Casos, casinhos e casarões

Afinal os casos e casinhos que o primeiro-ministro ainda há poucos dias ridicularizava terminaram num casarão em que já não se sabe onde paira a razão.

O caso que se pretendeu inicialmente encerrar politicamente com a saída da Secretária de Estado do Tesouro deu lugar a um caso ainda maior com a demissão do Ministro Pedro Nuno Santos. Promete mais episódios emocionantes (embora, provavelmente, custosos) da guerra dos tronos socialistas. Fernando Medina, potencial candidato a sucessor de António Costa, fez o possível e impossível para se distanciar do caso, e transferir todo o ónus político para Pedro Nuno Santos, ao afirmar que desconhecia o acordo de saída da TAP da Secretária de Estado e ao demitir esta. Pedro Nuno Santos esteve dias a ser o contrário de si mesmo: conhecido pela sua forte retórica esteve transformado num monge em voto de silêncio. A atitude de Fernando Medina corria o risco de colocar todo o ónus político sobre Pedro Nuno Santos. Se a sua posição dentro do governo já estava muito fragilizada depois do episódio do aeroporto, mais fragilizada ficaria.

Ao demitir-se Pedro Nuno Santos, paga um preço político agora mas evita muitos custos futuros (decorrentes da gestão da TAP) e liberta-se dentro do PS para reforçar a sua posição como homem que todos dizem controla o aparelho político socialista. Acresce que a sua demissão é um presente envenenado para Fernando Medina e António Costa. Para Medina é um problema Pedro Nuno Santos assumir responsabilidade política numa matéria em que a sua responsabilidade era partilhada com Fernando Medina. Este fica fragilizado. Para António Costa, passa a ter o seu opositor não declarado dentro do Partido Socialista mais livre, quer para se diferenciar de um governo em rápida deterioração, quer para ir reforçando o seu poder interno visando uma liderança que António Costa gostaria que fosse para outros.

O primeiro-ministro acusou comentadores e jornalistas de viverem numa bolha, mas parecia ele próprio ter criado uma bolha à sua volta. Parecia entender que os problemas no governo com os seus potenciais sucessores, mais do que afetarem a popularidade do governo e do próprio Primeiro-Ministro, reforçavam o seu poder sobre o governo e o partido. Essa bolha rebentou.

O que é certo é que este governo está em rápida deterioração. Muitos já equiparam a atual situação à que envolveu o breve governo de Pedro Santana Lopes. Mas não podemos esquecer que este governo tem uma legitimidade eleitoral forte e recente e é claro que o Presidente da República não tem qualquer inclinação para nova crise política.

Resta saber até quando os portugueses vão continuar a perdoar ao primeiro-ministro e ao Partido Socialista as trapalhadas do governo. É como aquelas pessoas que vão fazendo maldades, mas em quem cujo bom fundo queremos tanto acreditar que as vamos perdoando. No entanto, há um momento em que alguém faz tanto mal que deixam de ser falhas ou erros para serem mesmo traços de uma personalidade. Mais tarde ou mais cedo os portugueses irão perceber que não se tratam de meros erros políticos, mas sim de uma forma de fazer política. Provavelmente já o percebem, mas não sabem o que fazer. Esta incapacidade de responsabilizar politicamente os responsáveis pelo que falha politicamente acaba, no entanto, por conduzir a responsabilizar todo a democracia.

É isso que, em grande medida, nos diz um estudo recente sobre Ética e Integridade na Política em Portugal, encomendado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e coordenado por Luís de Sousa e Susana Coroado do Instituto de Ciências Sociais. Este estudo identifica um paradoxo. Por um lado, os portugueses demonstram uma crescente desconfiança na classe política portuguesa que, em parte, se explica por terem um padrão de exigência ética na política maior que o assumido pelos seus representantes eleitos. Por outro lado, o estudo também nos diz que os portugueses não retiram consequências políticas e eleitorais desse desagrado com os políticos. Mas retiram-no em relação à democracia e sistema político, cada vez menos populares. É o mundo do "todos são culpados, ninguém é culpado, isto é tudo muito mau"! No filme "Estado da União" (de 1948), a personagem representada por Katherine Hepburn, diz sobre os políticos: eles fazem-se profissionais da política porque os eleitores são uns amadores. A melhoria da nossa cultura política, não depende apenas dos políticos. Exige também mais critério no escrutínio por parte dos cidadãos.

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