O guincho do diabo

Num tempo de celebração natalícia, a classe política já não discute a presença do diabo. Parece ter desistido de fazer graçolas ou trocadilhos. Mas não se fala do que não se gosta. E as famílias já sentem a sua presença. Os especialistas chamam-lhe "ansiedade da fatura" do fim do mês, que nunca se sabe que valor vai atingir, no gás, na luz, nos produtos básicos.

O estudo promovido pela Intrum indica alguns dados preocupantes. Um terço dos consumidores, depois de pagar as contas, fica com apenas 10% do rendimento disponível. Cerca de 60% dos inquiridos vive financeiramente pior do que em 2021. Os níveis de endividamento familiar têm disparado. Os portugueses sentem em 2022 a subida da fatura energética, que quase duplicou. Mas grande parte dos salários não subiu, até porque não sobem por decreto.

O motor fiscal da economia, que é a classe média, está sufocado, e para o ano uma substantiva parte dela terá que enfrentar novas subidas da prestação da casa. Por estes dias, o Banco de Portugal explicou que muitas famílias portuguesas já recorrem a poupanças para pagar despesa corrente, comida inclusive.

Perante esta tela, um quadro aflitivo de crise iminente, os portugueses que têm, ou terão, que olhar para o Estado veem na Saúde encerramentos de urgências e especialidades hospitalares, ou peritos a discutirem à vez qual o serviço que se fecha, percebem uma Escola Pública em decadência.

O curioso é que agora que a resposta devia ser robusta parece ter-se descoberto que o país tem uma dívida pública para disciplinar, e que é demasiado grande.

Entretanto, o primeiro-ministro deu uma entrevista de Natal e fez-nos viajar ao surgimento socrático de 2005, desferindo o sempre nostálgico: "habituem-se". Pelo meio, num exercício infeliz, destrata adversários políticos, enquanto anuncia um apoio extra de 240 euros para as famílias mais vulneráveis. Fica assim identificado como o Governo pretende ir aplicando analgésico para atenuar a dor. Mas o país precisa de soluções.

Até porque este Diabo não guincha. Mas faz guinchar.

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