O direito ao voto resulta da ideia democrática de auto-governo, de que devemos poder decidir sobre o nosso próprio destino. Ter voz nas políticas que nos afetem. O voto não é o sistema que garante necessariamente as melhores decisões, mas sim as decisões mais legítimas. É possível que um conjunto de cientistas ou intelectuais iluminados pudessem decidir melhor, mas tais decisões não seriam legítimas (exceto se esses iluminados forem eleitos por todos os outros).
É estranho que tanta gente inteligente esqueça esta natureza fundamental do voto no debate sobre o alargamento do direito ao voto aos maiores de 16 anos e regresse a uma lógica censitária, fazendo depender o direito de voto de uma alegada, e muito subjetiva, maturidade intelectual. Esta conduziria ao absurdo de se ter de excluir do direito ao voto tantas outras categorias pessoas...
Em termos de princípio, o direito ao voto resulta de se ser sujeito de políticas, devendo apenas estar condicionado a se deterem as capacidades cognitivas necessárias ao juízo racional que a escolha do voto impõe. Ora, os estudos existentes são bastante conclusivos em que aos 16 e 17 anos já se possuem as capacidades cognitivas necessárias ao tipo de ponderação necessária ao exercício do direito de voto. Alguns desses estudos até concluem que essas capacidades cognitivas são superiores às de idades mais velhas na capacidade de analisar e integrar a diversidade de informação necessária ao voto. Podemos não gostar do que os jovens vão votar, mas eles têm a capacidade cognitiva para o fazer e o mesmo direito a o reivindicar de qualquer outra pessoa sujeita aos efeitos das decisões da política. Opor a isto argumentos de tipo censitário - que se teme a falta de experiência, maturidade ou alegado excesso de emotividade dos jovens - recorda os argumentos usados no passado para suprir os votos de outras categorias de pessoas e conduziria, em coerência, a excluir muitas outras pessoas do direito ao voto. O direito ao voto não depende de uma ponderação da experiência, inteligência ou mesmo racionalidade. E por cada jovem imaturo ou emocional posso dar-vos milhares de exemplos de não jovens que também o são e votam... E não se use o argumento da maioridade e o que o Estado ainda proíbe aos jovens. Primeiro, há muitos aspetos em que já são tratados como adultos (como na responsabilidade criminal, precisamente porque se reconhece já a consciência e capacidade cognitiva nesses jovens). Mas, sobretudo, são temas distintos. O Estado é paternalista em múltiplas ocasiões. De tal forma que também proíbe aos adultos muitas escolhas. Não é porque o Estado considera que não se pode confiar na nossa escolha individual sobre usar cinto de segurança, e nos impõe isso, que deduzimos daí que não deveríamos ter direito ao voto...
Se em termos do princípio que sustenta o direito ao voto não existe razão para excluir do direito ao voto os maiores de 16, bem pelo contrário, em termos do que a nossa democracia necessita há muitas razões que militam no sentido de atribuir esse voto. Como defendia há poucos dias Paulo Trigo Pereira há uma sub-representação dos jovens no sistema político que se exprime, designadamente, no facto de o votante mediano ser cada vez mais velho. Como também defendia nesse artigo o Professor Universitário e ex-deputado independente socialista, esta sub-representação tem consequências para as prioridades e preferências dominantes no sistema político uma vez que diferentes gerações tendem a ter diferentes sensibilidades sobre os temas e prioridades públicas. Uma democracia deve assegurar uma representação equilibrada dessas diferentes perspetivas.
Esta crescente sub-representação dos jovens também se manifesta na idade mediana dos detentores de cargos políticos que também tem vindo a aumentar. Ou seja: há uma menor proporção de jovens no eleitorado e na nossa classe dirigente. Isto exige passos no sentido de corrigir esta sub-representação, ainda mais num contexto em que a política é cada vez mais dominada por aquilo que Daniel Innenarity definiu como curto-termismo.
Não se trata de nenhuma conspiração dos mais velhos contra os mais novos. Mas a tentativa de o corrigir também não deve ser vista como uma guerra dos mais jovens contra os mais velhos. Todos reconhecem que a distribuição territorial do eleitorado, concentrado nas áreas urbanas, tem como consequência uma sub-representação dos territórios de baixa densidade populacional e ninguém acha que afirmar isto é promover uma guerra entre litoral e interior.
Por último, a nossa democracia sofre de baixa participação política. Ao contrário do que alguns afirmam (sem qualquer base científica...), os estudos demonstram que nos países onde voto aos 16 foi introduzido a participação eleitora é maior nessa faixa etária. Outros estudos (assentes em dados mais limitados), também indiciam que começando a votar mais cedo se adquire uma maior e mais sólida consciência cívica. Acresce que, ao contrário do que erradamente também se julga, o interesse pela política tem crescido entre os jovens. O que tem decrescido é a participação política tradicional. Ora, existe todo o interesse em canalizar esta vontade de participação política para o sistema político em vez de os excluir, dirigindo-os para formas de protesto que contestem esse sistema político. Não é de estranhar assim que a introdução do direito de voto aos 16 anos foi recomendada pelo Parlamento Europeu e está a ser rapidamente adotada em vários Estados. Não tenho dúvidas que assim sucederá em Portugal. A única incerteza mesmo é se será agora ou mais tarde.