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O primeiro-ministro disse nesta semana que é essencial garantir um consenso sobre o Plano de Recuperação e Resiliência e, depois dele, a Comissão Europeia [CE] considerou crucial o envolvimento dos parceiros sociais. Acredita que esse consenso será possível?
Espero que sim. Mas o importante é um melhor conhecimento do que está em causa. O PRR é algo que acrescenta a um conjunto de outros recursos financeiros, que o país tem à sua disposição, nesta altura, e que se deve preparar para aplicar na próxima década. Temos, por um lado, aquilo que é a resposta imediata à crise: apoiar as empresas, o emprego, fazer face às despesas acrescidas de saúde, pensar que vamos capitalizar as empresas. Mas esse não é o objetivo do PRR. Para isso temos instrumentos como o Programa SURE, que nos está a permitir financiar o apoio ao emprego e acréscimo de despesas de saúde. No ano passado fomos buscar três mil milhões de euros ao Programa SURE e ajudou-nos a pagar o lay-off e outros programas de apoio ao emprego. Temos o programa REACT-EU para apoio às empresas, a fundo perdido, e já libertou quase mil milhões de euros, que estão comprometidos para podemos gerir o programa Apoiar. Vamos continuar a trabalhar com estes recursos para responder à emergência, à crise, para aguentar as empresas e o potencial produtivo, nestes meses até normalização da situação sanitária.
É para aí que devem olhar as empresas?
Exatamente. Uma segunda área é o normal apoio ao investimento produtivo, às qualificações e competências, à gestão das cidades e das infraestruturas, que vem do próximo quadro financeiro plurianual. Se quiser, o sucessor do PT 2020 - vamos chamar o PT 2030. Tem uma dimensão semelhante à do PT 2020, mas prioridades diferentes. Vamos estar mais focados agora no apoio à atividade empresarial, às qualificações, à inovação, verde e digital. E depois temos o Plano de Recuperação e Resiliência. Este envelope de cerca 13 mil milhões de euros à nossa disposição, a fundo perdido - mais uma componente de empréstimos - visa, pelo contrário, financiar reformas transformadoras das nossas fragilidades estruturais e ajudar o país e as empresas a atravessarem este desafio da transição ecológica e climática. Portanto, não devemos procurar no PRR resposta às necessidades imediatas de empresas. Uma das críticas que ouvimos é que "devia haver mais dinheiro para a capitalização das empresas, para apoiar setores afetados". Não é isso. Também não podemos esperar que do PRR venha o incentivo ao investimento para uma empresa isolada.
As confederações empresariais não perceberam bem o PRR?
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Eu acho que perceberam. Aliás uma das críticas que tenho ouvido de algumas confederações é que não se percebe a totalidade daquilo que está em causa, que estará disponível, e em que modelo está. O governo, nesta altura, só divulgou o PRR e não divulgou o PT 2030.
O privado queixa-se de que os fundos vão só para investimentos públicos. O que lhe tem a dizer?
Não. Primeiro estamos muito focados na resposta àquilo que são as exigências da União Europeia [UE] sobre como vamos aplicar os recursos, que diz: 37% em transição climática. Obviamente nesta matéria temos muitas coisas dirigidas às empresas: 715 milhões para apoiar a descarbonização da indústria, quase 600 milhões para o desenvolvimento de biomateriais, para uma economia de baixa intensidade em carbono e circular. E onde é que temos emissões carbónicas e ineficiência energética? Nos edifícios, nos transportes, na forma como produzimos e consumimos energia. Este programa vai ainda ajudar a que a indústria possa cumprir a meta de em 2030 reduzir as emissões em 55% relativamente aos níveis de 2005. Segundo, além do que imediatamente dirigimos para apoio às empresas, na descarbonização, na inovação e na capacitação digital, há projetos que vão ser estímulos dirigidos à economia e às empresas.
Por exemplo?
Temos a exigência de fazer investimentos significativos no nosso sistema de transportes para reduzir o nível de emissões. Quem vai responder a estes projetos públicos são empresas portuguesas. O mesmo na eficiência energética em edifícios, públicos ou privados, quem é que vai estar a responder a isto? Vão ser as empresas que fazem caixilharia, coberturas dos edifícios, bombas de calor e equipamentos energéticos eficientes. Temos uma oportunidade de combater fragilidades estruturais e irmos ao encontro, também, daquelas que são, ao longo de anos, exigências dos nossos empresários.
