Alexandra Leitão: "Temos toda a abertura negocial, com humildade e responsabilidade"
entrevista TSF JN

Alexandra Leitão: "Temos toda a abertura negocial, com humildade e responsabilidade"

Esconde as cartas do jogo, mas assume total disponibilidade do Governo para negociar medidas adicionais às inscritas no Orçamento do Estado para a Função Pública. Alexandra Leitão assegura que não há trabalhadores a mais na Administração Pública, promete uma revisão de carreiras que alicie mais jovens qualificados e acredita que o teletrabalho permitirá levar gente para o Interior.

Na próxima quarta-feira tem uma reunião de negociação suplementar com os sindicatos da Função Pública. Que trunfos leva para evitar a greve geral marcada para 12 de novembro?

Queria, em primeiro lugar, esclarecer que a reunião foi marcada com os sindicatos antes ainda da marcação da greve e é uma reunião suplementar nos termos legais, em que os sindicatos têm cinco dias úteis para requerer negociação suplementar e nós temos outro tanto, sensivelmente, para a marcar, e assim foi marcada.

De qualquer modo, tem de levar algum trunfo.

É importante evitar contestação social porque isso significa que estamos a ir ao encontro daquilo que são as expectativas dos trabalhadores, no caso, da Administração Pública. Mas o objetivo é a reunião suplementar que nos termos da lei tem de ser cumprida. E, naturalmente, ouvir novamente os sindicatos. Se pediram reunião suplementar, é porque entendem que há mais alguma coisa a tratar. E há. Aliás, está anunciado que a partir de janeiro nos sentaremos para declinar numa série de negociações aquilo que constar do Orçamento.

Admite margem para um aumento superior a 0,9%? Ou então outras moedas de troca, como a revisão do Sistema de Avaliação da Função Pública, por exemplo?

A proposta que fizemos, na semana passada, é a que nos parece responsável, alinhada com o aumento da massa salarial. O Governo sempre falou num aumento da massa salarial na casa dos 3,1%. Os 0,9% de aumento associado à normal progressão das carreiras, que estão descongeladas vai para o quarto ano consecutivo, que estão a seguir a sua normalidade, associado ainda a outras medidas, dá exatamente estes cerca de 780 milhões de aumento de massa salarial. Estas coisas têm que ser vistas no global, ou seja, é preciso que os passos sejam responsáveis para que nunca mais seja preciso pôr em causa a normalidade do desenvolvimento das carreiras que, repito, foram descongeladas em 2018, e assim permanecem pelo quarto ano consecutivo. Neste momento, é aquilo que nos parece responsável e realista.

Preocupa-a mais a contestação nas ruas ou a aproximação às exigências dos partidos de Esquerda no Parlamento?

Eu gosto mais de dizer os partidos à nossa esquerda e não de esquerda, porque considero que o Partido Socialista é um partido de esquerda. Naturalmente que nos preocupa, que temos toda a abertura para que se façam as aproximações possíveis, como já foi referido pelo senhor primeiro-ministro e por vários outros membros do Governo, com toda a abertura negocial, com humildade, com responsabilidade para que seja levado a bom porto e para que seja aprovado o Orçamento do Estado. Ninguém quer uma situação de crise neste momento. Seria desvantajosa para o país quando precisamos de executar fundos comunitários quase sem precedentes, e, portanto, esse caminho é para se fazer no Parlamento.

Em relação aos salários intermédios, a atualização que está prevista na base das carreiras dos técnicos superiores não é insuficiente para evitar as distorções causadas por sucessivos aumentos apenas nos salários mais baixos?

