeus, mas para toda a sociedade francesa porque o antissemitismo é apenas o início de um processo que leva à expressão de ódio pelo 'outro'." Quase que parecem as mesmas palavras do século XIX, mas desta feita no século XXI.

Mas hoje quero relembrar como em situações de desumanidade profunda e neste caso concreto de antissemitismo, nem todos se deixam levar pelas tais "paixões de reação e intolerância", como escrevia Émile Zola. Há mesmo quem resista com tudo o que tem arriscando o seu presente e o seu futuro, tal como o português Aristides de Sousa Mendes.

Um exemplo para quem não quer ser cúmplice da injustiça, da indiferença e da desumanidade.

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