As regras do PRR dão pouca margem ao governo para acolher propostas dos parceiros sociais, no âmbito da consulta pública?
Nós temos margem. Mas dentro das regras e recomendações específicas por país da UE. Não podemos chegar à UE e dizer assim: vamos pegar aqui em cinco mil milhões de euros e transferir para as empresas. Não podemos fazer isso. Estamos há três ou quatro meses a discutir com a Comissão Europeia o primeiro esboço. E já tivemos muitas interações e garanto-lhe que o nível de exigência, de detalhe, de justificação, de quantificação, de alocação de recursos, é muito discutido. Até termos um plano que a CE diga: sim senhor, está bom para ser implementado.
Nessa discussão qual tem sido o ponto mais difícil? De rutura?
Há dois ou três pontos. Temos de fundamentar muito bem os valores, com objetivos que sejam tangíveis, quantificáveis e controláveis. É muito exigente tecnicamente. Onde é que estão as dificuldades? A CE tem posto muitas resistências ao nosso programa dos missing links.
Para os leitores perceberem, o que quer dizer exatamente?
Aquela ligação que está em falta entre, por exemplo, áreas empresariais e as grandes redes de infraestrutura. Conhecemos muitos casos em que nós temos excelentes autoestradas, ligações aos portos, etc. Depois faltam aqueles dois ou três quilómetros finais entre o nó da autoestrada e uma área empresarial. O dizemos à CE é que isso é importante para a competitividade das nossas empresas industriais. Estar um camião a demorar 30 minutos a percorrer o interior das cidades para chegar a uma fábrica é algo que diminui a competitividade das nossas empresas e gera mais emissões de carbono. A visão da CE, pelo contrário, é que Portugal não precisa de mais estradas e, portanto, não deve financiá-las.
É uma luta que considera que vai ganhar? Qual a expectativa?
Não vou antecipar. Estamos a justificar, tecnicamente, porque é que nos parece que isto é não só positivo para o ambiente, como estritamente necessário para a melhoria da competitividade das nossas empresas industriais. Esse é só um ponto. Outro ponto que não lhe escondo é que nós temos 1250 milhões de euros que pretendemos usar para capitalização de empresas e acesso de empresas a financiamento e a CE questiona se isso vai ser verdadeiramente utilizado e é compatível com os objetivos do PRR ou é, pura e simplesmente, pegar em 1250 milhões de euros e despejar nas empresas.
Ficamos é com a ideia que desta consulta pública nada resultará. Parece um mero pró-forma.
Não acho que seja verdade. Nunca entro num debate sem estar disponível para ouvir, esclarecer. Vamos lá ver. Se me dão uma garrafa de água e a pessoa diz "o que eu quero é Coca-Cola" eu não posso dizer "então vou transformar isto em Coca-Cola". A única coisa que eu posso dizer é: como é que vamos distribuir isto pelos copos existentes, etc., mas é a água que eu tenho.
O ministro do Planeamento admitiu dar-lhes acesso direto aos empréstimos do PRR. Em concreto o que é que isto pode significar?
Eu julgo que o senhor ministro fez este comentário a propósito de outro tema sobre como é que vamos utilizar esses empréstimos e vão esses empréstimos, ou não, ser contabilizados para a dívida pública. E uma das coisas que nós estamos a tentar discutir é se podemos dirigir uma parte dos empréstimos diretamente para empresas com garantia de Estado e se, eventualmente, não onera a dívida pública. Mas, para mim, o mais importante é que o que estamos a pedir a empréstimos é cerca de 1% do PIB português. E é para fazer aplicações que são reprodutivas. Se eu pegar em mil milhões de euros e aplicar em capital de empresas não estou a desperdiçar esse capital. Esse capital tem um retorno, tem uma remuneração, mas vai ajudar as empresas, juntamente com outros recursos que possamos mobilizar, a resolver um problema de capital que é estrutural. Se eu estou a fazer um empréstimo para fazer um programa de habitação acessível, é uma habitação para a classe média e vamos receber rendas por isso. E podemos, com essas rendas, ajudar a amortizar esses empréstimos. Temos cerca de 300 milhões, julgo, para residências universitárias, também cobramos rendas pelas residências universitárias, portanto, quando estamos a fazer empréstimos ao abrigo do PRR estamos a procurar aplicá-los em aplicações reprodutivas e que nos permitam fazer face ao esforço da dívida. É uma dívida a longo prazo. Acho que faz sentido ao país ir buscar estes recursos e superar estes défices clássicos.