Verdade. As medidas que agora foram anunciadas, e que serão negociadas com os sindicatos com detalhe a partir de janeiro, visam exatamente mitigar essa compressão que se sente ao nível dos assistentes operacionais e dos assistentes técnicos. Quanto aos técnicos superiores, a questão é diferente. Está em causa não um problema de compressão da tabela, é essencialmente um problema estratégico de opção do Governo. O Governo entende que temos de ter uma Administração Pública mais qualificada, em linha com esta geração qualificada que temos, e para isso temos de valorizar as carreiras mais qualificadas da Administração Pública, e ao fazer isso a partir da base e também com este acréscimo em quem tem o grau de doutor, além da facilitação e maior agilização de procedimentos para entrar na Administração Pública, o que estamos exatamente a pretender é captar os jovens. É dizer-lhes: "vocês acabam um curso com boa nota, não precisam de esperar dois anos para entrar num concurso da Administração Pública, e quando entrarem até têm aqui uma valorização e uma perspetiva de carreira"

Temos na Saúde um cenário particularmente preocupante, com greves setoriais convocadas. Tem havido diálogo entre o seu ministério e a Saúde para dar prioridade negocial a medidas adicionais neste setor?

Bom, o próprio Orçamento tem medidas para o Serviço Nacional de Saúde bem claras. Há um investimento no Serviço Nacional de Saúde, há um investimento muito significativo já neste orçamento, e a ideia é continuar.

Mas falando concretamente em recursos humanos, em contratações, há algum plano para reforçar os recursos nos hospitais em pré-colapso por falta de médicos?

Eu queria dar aqui um número que é o seguinte: nos últimos dados estatísticos que trimestralmente a Administração do Emprego Público publica, quando comparamos o crescimento do número de trabalhadores da Administração Pública, que é sempre muito falado, estaremos perto dos 730 mil, cerca de 70% do aumento é exatamente na área da Saúde e da Educação, com grande enfoque na Saúde. Portanto, essa contratação será o futuro, mas já é o passado, no sentido em que já está a ser feito.

Há um calendário para a questão da dedicação exclusiva?

É uma matéria difícil e que está já no Orçamento, foi já publicamente dito que é uma matéria que pode, e vai ser negociada. Portanto, esse caminho vai seguramente fazer-se.

Mas há um calendário específico?

O senhor primeiro-ministro anunciou ontem, como foi público, que no próximo Conselho de Ministros iremos aprovar um diploma do estatuto do Serviço Nacional de Saúde, portanto dentro em breve haverá seguramente novidades.

A Saúde sentiu a pressão da pandemia, com profissionais a adiarem férias, a acumularem trabalho extraordinário, mas outros setores acumularam atrasos, na emissão de documentos, por exemplo. A máquina do Estado não sai completamente bem deste retrato?

Permita-me discordar. Há serviços diferentes que têm de intervir e que têm a sua pressão em momentos diferentes. Os serviços de atendimento ao público, por razões que tiveram a ver com as regras do confinamento, estiveram fechados, designadamente as lojas de cidadão, até porque são espaços grandes onde há acumulação de pessoas, tiveram de estar encerrados. Isso criou duas coisas. Por um lado, levou a que se aproveitasse melhor e se desenvolvesse a dimensão digital, e os números de cartão de cidadão emitidos por SMS, quando a pessoa tem mais de 25 anos e não tem de tirar nova recolha de dados biométricos e recebe em casa os cartões de cidadão. Centenas de milhares de pessoas receberam durante o período da pandemia o cartão de cidadão em casa.

Acha que correu tudo bem?

Não estou a dizer isso. Houve um grande impacto, há coisas que têm de ser feitas presencialmente. Há vários exemplos, crianças abaixo dos 25 anos que têm de estar em pessoa porque precisam da recolha de dados biométricos, enfim, várias situações. O importante agora é resolver o problema das acumulações. Eu dou aqui um número muito simples: a loja de cidadão das Laranjeiras, só essa, atendia mil e tal pessoas por dia, em Lisboa. Imagine-se o que é tê-la fechada o tempo todo. Mas agora vamos falar de futuro. É preciso resolver as acumulações, estamos a resolvê-las. Estamos a fazer oito sábados, até meados de novembro, em que as lojas de cidadão mais pressionadas, que são Porto, Braga, Coimbra e várias em Lisboa, estão abertas até às 22 horas. E fizemos 5500 atendimentos no primeiro sábado, fizemos praticamente 6900 no último sábado e às sete ou oito da noite não havia praticamente gente na loja das Laranjeiras, porque as pessoas estavam todas atendidas.

