"Corpos espalhados pelas ruas, centenas de cadáveres em valas comuns e civis mortos de mãos atadas." No seu habitual espaço de Opinião na TSF, Daniel Oliveira lembrou a destruição deixado na cidade de Bucha, na Ucrânia.
Após se conhecerem as consequências da presença russa no local, o comentador acredita que "o Tribunal Penal Internacional investigará, mas nem vale a pena perder tempo a discutir delirantes acusações de encenação em Bucha", porque, apesar de a propaganda existir "de todos os lados e em todas as guerras", "estão ali todas as provas de um crime impossível de fabricar com milhares de jornalistas no terreno e testemunhas a relatar o que foi o inferno russo às portas de Kiev".
Na opinião de Daniel Oliveira, "não há guerras boas e limpas", mas sim "guerras que se contam com atos heroicos e sem cadáveres". "A guerra não é a continuação da política, por outros meios, a guerra é o regresso à nossa animalidade amoral e à bestialidade absoluta do ser humano", assinala.
"O debate sobre a guerra não é sobre se ela é criminosa, mas sim inevitável. Não é sobre quem é o criminoso de guerra, é sobre quem cometeu o crime de a começar" e, para o cronista, "não há qualquer dúvida" de quem foi o responsável pelo início do conflito na Ucrânia: Vladimir Putin.
Sobre o presidente russo, Daniel Oliveira recordou "a chacina da Chechénia", onde Putin mandou "matar jornalistas que denunciavam os seus crimes", o que provou, na sua opinião, que "existem criminosos mais criminosos que outros, e Putin está seguramente entre os piores."
"As guerras mais pobres são sempre as mais cruéis", diz Daniel Oliveira, após lembrar os conflitos no Ruanda e na Síria. "A Rússia não é propriamente pobre, mas Putin atirou o seu país para esta aventura criminosa sem ter os meios para ela", acredita.
O cronista socorreu-se de um discurso de Volodymyr Zelensky sobre o que devem pensar "as mães dos militares russos" do que os filhos se tornaram durante a guerra. Para Daniel Oliveira, os soldados destacados por ambos os países para o campo de batalha "sem treino, meios, causas, limites ou sem comando competente", tornam-se "tresloucados assassinos".
"Os russos deviam ver estas imagens para odiarem os seus líderes, não para odiarem os seus filhos. A guerra alimenta-se da espiral do ódio, consequência do horror, da sede de vingança por todos os mortos que se amavam e esse ódio é o combustível para se continuar a guerra e tolerar os crimes que se testemunham e que se cometem."
Contudo, Daniel Oliveira, nem todos os cidadãos da Rússia "são inimigos", porque "vivem submersos na ditadura". "Os inimigos não são os russos que combatem e muito menos as suas mães. O inimigo é o homem que sozinho, ao fundo de uma longa mesa, se afasta de toda a humanidade" e o homem que "manda acumular cadáveres ucranianos e russos, que se juntam aos chechenos e aos sírios para se perpetuar no poder e na história e, assim, vencer a sua patética pequenez humana", expõe.
"Estamos sempre a negar os crimes que tolerámos", assinala o cronista, após mencionar a "neutralidade" de alguns países so "massacres" como o Holocausto ou a fome em Bengala. "Haverá um tempo e, quanto mais cedo for esse tempo, menos cadáveres se espalharão pela Ucrânia para se fazer a paz e esse será o tempo em que a defesa da vida pedirá mais frieza que emoção."
"Até esse tempo chegar", Daniel Oliveira acredita que "temos o dever moral de apoiar a resistência ucraniana, recordando que só vimos os cadáveres de Bucha porque os russos tiveram de lá sair."
Na opinião do cronista, "a guerra está longe do fim" e "ainda vai piorar antes de melhorar" e, como temia, "as cedências não começaram entre os ucranianos, mas entre os europeus, quando a solidariedade pediu mais que adjetivos."
Daniel Oliveira recordou os casos da Eslováquia e da Hungria, que já se mostraram disponíveis para pagar o gás russo em Rublos, tal como pedido por Vladimir Putin, abrindo, assim "uma brecha nas sanções em vigor".
"É esta a trincheira da guerra. É nela, e não num concurso para saber quem usa adjetivos mais fortes ou quem faz a proposta mais irresponsável que nos aproxime de uma guerra nuclear, que temos de fazer a nossa parte. Infelizmente, sem uma vida perdida deste lado da Europa, já temos deserções e essa é uma das muitas razões pelas quais a paz será urgente", esclarece o jornalista.
"Não sabemos quanto tempo a Europa se manterá unida com as suas opiniões públicas comovidas. Se é mais difícil para uns do que para outros, porque tal como a crise de 2008, os custos deste enfrentamento são desiguais e uns dependem mais do gás russo que outros, a Europa tem partilhar o fardo do ricochete das sanções, ou ninguém levará a sério a sua indignação pelas imagens de Bucha", conclui.
*Texto redigido por Clara Maria Oliveira