As confederações não acreditam que os primeiros fundos cheguem antes do verão. A CAP disse, nesta semana, que só a partir de setembro. Mantém o otimismo de que possa acontecer ainda na presidência portuguesa da UE? Pode comprometer-se com uma data?
Neste momento o regulamento do PRR, aprovado pelo Parlamento Europeu, está em vigor. Os Estados membros podem, desde já, apresentar os seus planos de recuperação nacional. O objetivo é que eles possam ser aprovados durante este primeiro semestre e Portugal, seguramente, tenciona que o seu programa seja aprovado no primeiro semestre. Há um tema que ainda está em falta. É preciso que os Estados membros retifiquem a alteração aos tratados que permite à UE aumentar os seus recursos próprios. É isto que vai permitir à UE emitir dívida nos mercados para financiar o programa. Mas isso está em curso. Já há sete Estados, como Portugal, que retificaram. Esperamos que, nas próximas semanas, se conclua esse processo de retificação para a UE poder ir ao mercado e levantar recursos.
Mas não estando só nas nossas mãos, não se pode comprometer que o dinheiro chegue na presidência portuguesa ou pode?
Não, não posso. Mas isso não é o mais essencial. Repare, incluímos, no Orçamento do Estado [OE] uma norma que autoriza o Estado a realizar despesa por conta do PRR até 1400 milhões de euros.
Uma forma de antecipar?
Posso antecipar. Um exemplo: temos pronto para sair um programa para a eficiência energética em edifícios privados. Isto vai permitir que proprietários, condomínios, etc. possam solicitar apoios a fundo perdido para realizar estas obras de eficiência energética, aquisição de equipamentos eficientes, substituição de coberturas, substituição de caixilharia e portas, que é por onde se perde muita energia de aquecimento. E isto pode ser lançado já. Nós não precisamos de esperar pelo PRR.
Indo buscar dinheiro ao Orçamento, mas por conta do PRR?
É uma operação de tesouraria. E, por isso, não estou demasiado preocupado. Estou mais preocupado em mobilizar os agentes no terreno. Este programa vai ser executado ao longo de vários anos e tem uma dupla função: por um lado, financiar estas reformas estruturais; por outro lado, tem um efeito de estímulo económico imediato. E nós, neste momento, precisamos muito deste estímulo económico imediato. Volto ao exemplo da eficiência energética nos edifícios, que põe pequenas e médias empresa a começar a atividade, a gerar emprego. Portanto o foco agora não é só nos grandes projetos, mas é pormos o mais depressa possível no terreno estes que (públicos ou privados) põem a economia funcionar.
A revisão do cenário macroeconómico vai implicar um Orçamento retificativo?
Isso o senhor ministro das Finanças gere melhor. A alteração do cenário macroeconómico é imposta pelo efeito do confinamento, no país e na Europa. Temos o resto da Europa muito confinado e a afetar as nossas exportações. Os nossos maiores mercados são a Espanha, a Alemanha, a França e, portanto, quando estão também confinados e com um horizonte de desconfinamento a largo prazo, muitas das nossas exportações de bens não têm o mesmo acolhimento. Todos os países estão a rever os seus pressupostos macroeconómicos e isso não pode deixar de ter impacto na receita pública, porque menos atividade são menos impostos, e na despesa vamos ter de gastar mais dinheiro em apoio ao emprego.
É retificativo é incontornável?
Não lhe consigo dizer isso agora. Mas é uma questão que não é a prioridade nesta altura.
Nesta semana disse que a recuperação vai ser mais demorada do que o esperado, e que a pandemia trouxe impactos profundos e assimétricos em diferentes setores. Uma vez que Portugal é um dos países que, face ao PIB, menos ajudas concedeu, admite que poderá ter de lançar novos apoios às empresas? Um novo Apoiar.pt?
Sim. Vamos, obviamente, ter de reforçar os apoios às empresas e ao emprego. Já agora os apoios ao emprego são apoios às empresas. Quando estamos a pagar lay-off ou o apoio à retoma progressiva, quando temos, por exemplo, no segmento do alojamento, muitas empresas que estão com quebras de faturação acima de 75%, isto significa que elas têm acesso a um apoio que basicamente paga 100% do salário dos seus trabalhadores. Eu acho... eu sei que nós vamos reforçar os apoios às empresas e ao emprego. Sobretudo nesta altura, crítica, nestes meses que vão até junho. Nos primeiros 15 dias de março temos um conjunto grandes de atividades que estão encerradas e, depois, admito que a normalização vá prosseguindo durante o segundo trimestre. Temos de reforçar os apoios neste período e depois temos de trabalhar a prazo e num problema: como digerir um ano de atividade com muitas quebras.
