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"É uma oportunidade que estamos a perder", diagnostica Paulo Rangel. "Esta é uma oportunidade única, não é uma oportunidade que se vá repetir com facilidade." O eurodeputado critica o PRR português, realçando que a falta de desígnio é clara, já que o plano não visa uma reconversão da economia portuguesa ou uma emancipação das pessoas. "O PRR português é fraquíssimo. É deitar dinheiro para os problemas. Não está a olhar para a sociedade civil, está a olhar para o Estado. Ele pode iludir os portugueses como a canela da Índia durante algum tempo, mas vai ser apenas canela, não vai ser o que precisávamos, que é uma reforma estrutural da economia portuguesa."
Paulo Rangel acredita que a União Europeia, através da Comissão, tem metas ambiciosas para uma transição ecológica e digital e meios para a aplicar, mas em Portugal existe "falta de vontade de mudar estruturalmente a economia portuguesa, de a voltar definitivamente para uma economia moderna, assente na sociedade civil, em que o Estado seja eficaz mas leve, e não um Estado pesado e gordo".
O eurodeputado social-democrata questiona, assim, a "falácia" da convergência do Estado com a UE. "A Lituânia está à nossa frente, a Hungria e a Polónia preparam-se para nos ultrapassar. A Grécia tem tido um crescimento excecional, tem um plano mil vezes mais preparado e melhor do que o nosso. Estamos a ficar cada vez mais para trás. Portugal está sempre a cair no ranking, não pára de cair."
"Por mais anúncios que o primeiro-ministro faça, a bazuca vai terminar em batucada", argumenta o deputado do Parlamento Europeu, que diz que o plano não vem "aumentar o rendimento das famílias, a mobilidade social", ou "fazer com que as pessoas vivam melhor e não continuem a viver num Estado assistencial que lhes está sempre a dar uma prestação aqui e outra ali". O balanço que Rangel faz do PRR é negativo, até porque as maiores áreas de atuação, na sua perspetiva, foram deixadas para trás. "Temos de investir na sociedade civil, nas empresas, no talento, e não Estado, Estado, Estado", contesta. Com um prazo de execução apertado, Paulo Rangel também teme que não haja tempo. Em Portugal, "não somos conhecidos por sermos grandes cumpridores de prazos", diz.
Na Conferência sobre o Futuro da Europa, no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, o painel de cidadãos representa "de uma forma até sociológica todos os europeus, com algum critério de seleção que tem em conta os estudos, as proveniências, até os rendimentos e as idades. "Têm de ser os cidadãos a decidir o que é prioritário, senão não tínhamos esta conferência aberta aos cidadãos." Mas também é verdade que há temas incontornáveis neste plenário.
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A "democracia europeia" é o ponto de grande enfoque do Parlamento Europeu: "Como reconectar as instituições com os cidadãos, através de alterações, que até podem ser alterações a tratar no futuro." Paulo Rangel acredita que repensar a arquitetura institucional resultará num sentido de maior inclusão dos cidadãos europeus. Como equilibrar os poderes entre o Parlamento e o Conselho (os governos nacionais), de que forma eleger o presidente da Comissão Europeia (se diretamente, se deve resultar das comissões parlamentares ou se deve ser uma escolha dos Executivos dos Estados-membros) são aspetos, "muitas vezes, distantes dos cidadãos", mas que, "aperfeiçoados", conduzirão a uma maior proximidade. "Mecanismos em que os cidadão se vão poder rever" são, então, pedidos pelo eurodeputado, por serem "prioritários".
As alterações climáticas e a transição ecológica são elencadas como "a prioridade das prioridades" por Paulo Rangel, que dá como exemplos o verão e o inverno europeus, com incêndios e inundações. A transição digital e energética não devem também ficar para depois, mas "sem prejudicar o emprego".
"Neste momento a subida dos preços da eletricidade na Península Ibérica - mas também na Alemanha - é de tal ordem que as famílias vão ter uma fatura terrível no inverno. Isto são custos sociais da transição ecológica. Acompanhar a transição digital e ecológica com a questão social, como repensar o emprego e a ideia de pleno emprego, será uma questão chave."
Já o Afeganistão e o controlo e manipulação bielorrussa do fluxo de migrantes, nas fronteiras da Lituânia, da Polónia e da Letónia, vieram expor mais uma vez a pressão das migrações. "Há um impasse muito grave. No caso das alterações climáticas e da transição digital, há muitos espaços para consensos, para os diferentes partidos encontrarem plataformas de entendimento. No caso das migrações, o impasse é total." A questão, "humanitária em primeiro lugar", é também demográfica, expõe o eurodeputado. A "grande urgência" vê-se confrontada com um "grande impasse".
Outro dos temas quentes escolhidos por Paulo Rangel é a situação, desencadeada pela pandemia, das fronteiras internas. "A circulação continua muito condicionada, segmentou mercados, pôs em causa o mercado único. Não é tanto a situação atual que estou criticar, porque estamos a sair dela progressivamente, para uma tendência à normalidade. Nós temos de ter regras para o futuro. No futuro não pode acontecer esta coisa de 'fecha um, fecha outro, cada um com as suas regras, para um é 200 e para outro é cem'."
A "união para a saúde" também parece ser uma "escolha natural dos cidadãos", destaca Paulo Rangel. "Essa podia ser a grande conquista desta pandemia: encontrar um espaço europeu de saúde, nomeadamente com a consciência da importância das doenças infecciosas", assinala.
"Deve haver uma política externa de Defesa da União Europeia? Em que termos? Deve haver um exército europeu? De que maneira? Deve haver mais cooperação militar, mas sem exército? Ou devemos fazer tudo no quadro da NATO?" São perguntas que também serão colocadas, e que, para Paulo Rangel, são anteriores aos últimos acontecimentos em território afegão. A "soberania europeia" de que Macron fala poderia, segundo Rangel, ter uma componente de "posições comuns" nas pastas dos Negócios Estrangeiros. Neste momento, "basta um país exercer o veto para imediatamente qualquer resolução mais forte ou mais eficaz poder ficar pelo caminho". Nenhuma destas questões verá resposta antes das eleições alemãs e francesas, alerta, no entanto. Só no final do primeiro semestre de 2022 poder-se-á fechar o ciclo de debates.
Já a situação afegã, após a tomada do poder pelos taliban, tem sido descurada, na opinião do deputado do Parlamento Europeu, que se diz "escandalizado por ainda não ter havido um Conselho Europeu sobre esta matéria". É um facto "desolador e revelador de que não deve haver nada para acordar", sustenta.
"No caso da Hungria e da Polónia, passaram-se linhas vermelhas. Não pode haver qualquer contemplação." Se já havia uma perseguição factual às pessoas da comunidade LGBTI+, vieram somar-se ataques à liberdade de imprensa e à independência dos media, mas, neste caso, sublinha Paulo Rangel, a responsabilidade é do Conselho Europeu (governos nacionais). "Nunca vi o Governo português... Só à última hora veio juntar-se, quando podia na Presidência portuguesa poderia ter tido um papel. É a senhora Merkel, é o senhor Macron, é o senhor Costa."
Realçando que, ao longo dos anos, os Governos nacionais "nada fizeram", o eurodeputado do PSD garante que a Hungria e a Polónia nunca sentiram um "travão" para interromperem estes atos.