Como se agiliza uma máquina tão pesada, porque essa é a questão de fundo para além deste período excecional?

É uma máquina pesada, o maior empregador do país, é uma máquina em que às vezes sentimos, estando ao comando, que nem sempre a ordem que se dá no topo chega à frente, como nós queríamos. Agora eu acho que se agiliza essencialmente através de duas formas ou três. Uma é com qualificação dos recursos humanos, não é só uma palavra bonita de se dizer. Nós temos que qualificar cada vez mais os recursos humanos da administração, para se sentirem motivados, e para usarem as ferramentas que a sua formação lhes dá, para servirem melhor os cidadãos, que no fundo é esse o seu objetivo. Por outro lado, pondo no PRR cerca de 80 milhões de euros para qualificação dos trabalhadores em áreas como digital. Em terceiro lugar, dando ferramentas, designadamente digitais, para que a interação com o cidadão seja mais fácil e mais confortável.

Muitos governos ao longo dos anos têm colocado um rácio dos que saem por um rácio dos que entram. Qual é a sua perspetiva nesta altura?

A minha perspetiva é o do 1 para 1, embora não seja 1 por 1 automático. Ou seja, quando sai um assistente operacional não tem que entrar um assistente operacional. Desejavelmente até não será assim, tendo em conta que o digital torna algum trabalho redundante. Não tem exatamente que entrar o perfil que saiu. Mas 1 para 1. Eu já tenho dito muitas vezes que não há trabalhadores da Administração Pública a mais. Acho que é importante que paulatinamente vamos mudando o seu perfil, para ter cada vez mais jovens qualificados. Isso não tenho dúvida.

Como está a decorrer o regresso à normalidade e o fim do teletrabalho obrigatório. Tem ainda muitos trabalhadores na Função Pública neste regime?

Sim, nós tivemos no primeiro confinamento, foi o máximo, cerca de 68/70 mil trabalhadores em teletrabalho. No segundo confinamento o número nunca chegou a ser muito elevado, creio que andou à volta dos 40 e muitos mil. Em junho deste ano descemos para cerca de 25 mil, já numa fase em que o teletrabalho era apenas recomendado. E hoje estamos na normalidade do teletrabalho, por acordo entre as partes, e neste momento ainda estamos a recensear. É seguramente muito mais baixo do que os tais 25 mil. É muito importante que as pessoas voltem para o trabalho presencial, foi por isso que o Governo decidiu que o teletrabalho deixava sequer de ser recomendado, atendendo a que as condições da pandemia permitiam. Agora, também é verdade que há coisas que o teletrabalho nos permite fazer, como por exemplo pôr pessoas a trabalhar no interior, mesmo que os serviços não estejam no interior.

Mas apesar de isso ser dito, não está a ser feito.

Está a ser feito, nós hoje temos cerca de centena e meia de trabalhadores que já manifestaram vontade, ao abrigo do programa de mobilidade para o interior, e neste momento já temos alguns colocados.

Consegue dizer esse número dos que estão colocados?

Os processos não estão terminados. Temos cerca de 150 candidatos com 600 e tal preferências. O que é que isto quer dizer? Manifestam vontade de mobilidade para sítios diferentes, e estamos a tentar incentivar os serviços a fazer os acordos de teletrabalho com essas pessoas, para que efetivamente possam ir trabalhar para os cinquenta e tal espaços de coworking criados.

Quais as razões para os atrasos mas medidas de desconcentração e descentralização em 2021?

Na realidade a decisão de passar três áreas para 2022 foi tomada ainda em 2020. É compreensível que as áreas mais pesadas, do ponto de vista do envolvimento quer financeiro, quer de recursos humanos, que são a saúde, a educação e a ação social, tivessem um adiamento na obrigatoriedade da assunção de competências.

Qual é o calendário para se concluir a lei orgânica das CCDR e se perceber que modelo tem o Governo para estes organismos?

Por um lado, algo que já se fez, que tem a ver com a eleição.

