A guarda pretoriana do Catar

Num país de pouco mais de três milhões de habitantes, o direito a ser cidadão está reservado aos que nascerem filhos de pais cataris. Neste momento, são pouco mais de 300 mil. A renda per capita é das maiores do mundo, com o petróleo e o gás a representarem metade da riqueza anual. A família real ganhou o direito de governar há mais de 100 anos, antes mesmo da passagem do domínio otomano para o domínio britânico, a independência do país tem 51 anos e a Democracia nunca chegou.

Não restam muitas dúvidas sobre a forma corrupta como a FIFA atribuiu a organização do Mundial ao Catar, nem sobre as intenções do emir e sua família real. Se a ideia era fazer uma operação de "Sportwashing" - utilização do desporto para melhorar a reputação - devo avisar as autoridades do país que não parece estar a resultar, já que a operação atraiu as atenções sobre o emirado. Nesta monarquia absolutista, a homossexualidade é punida com pena de prisão e as mulheres têm tutela masculina, precisando da autorização do pai ou do marido para estudar ou trabalhar. A reputação do Catar, em vez de melhorar, piora com a realização do Mundial.

Acontece que, se olharmos mais de perto, percebemos que as autoridades do Catar, com a ajuda da FIFA, não deixam passar um dia sem enviar sinais claros de que não pretendem mudar rigorosamente nada em relação aos Direitos Humanos. Se não gastaram 200 mil milhões de euros para os vermos mais democráticos, só podem estar a pagar para ter proteção internacional contra qualquer tentação dos dois gigantes seus vizinhos, Arábia Saudita e Irão. Por agora, depois de um período de relação cortadas com a monarquia saudita, com uma acusação de financiamento ao terrorismo islâmico, e uma aproximação ao Irão, as relações estão mais calmas com os seus vizinhos, mas amanhã nunca se sabe. Até por isso, dá muito jeito ter a China como um dos principais clientes, num negócio fechado esta semana para a venda de gás durante 27 anos.

Gianni Infantino tem mostrado à exaustão que o objetivo da FIFA não é desportivo. À FIFA só lhe interessa dinheiro, só lhe interessam países que paguem a despesa, deixando a receita toda para o contabilista de Infantino, à espera de chegar ao fim do torneio com um lucro de três mil milhões. Se para isso tem de ameaçar quem pretendia tão só usar a braçadeira "one love", o presidente da FIFA não se incomoda. O dinheiro a circular é muito, na proporção inversa da vergonha, que não é nenhuma.

Fez bem Marcelo Rebelo de Sousa em corrigir o tiro, falando dos direitos das mulheres, dos imigrantes, da comunidade LGBT, direitos que em Portugal se cumprem. Melhor que nada, mas o que se exigia é que nunca nos tivesse pedido que, por um momento, esquecêssemos os Direitos Humanos. Por ter ido tão baixo nesta proposta, esperava-se que o Presidente pudesse ter falado mais alto e mais direto contra quem acha que os Direitos Humanos são uma coisa se compra e vende. Por uma alguma razão, a ONU tem 193 países membros, enquanto a FIFA chega aos 211. A FIFA tem mais poder.

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