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Em palco cinco histórias de homens que, há cerca de 50 anos, foram mobilizados para a Guerra Colonial, em África. Uma viagem para o desconhecido da qual regressam com marcas que nem o tempo consegue apagar.
"Para estes ex-combatentes, o passado e o presente são um tempo só", afirma Isabel Craveiro, encenadora da peça "Os Cadáveres são Bons Para Esconder Minas", que estreia em Coimbra esta quinta-feira, 20 de outubro.
A criação do grupo O Teatrão teve por inspiração testemunhos de antigos combatentes. Segundo a encenadora, foram entrevistados cerca de 30 homens. A pesquisa foi feita em parceria com o Núcleo de Coimbra da Liga dos Combatentes e o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
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"A maioria dos testemunhos que recolhemos são de pessoas que estão em terapia, têm stress pós traumático e a vida deles, a partir daquele momento, mudou", explicou a também diretora do Teatrão.
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Para compreender o presente dos ex-combatentes é preciso também conhecer o passado e como foi a guerra. Ao longo de cerca de uma hora e meia de espetáculo, o público acompanha todo o percurso destes combatentes: as despedidas, a partida, a viagem, os dias na frente de guerra. Um viagem que culmina com o regresso a casa. "Nos primeiros tempos, depois de voltar, na minha aldeia natal, acordava a meia da noite para ir procurar uma espingarda. Não conseguia aguentar muito tempo no mesmo emprego. Tudo me aborrecia depois de África", conta um deles. Outro assinala que não dorme: "Tomo 19 comprimidos por dia e mesmo assim não consigo. Queria mesmo dormir."
Estes traumas não ficaram apenas com estes homens e estenderam-se também às famílias que com eles conviveram. A peça acaba por integrar curtas declarações de mulheres sobre a forma como lidaram com estas situações. "É uma coisa que não se vê. Sente-se, mas não se vê", relata uma das mulheres deles.
A tónica do espetáculo vai também para o movimento de falar e, nesse sentido, Isabel Craveiro destaca a forma como os antigos combatentes partilharam as suas histórias.
"Hoje, estamos num tempo em que eles querem falar. Eles precisam de falar também porque sentem que estão a chegar ao fim. E chegando ao fim percebem que este acontecimento, se calhar o mais doloroso da nossa história das últimas décadas, não foi superado, não foi falado. Sentem que foram esquecidos."
Com dramaturgia de Jorge Palinhos, "Os Cadáveres são Bons Para Esconder Minas" é uma coprodução com a Companhia de Teatro de Almada. O espetáculo teve estreia no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada, em setembro e dia 20 de outubro é apresentado em Coimbra na Sala Grande da Oficina Municipal do Teatro. É uma peça para ver até 13 de novembro.
Para dia 29 de outubro está agendada uma conversa com o tema "Guerra Colonial- Tempo Presente", organizada pelo Teatrão e o CROME/Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES). Os convidados são Miguel Cardina, investigador do CES e coordenador do projeto "CROME - Crossed Memories, Politics of Silence. The Colonial-Liberation Wars in Postcolonial Times", e Luísa Sales, psiquiatra, coordenadora do Observatório do Trauma (CES).