A matemática do poder

Foi Teófilo Braga quem trouxe para a vida pública o conceito de ética republicana. Nas suas várias dissertações, recorreu ao esplendor da democracia ateniense, ou da respublica romana, para contrastar com o obscurantismo das monarquias anteriores.

Para o próprio, a superioridade da República residia na ética do servidor público, que subordinava a sua missão ao superior interesse geral. Era este desapego privado, em nome do bem comum e na defesa do Estado, que definia a ética republicana.

Passaram mais de 100 anos. Num espaço de dois meses, encarou-se o abuso de poder em três fases. Primeiro, a relativização política: os casos não passavam de "casinhos" que eram "fabricados" para fragilizar o Governo. Em segundo, e perante o ruído da inevitabilidade, desencadeou-se a expiação política e lá vieram umas quantas demissões. Por fim, a solução para todos os males da República apareceu em formato de inquérito, composto por 36 perguntas a serem preenchidas para que se pudesse ser governante.

Pasme-se que quase todas encontravam resposta nas devidas declarações de interesse ao Parlamento e ao Tribunal.

Isto foi mesmo assim, e foi tudo, presume-se, em nome da tal ética republicana. Mas deixemo-nos de coisas. Nem a Primeira República foi propriamente um exemplo de ética, nem os casos que vieram a público têm essa dimensão filosófica.

Quando se recebe uma indemnização de uma empresa pública intervencionada, antes de se arrepiar caminho para a administração de outra empresa pública, estamos a falar de benefício ilegal. Quando se vai trabalhar para uma empresa privada do setor que se tutelava, e que foi beneficiada pela própria, estamos a falar de conflito de interesses. Em ambos os casos, estamos também a falar de ética, nem precisa de ter a dose republicana.

O porquê disto é que é mais matemático.

Nas últimas quase três décadas, o PS esteve cerca de 75% do tempo no poder. E muitos dos seus agentes políticos estiveram, de uma ou de outra de forma, também eles no poder. Ou seja, estar no poder tornou-se um hábito e não uma missão que se cumpre na vida.

Com esta matemática, nem Teófilo Braga encararia com tranquilidade o brilho do esplendor republicano.

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