O mundo ligado a uma só ficha

O apagão de seis horas de Facebook, Instagram, WhatsApp e Messenger deixou meio mundo em suspenso e obrigou a olhar de frente o poder desmesurado que estas redes concentram. Nas horas seguintes à retoma das plataformas assistimos a uma vaga de memes. Um deles sintetiza de forma brilhante o poder mundial do império de Mark Zuckerberg: o milionário tropeçou na ficha e desligou o mundo.

De facto, o apagão comprovou que o mundo virtual gira em torno de uma só empresa, levando analistas a considerar que essa posição dominante acabará por vir a ser considerada monopolista, como já aconteceu, ao abrigo da lei americana, com a Google e a Microsoft. O controlo monopolista é exercido não apenas no mercado, mas nas atividades diárias e rotinas em sociedade. Afeta a esfera pessoal, os negócios e as dinâmicas globais de comunicação.

No plano pessoal, fomos voluntariamente cedendo informações e deixámos que as redes dominassem o nosso espaço, não apenas nas relações interpessoais, mas em gestos como compras ou gestão de pagamentos. Mesmo quando temos consciência dos riscos de exposição excessiva, acabamos por ser prisioneiros das facilidades que as tecnologias nos concedem, por sentirmos que as vantagens superam as perdas - até porque tendemos a considerar que os perigos são apenas potenciais.

Ansiedade acabou por ser o estado de milhões de pessoas em todo o mundo, de tal forma que ouvimos especialistas alertarem para a necessidade de os utilizadores reverem os níveis de exposição e refletirem sobre a dependência física, numa altura em que são cada vez mais os estudos que avaliam a relação entre substâncias neuroquímicas e a nossa presença nas redes sociais.

No mundo empresarial, a dependência é igualmente evidente. Muitos negócios baseiam-se nestas plataformas, quer através do alojamento de marcas, quer pela dinâmica de comunicação e de promoção. Até instituições de solidariedade e grupos de apoio reconheceram, esta semana, estar dependentes de redes de contactos e plataformas para desenvolverem a sua atividade.

A nível mundial, a concentração torna as nossas comunicações vulneráveis: quando um sistema depende quase exclusivamente de um operador, é pouco resiliente e mais cedo ou mais tarde acabará por ter falhas. Já para não falar do alcance que lhe é concedido, com capacidade para influenciar questões sociais e políticas, como ficou comprovado em processos concretos envolvendo o Facebook. Em suma, um poder brutal que no limite pode pôr em causa a própria democracia.

Estamos a usufruir dos enormes avanços tecnológicos dos últimos anos, mas não temos ainda conhecimento e reflexão suficientemente consolidados sobre como lidar com eles. A solução deverá passar por uma maior regulação, que incidentes como o desta semana comprovam ser essencial. Há que acelerar essa tomada de consciência.

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