O Presidente da República é imensas coisas. Uma é ser assumidamente católico.
Tendo o dever de representar os portugueses independentemente do credo, Marcelo Rebelo de Sousa sabe que os católicos não o abandonaram nas duas eleições presidenciais que ganhou categoricamente. Promulgar um diploma tão intimamente relacionado com o valor da vida não seria algo expectável por um presidente com este vínculo de convicções.
Mas, para além de católico, Marcelo também é político, e sabe que já vetou uma vez a eutanásia. Depois de o diploma ter sido novamente aprovado no Parlamento, agora com maior amplitude partidária, é-lhe difícil recorrer a questões semânticas para voltar a escolher o veto. Poderia ser mal interpretado pelo país cujo peso do credo não determina a escolha de consciência sobre a despenalização da morte medicamente assistida.
Acresce que os partidos do centro jogaram exatamente aí, no meio-campo. Nem Costa nem Montenegro fizeram da eutanásia um assunto de mobilização política. Aliás, nenhum deles manifestou uma posição de princípio. A clivagem existiu sobretudo na forma de decisão. O PS de António Costa pretendeu arrumar o assunto no Parlamento e Luís Montenegro, à última hora, tentou o referendo. Sobre a substância da matéria em apreciação, a posição das lideranças do centrão foi a dúvida.
Ora, este é o contexto que torna presumível que Marcelo externalize a decisão de aprovação para o Tribunal Constitucional. Não viabiliza nem rejeita. E junta-se à equipa de Costa e de Montenegro para jogar no meio-campo.
Parece assim que, ao centro, ambos os partidos farão figas para que o TC trate do assunto de vez. O PSD talvez deseje que a trapalhada do referendo passe rápido, mas sobretudo não quer voltar a discutir a eutanásia. Prefere andar atrás do Governo pelo empobrecimento, pela inflação ou pelo colapso do Estado Social.
O PS quer voltar a ter iniciativa política, desta em vez em torno do PRR e do combate à inflação, porque sobre a eutanásia ninguém à esquerda (exceto o PCP) terá ficado insatisfeito, desde que o assunto fique arrumado.
E foi assim que ao centro se encarou um assunto que pode mudar a relação dos portugueses com a vida. Com tática.