Quando diz "eu sei que serão lançados novos apoios" e, nomeadamente, relativamente ao mês de março em que ainda estamos em confinamento, admite que os novos apoios possam ser lançados ainda em março?
Tenho a certeza.
Tem a certeza. Vão ser lançados?
Sim.
E estamos a falar de que extensão de apoios?
Vamos, seguramente, rever os apoios ao emprego. Precisamos de alargar os apoios e responder a algumas situações mais emergentes. Vou dar-lhe um exemplo que já foi resolvido e outros serão resolvidos: dissemos que têm acesso ao lay-off simplificado as empresas que foram obrigadas a encerrar, mas depois há outras que não estando obrigadas a encerrar, por causa de determinações administrativas não podem desenvolver a sua atividade. Se eu sou uma empresa que faço a limpeza num centro comercial e o centro comercial está fechado, eu não tenho trabalho. E, portanto, já comunicámos que empresas de limpeza, de segurança, etc., têm os mesmos termos no acesso ao lay-off simplificado. Mas há outras empresas que têm quebras muito abruptas de faturação e que precisam de ser enquadradas. Temos uma situação difícil para essas empresas que estão em quebra que é, digamos assim, ver como é que ajudamos um pouco mais nestes meses, mais prolongados, de redução da atividade. Queremos reforçar o programa Apoiar, quer abrindo algumas situações que, nesta altura, estão excluídas do acesso quer reforçando, digamos assim, os montantes em função deste período adicional de dificuldades que temos. O afinamento específico disto julgo que vai ser divulgado na próxima semana.
Os montantes poderão ir até quanto? Como será esse desenho?
É isso que estamos a fazer. Mas queria dizer que há outra coisa que me preocupa também: como nos posicionamos a mais longo prazo e conseguimos digerir o impacto negativo nas contas das nossas empresas deste ano de quebra de atividade. E há três ou quatro coisas que são muito importantes. Uma é o tema das linhas de crédito garantidas pelo Estado. Nós lançámo-las com períodos de carência de 18 meses, mas sabemos que muitos bancos e muitas empresas contrataram períodos de carência mais curtos, alguns de 12 meses, que estão a terminar agora. E nós vamos tomar medidas a muito curto prazo para prorrogar esses prazos de carência. É uma medida, digamos assim, imediata. Mas há mais. Uma é como é que permitimos às empresas, relativamente a estas linhas garantidas pelo Estado, encontrarem soluções de transformar isto de uma dívida numa situação de reforço de capitais próprios. Acho que devemos oferecer às empresas a possibilidade de converterem esta dívida em algo a que chamamos quase-capital que, basicamente, reforça os capitais próprios, transformando dívida do balanço em capitais próprio. Estamos a desenhar essa solução e espero também - mas não será nesta semana nem na próxima - dar essa noção e esse conforto aos empresários. A segunda é que temos um conjunto de crédito que está sob moratória, que termina em setembro, e aquilo que estamos a tentar resolver é a forma como as empresas, particularmente dos setores mais afetados, suportam isso. As empresas contrataram, e bem, um conjunto de créditos para financiar a sua atividade e o investimento que realizaram. Vou dar-lhe exemplos. Se investiu no setor do alojamento, contraiu crédito e tinha um serviço de dívida que era compatível com o nível de atividade que tinha perspetivado. Agora está congelado, mas a partir de setembro há de voltar a ter de se pagar, com mais 12 meses de maturidade, mas vai ter de pagar. Obviamente o nível de rentabilidade e de meios para pagar a dívida em setembro, outubro, dezembro e no próximo ano, vão ser inferiores àqueles que as empresas tinham em perspetiva no momento em que contraíram a dívida. Isto não acontece por má gestão. Isto não acontece por deficiência de trabalho comercial, acontece porque, pura e simplesmente, sabemos que a retoma no setor de turismo vai ser mais lenta. E, portanto, precisamos de ter um programa específico para estes setores mais afetados.
