O mundo tremeu com a falência do norte-americano Silicon Valley Bank (SVB), "mas apesar de existir sempre" o risco sistémico parece afastado. Em entrevista à TSF, o economista Paulo Soares de Pinho explica como aconteceu e que impacto pode ter na nossa vida.
Tudo começou quando, para responder às "necessidade de fundos das startups", o SVB teve de vender obrigações. "Ora, com a subida das taxas de juro, o valor das obrigações desceu significativamente" e o banco "foi obrigado a registar contabilisticamente um prejuízo significativo, de acima de um bilião de dólares".
Biliões em minutos
Quando a informação se tornou pública, "num momento em que as pessoas andam nervosas", perante "prejuízos gigantescos", os clientes do banco começaram a levantar o seu dinheiro a uma velocidade que é espelho dos tempos que vivemos.
Com a possibilidade de utilizar os bancos de forma digital, "aparentemente em 11 minutos foram levantados muitos biliões de uma só vez", o que colocou o SVB "numa situação em que não tinha - como nenhum banco tem - capacidade de reembolsar todos os depósitos".
Perante esta "falha brutal" na sua capacidade de honrar os compromissos assumidos com os clientes, o banco quis "levantar capital numa tentativa de última hora".
"Não correu bem", e agora as autoridades norte-americanas estão a intervir para tentar garantir, pelo menos, "que as empresas que têm depósitos no banco vão conseguir pagar os salários", já que não o conseguiam fazer "porque o banco parou".
Além disto, estão também "a tentar restabelecer a confiança no sistema financeiro a todo o custo". Mas como fica a banca, como um todo, perante tudo isto? Paulo Soares de Pinho acredita que não há motivo para preocupação, ainda que os riscos sistémicos existam "sempre".
Os riscos de sempre
"Neste caso, este é um efeito sistémico muito importante: todos os bancos que têm dívida pública em carteira estão a sofrer prejuízos nessa dívida pública", mas devido às "regras por que se rege a contabilidade bancária, uma boa parte desses prejuízos não são registados contabilisticamente". Do "lado de cá do Atlântico", garante, é "igual".
No caso do SVB, porque vendeu títulos com prejuízo, foi obrigado a "registar a perda contabilisticamente". Mas todos os bancos que têm "neste momento, em carteira, títulos que rendem taxas de 0,5% , 1% ou 1,5%" estão a pagar "mais do que isso pelos depósitos, portanto essas obrigações desvalorizaram-se muito".
Acontece, explica o economista, que os bancos "fazem de conta que não se passa nada porque contabilisticamente conseguem esconder essa perda". A estratégia, admite, "tem alguns efeitos negativos sobre a rentabilidade da banca, mas nada que nos leve a assustar". Até porque, por outro lado, do outro lado, "a subida das taxas de juro também está a aumentar a rentabilidade que têm nos seus depósitos".
"Praticamente nenhum" perigo para Portugal
Transportando estes dados para a realidade portuguesa, a leitura é a de que o risco para a banca nacional é "praticamente nenhum", por razões semelhantes às anteriores.
As instituições lusas estão expostas "às obrigações do tesouro português, e não só, à taxa de juro fixa - é verdade -, e estas perdas que estão a ter não são contabilizadas, é um facto". Por outro lado, a banca nacional também "está a beneficiar, no lado dos depósitos, pela subidas das taxas de juro".
Comparando estes efeitos, o segundo "é mais importante do que o primeiro", garante Paulo Soares de Pinho, o que significa que o que aconteceu nos Estados Unidos "não levaria, à partida, a nenhum efeito com determinação do lado de cá do Atlântico".
Desafiado a analisar a fuga de muitos destes depósitos para certificados de aforro, o economista também não antecipa problemas, já que "o que estão a fazer é estar confortavelmente a beneficiar de uma situação em que as taxas do mercado monetário e as taxas do banco central estão a subir e eles não estão a pagar mais aos depositantes".
"Neste momento eles estão felizes e a sorrir porque veem estas margens de lucro a aumentar por esse lado." Já por outro, admite, "se calhar o Estado, a determinada altura, pode também querer por um travão nas taxas dos certificados de aforro".
"Não sei se é muito interessante para o Estado, neste momento, estar tão exposto à dívida de retalho de curto prazo como está", alerta.
A subida das taxas de juro nos Estados Unidos tem levado os clientes a colocarem o seu dinheiro em produtos financeiros que garantem melhor rendimento do que as contas correntes, secando uma fonte crucial para o setor das novas tecnologias.
Essa vaga de levantamentos bancários colocou grandes dificuldades a três bancos na semana passada: o SVB, o Signature Bank, mas também o Silvergate Bank, um banco mais pequeno e conhecido por ter ligações privilegiadas com o meio das criptomoedas.
As autoridades norte-americanas tentam agora encontrar um comprador para o SVB o mais rapidamente possível.