"Casa Portuguesa", a guerra colonial é só o ponto de partida da história aqui contada e cantada

Pedro Penim assina a abertura da temporada do Teatro Nacional Dona Maria II.

Três actores, João Lagarto, Carla Maciel, e Sandro Feliciano são homem, mulher, rapaz e Casa Portuguesa na primeira peça encenada por Pedro Penim, enquanto director artístico do Dona Maria II. As Fado Bicha compõem o elenco "num casamento inevitável" com a desconstrução da letra do fado que inspira o nome escolhido pelo autor, num texto que descreve como "uma espécie de revisão da história dos últimos 50 anos, mas com os olhos de quem está vivo agora e tem mais informação.

"O Homem é o saco de pancada nesta peça, representante de uma cultura machista, branca, em que toda a gente vai batendo ao longo da narração." João Lagarto é este Homem, figura central de Casa Portuguesa, o homem que acaba por expor-se," depois de muito instado", explica o actor que escapou à guerra colonial, por uma unha negra, e aqui veste a pele "de um soldado combativo e atormentado" por fantasmas desse passado. Pedro Penim parte dos diários escritos pelo pai, Joaquim Penim, que combateu em Moçambique "contrariado", e percorre ao longo do texto, as mudanças vividas e expostas na sociedade nestes quase 50 anos "a definição da masculinidade, como foi evoluindo, o próprio conceito de família, mas parte desse dado biográfico, dessa experiência do meu pai, e parte da minha vontade de universalizar, porque sei que é um assunto que diz respeito a muitos portugueses e quase todos temos uma relação com esse lado mais triste da nossa história."

" O teatro é um sítio óptimo para nos confrontarmos com a história"

Casa Portuguesa é um espectáculo de 2022, mas vem-nos à memória o fado, que Amália popularizou "o fado como estrutura muito aproveitada pelo Estado Novo, para moldar o pensamento, e como é uma canção que todos sabemos de cor, que está ainda na nossa cabeça, e a peça tem também essa perplexidade, como é que há estruturas que são passadistas, já não nos servem mas que nós carregamos não só através dessas palavras mas também das marcas que existem da brutalidade colonial. Como é que lidamos com esse legado e com as histórias que estão enterradas."

Em palco, Lila e João Caçador - Fado Bicha - vão desconstruindo a letra do fado, com os olhos de quem vive as mudanças "no fundo o projecto delas é isso, pegar numa estrutura que é muito portuguesa e apetecível, recontextualizar, tirar -lhe o lado mais conservador e puxá-la para o presente. Era um casamento inevitável."

A ligação ao Teatro Dona Maria, como Casa do Teatro, foi algo que Pedro Penim também quis sinalizar "interessava-me que o título pudesse reflectir este sítio também, a casa do teatro português, uma casa de tradição mas também de experimentação."

Depois de Pais e Filhos, Penim avança para o segundo capítulo "de uma espécie de trilogia dedicada à família e que terá o seu último acto na programação do próximo ano". O texto de Casa Portuguesa foi criado a partir de três elementos: um diário de guerra do pai, Joaquim Penim; o fado "Casa Portuguesa"; e o ensaio "Filosofia della casa", de Emanuele Coccia.

A peça abre a temporada do Dona Maria II e fica em cena até 16 de Outubro.

A autora não segue as regras do novo acordo ortográfico

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