Alargando o prazo das moratórias? Falando com a banca até porque se teme que as moratórias sejam uma bomba-relógio. Como é que poderá algum programa ajudar nesse sentido?
Estamos a trabalhar em várias frentes para o resolver. Pode passar por por uma extensão das maturidades. É a forma mais simples de resolver isso, mas é também complexa do ponto de vista da supervisão bancária europeia e também não é necessariamente a mais desejável, porque isso o que faz é manter as empresas com peso de dívida grande no seu balanço, embora num prazo mais longo. Acho que devemos tentar arranjar soluções de capitalização que permitam às empresas sair desta crise com um balanço um pouco mais robustecido. Acho que isto é inevitável para aqueles setores mais afetados, a fileira turística, seguramente, a fileira da cultura. Isso, necessariamente, vamos fazê-lo. Eu diria que uma parte substancial do meu tempo, nestas últimas semanas, tem sido a lidar com esse problema de longo prazo e também a tentar resolver o tema de como, a curto prazo, conseguimos alargar os apoios que permitam às empresas atravessar este período.
Teme que essa bomba-relógio das moratórias possa detonar neste ano, na banca e nas empresas?
Conhecemos a dimensão do problema, estamos a avaliar todas as circunstâncias. A nossa estrita obrigação é atuar preventivamente. Nós temos de ter soluções antes do fim de setembro e estamos a trabalhar na frente europeia, nas regras dos auxílios de Estado, na frente da supervisão bancária com o envolvimento muito grande do Ministério das Finanças e do Banco de Portugal, nos contactos com a autoridade bancária europeia, a trabalhar e a verificar que soluções podemos montar mobilizando capital privado e garantias públicas e, eventualmente, alguns recursos públicos, designadamente do PRR, para montarmos aqui um volante de capitalização das empresas para reduzir o seu endividamento.
Para as famílias já no final de março chegam ao fim as moratórias do crédito à habitação. O governo está disponível para intervir junto da banca para que essas moratórias possam ser prolongadas?
As moratórias públicas são acessíveis a pessoas em situações de desemprego, quebras de rendimento, lay-off ou porque estão numa situação de inatividade. E, portanto, as moratórias públicas do crédito à habitação existem em função de situações objetivas de pessoas que ficaram mais desprotegidas. As moratórias privadas, que foram concedidas pelos bancos no crédito à habitação, dirigiram-se a todo o outro segmento de pessoas, e são outras moratórios que os bancos convencionaram com os seus clientes e, portanto, não precisaram de recorrer à moratória pública. Eu tenho falado muito regularmente com o setor bancário e não vejo grande preocupação relativamente ao fim das moratórias do crédito à habitação, que são moratórias privadas. Há uma situação diferente, não abrangida pelas moratórias públicas, que é a do crédito ao consumo. De facto, houve moratórias privadas aí, mas não são abrangidas por esta situação. São essencialmente sociedades especializadas no crédito ao consumo. Francamente acho que o tema mais importante é assegurarmos que as pessoas que tiveram degradação do seu rendimento, em função da pandemia não ficam desprotegidas.
Quando o governo anunciou o aumento do salário mínimo nacional para os 665 euros, anunciou também um apoio às empresas ao nível da TSU. Quando é que essa medida será aplicada?
Julgo que durante o mês de março vamos lançar precisamente esse apoio. Estamos neste momento a trabalhar nele. Isto envolve o Ministério das Finanças e o Ministério do Trabalho que tem a identificação de quais eram os trabalhadores em salário mínimo em dezembro de 2019 e vai envolver o Ministério da Economia, porque seremos nós a operacionalizar os pagamentos.
E já consegue dizer-nos em que moldes é que será feita essa compensação?
Sim. Quando o anunciámos dissemos que o nosso objetivo era, no primeiro trimestre, lançar este apoio. Este apoio corresponderá a uma parte significativa do aumento de encargo de TSU que resulta do aumento do salário mínimo relativamente a esses trabalhadores. Fazemos isto não porque achemos que devemos compensar aumentos de salário mínimo, mas porque percebemos que este é um ano difícil para as empresas.
O que é que pode ser essa parte significativa? Os empresários que nos estão a ouvir e a ler querem fazer esta pergunta certamente.
