Nos últimos meses, nas últimas semanas, o IVA zero no cabaz de alimentos considerados essenciais era um erro. O modelo já tinha sido experimentado em Espanha e, dizia o Governo, sem resultados práticos para quem compra. Não seria através da descida do imposto que o consumidor - eu prefiro dizer cidadão - notaria a diferença na fatura. E, à boleia desta constatação, já testada mesmo aqui ao lado, o Governo entendia que não deveria abdicar da receita do IVA gerada pela venda dos alimentos essenciais. Com a política das "contas certas", de números mágicos nas Finanças, indicadores económicos sempre a subir e uma arrecadação de impostos verdadeiramente extraordinária, baixar o IVA, ainda por cima sem garantias de sucesso, soava a disparate.
Nas últimas semanas, a técnica de comunicação passou por diabolizar os distribuidores. Acusar os grandes grupos económicos da distribuição de arrecadarem lucros excessivos à custa da inflação, de terem subido as margens de lucro, de serem os responsáveis pela ganância em tempo de guerra. No espaço público, a indignação deixou de ser contra o Governo e passou a ser contra os distribuidores, primeiro, e os produtores, depois, uma vez que eram eles que ficavam com os lucros "exorbitantes" da subida dos preços dos bens essenciais. Uns e outros, distribuidores e produtores, vieram logo explicar que não, não era verdade, não estavam mais ricos, pelo contrário, tinham perdido nas margens, estavam esmifrados nos lucros, a culpa era das matérias-primas e dos impostos.
Estava criado o argumento perfeito para o golpe de teatro que começou a acontecer na semana passada. No agora chamado debate de "política geral" - que veio substituir os debates quinzenais, e depois os mensais, e os bimestrais e agora são assim-assim a modos que de vez em quando - o primeiro-ministro anunciou que estava a "pensar" em deixar de taxar com IVA um cabaz de alimentos. Na quarta ainda estava a pensar e, na sexta, da mesma semana, já o ministro das Finanças anunciava essa e outras medidas para "mitigar" os efeitos da inflação nas contas dos cidadãos. Na sexta-feira, o cabaz, o tal cabaz, ainda não estava feito, seria um trabalho conjunto de vários ministérios, entre eles a Saúde, Agricultura, Finanças e Economia, cruzaria alimentos "saudáveis" com outros, os "mais comprados" pelos cidadãos.
Pelo meio, o Governo negociou com produtores e distribuidores para que, de facto, a descida do IVA pudesse ser refletida no custo final.
No fim de semana, o cabaz andou a ser discutido por meio mundo, nutricionistas, economistas, comentadores e governantes. E, ontem, o primeiro-ministro já nos veio dar a lista de compras que podemos começar a fazer, sem IVA. Os brócolos, a massa e o arroz, alguns legumes e frutas, carne de aves e de porco, nada de novo, nada de improvável, nada que não soubéssemos já que iria acontecer.
Quero, apenas, recordar a cronologia dos acontecimentos. Primeiro, IVA zero era um erro. Depois, a culpa era dos distribuidores. E produtores. Agora, é tem de "pensar" no IVA zero que, ainda ninguém explicou porque é que, numa semana apenas, deixou de ser um erro e passou a ser uma medida acertada.
Entretanto, o governo pensou.
Decidiu sem apresentar o cabaz.
Agora apresentou o cabaz.
E, nisto, passou um ano. Um ano inteiro de guerra, um ano inteiro de uma subida exorbitante e pesada, um ano inteiro sem intervenção do Governo no preço dos bens alimentares.
Entre o anúncio do pensamento - quarta-feira - e a ação - ontem - passaram apenas seis dias. Seis. Conseguiu o Governo ser tão ágil que resolveu tudo em seis dias?
Passaram 396 dias desde que começou a guerra. Onde andou esta solução nos últimos 390 dias?