Bastante menos ambicioso do que o que estava previsto inicialmente?

Bom, é isto que está previsto no programa de Governo e associado a isso, a inserção na estrutura orgânica das CCDR de serviços desconcentrados da administração central em áreas como educação, cultura, saúde, e outras.

É precisamente aquilo em que estamos mais atrasados.

Já temos internamente um modelo pensado, naturalmente. É óbvio que há aspetos que a pandemia teve que atrasar, porque houve muitas outras coisas que se impunham como super prioritárias, mas o modelo está pensado. É uma reforma muito ambiciosa.

Pode dar algum sentido daquilo que vai ser feito? Vamos ter CCDR com poderes de intervenção reforçados?

O movimento de integrar serviços desconcentrados nas CCDR é uma opção que está tomada no programa do Governo. Portanto, quando eu digo que é ambicioso é porque falamos de uma máquina pesada, e que está habituada a fazer as coisas de uma determinada maneira, para fazemos uma alteração tão funda como uma nova inserção orgânica nas CCDR.

O fundo de financiamento da descentralização, que prevê a transferência de 832 milhões de euros para os municípios já entre abril e dezembro, entra neste modelo?

O fundo de financiamento da descentralização visa financiar as competências que são transferidas do Estado para as autarquias locais. Corresponde sensivelmente, por ano, a 1000 milhões. Estes 832 milhões têm a ver com o facto de a obrigatoriedade ser só a partir de 1 de abril e portanto ser 9/12 avos, vamos dizer assim. É a consagração em sede própria, como a lei quadro da descentralização desde 2019 prevê, do financiamento que as autarquias têm de ter quando passam a exercer competências que incluem vários tipos de tarefas que antes pertenciam à Administração Central. É um marco muito importante termos no Orçamento do Estado consagrado o fundo de financiamento, que passa a ser uma receita própria dos municípios pelo exercício destas competências, associado também à circunstância do cumprimento integral da lei das finanças locais. Eu diria que este é um excelente orçamento para as autarquias locais.

É, no fundo, o envelope financeiro que os municípios reclamavam quando diziam que recebiam competências mas não recebiam o envelope? É o reconhecimento pelo Governo de que faltava essa verba?

Não. Estes valores já estavam a ser transferidos mas não tinham enquadramento em termos de mapa orçamental, que entrasse no orçamento das autarquias da mesma maneira que o fundo de estabilização ou o fundo social municipal entram. Estas verbas já estavam a ser transferidas diretamente pelos ministérios setoriais para as autarquias que assumiram as competências nas diversas áreas, agora o que temos é esse enquadramento enquanto receita própria dos municípios, em cumprimento da lei-quadro da descentralização.

Vamos continuar a ter os municípios, como tivemos antes da pandemia, a dizer que continuam a ser tarefeiros e representantes e a descentralização não é de competências, é de tarefas?

Não sei se eles continuarão a dizer isso. Eu sou a primeira a achar que pode haver novas vagas de descentralização e que a descentralização se pode aprofundar mais. Sou profundamente descentralizadora, na teoria e na prática. Por exemplo, está prevista também no programa do Governo a definição de novas áreas a descentralizar, estamos à espera da conclusão do processo anterior para nos sentarmos normalmente com a Associação de Municípios Portugueses para discutir novas áreas. Matérias como o atendimento ao público podem ser objeto de novas vagas de descentralização.

Uma descentralização bem feita dispensa a regionalização, ou são ambas necessárias?

São coisas diferentes. A posição do Partido Socialista, que é o partido que apoia o Governo, é conhecida em matéria de regionalização. O que já foi feito no que toca às CCDR e que ainda será feito vai permitir testar um determinado modelo. É algo que não é tabu de se falar, não é sequer tabu de se fazer, tem regras até constitucionais para ser feita. O caminho está a ser feito num determinado sentido e é preciso que seja feito com passos seguros, e é por isso que estas alterações às CCDR - as que já foram feitas e as que constam no programa do Governo para se fazer - são importantes nessa matéria.

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