Na ordem dos 80% do aumento do encargo com a TSU, ao longo do ano. Portanto, o modelo que estamos a trabalhar - vai ser conhecido nas próximas semanas - é sobre o número de trabalhadores que estavam com o salário mínimo no ano passado, número de trabalhadores que estão agora em salário mínimo e, em função disso, pagamos X por posto de trabalho, que corresponderá mais ou menos a 80% do valor do acréscimo da TSU. E pagamos de uma única vez, que é também um benefício, um apoio significativo à tesouraria.
É ficção dar crédito aos que vão antevendo - e são muitos os observadores - que quando estiver a ser negociado o próximo OE o país pode ser confrontado com uma crise política?
Não sei. Francamente acho que colocar este cenário, nesta altura, só pode interessar a quem vive no pequeno sistema da política. Obviamente, o sistema tem formas de ultrapassar crises e, portanto, o nosso sistema democrático, ao longo do tempo, foi mostrando que consegue sempre ultrapassar situações de impasse e gerar soluções para o país. Sei que muita gente está insatisfeita com a democracia e com aquilo que conseguimos nos últimos anos. A verdade é que com a nossa democracia conseguimos aumentar, significativamente, a qualificação dos portugueses, conseguimos transformar-nos numa economia exportadora e que gera excedentes externos, conseguimos dar aos nossos concidadãos qualidade de saúde, qualidade alimentar e segurança alimentar, que nunca tivemos na nossa história e que está ao nível dos melhores do mundo. E ao longo dos anos, ao longo destas décadas de democracia, sempre que o sistema político não foi capaz de resolver, encontrámos soluções de alternância democrática, de aparecimento de novos protagonistas. E, portanto, tenho uma grande confiança na democracia portuguesa. E estou convencido de que sempre em situações de impasse nós havemos de as superar, melhor ou pior, e até diria que o povo nunca se enganou. Quando o povo foi votar sempre tomou as decisões corretas. E, portanto, se assim for, será. Acho indesejável nesta altura. Acho verdadeiramente que, se for perguntar a um cidadão ou a um empresário e disser: então o que acha que resolvia a crise, novas eleições? Acho que ninguém vai dizer isso. Não é nisso que as pessoas estão a pensar. As pessoas estão a pensar é "como é que eu pago as minhas dívidas em outubro, como é que eu vou conseguir manter as portas abertas, porque já sei que, por exemplo, os ingleses estão todos já a fazer buscas e pesquisas na internet para virem passar férias a Portugal". Isto é o que as pessoas querem saber.
E, a esse propósito, o país precisa de um plano de desconfinamento, à semelhança do que fez o Reino Unido? Precisa desse plano para transmitir confiança à economia?
Aquilo que precisamos de transmitir, tal como a confiança à economia, é seguinte: é a convicção de de que nós temos uma normalização da situação sanitária, que temos a confiança suficiente para quando fizermos uma abertura termos uma capacidade de expansão da nossa resposta do sistema de saúde, para nos permitir ir gerindo tudo aquilo que possa ser a vicissitude e a incerteza desta pandemia. Se fazemos as coisas demasiado depressa e voltamos a ter perturbações, acho que isso é o pior que pode acontecer para a economia. Portanto, obviamente, estamos a trabalhar para perceber qual é o momento e quais são as etapas. Isso tem de ser feito, mas neste momento a coisa mais importante de que a economia precisa é saber: quando é que temos normalização da situação sanitária, quando é que temos a certeza de que quando abrimos não temos de estar a mudar de 15 em 15 dias? É preciso tentar ter alguma estabilidade e, entretanto, porque isto são constrangimentos ao funcionamento de muitas empresas e de muitas atividades, ver o que é que conseguimos fazer para esticar os apoios. Eu tenho muita noção de que as empresas, ao fim de um ano e em muitos setores, já exauriram as reservas. Muitas delas vão ter muita dificuldade em atravessar estes próximos meses. Lamentavelmente, é mesmo assim. E, portanto, o queremos é mitigar ao máximo este impacto e ajudar o máximo de empresas possível, com os recursos que temos à nossa disposição, a preservarem a sua capacidade produtiva. E quando chegarmos a junho termos o grande movimento, espero eu, de normalização, com uma parte significativa da nossa população de risco já imunizada graças ao plano de vacinação, que vai entrar em força. Esperamos que as companhias farmacêuticas nos consigam entregar vacinas em quantidade suficiente, a partir do próximo mês ou do mês seguinte e, com isso, termos uma capacidade de retomar alguma normalidade da nossa atividade económica que é, essencialmente, aquilo que falta à economia. É clientes!