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Ainda a sentença do Tribunal de Cascais estava "quente" e já Pedro Frazão, deputado eleito e vice-presidente do Chega, prometia o recurso para a Relação e foi isso mesmo que fez. Discordando da condenação que o obrigava a desmentir publicamente um tweet, a defesa de Frazão desqualifica testemunhas e escuda-se no português para pedir a absolvição, algo que a defesa de Louçã considera como um "contorcionismo lamentável".
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Para se perceber os contornos, é preciso contextualizar que tudo começou com uma publicação de Pedro Frazão no Twitter (à qual já não é possível aceder porque a conta foi suspensa por violar normas da rede social, mas que é reproduzida em imagem neste texto).

Louçã foi para tribunal e viu a justiça dar-lhe razão, tendo sido dada como provada "a ilicitude do conteúdo da publicação" e que tais afirmações "são ofensivas do direito à honra" do fundador do Bloco de Esquerda.
Nas alegações de recurso a que a TSF teve acesso, o advogado Luís Pinheiro Liberal aponta à sentença onde a juíza utilizou um tempo verbal diferente do da publicação - "recebia" versus "recebe". "Sendo que na publicação é utilizado um tempo verbal passado, o Tribunal não poderia condenar [Pedro Frazão] a publicar uma declaração de retificação em que se declare que 'a afirmação de que [Francisco Louçã] recebe uma avença obscura do BES é falsa'", lê-se nas alegações.
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Ainda nas questões de português, Pinheiro Liberal aponta à "interpretação das afirmações postadas pelo recorrente" que, no seu entender, "não permite igualmente a afirmação (...) de que a avença (...) é uma avença obscura".
Além disso, a defesa do deputado eleito do Chega ataca as testemunhas ouvidas em tribunal - o economista e ex-governante António Bagão Félix e o jornalista Pedro Santos Guerreiro. "As testemunhas são chamadas aos Tribunais para referir factos de que tenham conhecimento direto e não para darem conta aos Tribunais das suas opiniões, dos seus valores, dos seus trabalhos anteriores ou presentes ou dos seus pontos de vista e estados de alma", escreve o advogado de Frazão.
Nesse sentido, é até anexado um recorte de um artigo do jornal Público, datado de fevereiro de 2005, onde se lê no título: "Bagão Félix acusa Francisco Louçã de 'mentir conscientemente'". O intuito do advogado é aqui demonstrar que as posições "podem ir variando consoante a evolução pessoal ou as funções que as próprias testemunhas vão desempenhando a cada momento".
Entre as alegações, citando um acórdão do Supremo, a defesa do deputado eleito escreve que "as palavras têm de ser medidas e pesadas no contexto em que foram proferidas e não fora dele", rematando que a publicação de Frazão foi "feita com a inflamação própria de uma contenda pré-eleitoral, não visava pessoalmente o declaratário".
"Contorcionismo lamentável"
Nas contra-alegações a que a TSF também teve acesso, a defesa de Francisco Louçã não poupa nas palavras: "as afirmações vertidas no recurso ora sob resposta são um exercício de contorcionismo lamentável e de negação das evidências, que apenas cumpre a função de mostrar publicamente o seu inconformismo com a sua justa condenação, sendo plenamente incapaz de ter a honrosa conduta de reconhecimento do seu erro e da sua falta, acompanhada da devida reposição da verdade".
Em 95 pontos, a advogada Leonor Caldeira dá resposta a todas as alegações de Frazão concluindo que deve o tribunal considerar o recurso "totalmente improcedente, por ser manifestamente infundado" e que, em consequência, deve "ser mantida" a sentença.
À cabeça, é sinalizada a impossibilidade de apresentação do artigo de jornal nesta fase, mas também a pertinência de tal artigo. "As declarações de António Bagão Félix em 2005, a propósito de um tema da atualidade de então, em nada estão relacionadas com as ofensas dirigidas pelo Recorrente ao Recorrido, que são o objeto da presente ação", lê-se nas contra-alegações, sendo complementado com o facto de demonstrarem que o antigo governante "é um adversário político de toda a vida, com polémicas passadas fortes, mas que quis mostrar que considera indigna a invenção/mentira do Autor sobre a avença".
Já no argumento recebia/recebe, a advogada de Louçã trata-o como um "manifesto erro material, por lapso de escrita", que "não consubstancia qualquer nulidade".
Adiante, Leonor Caldeira acusa, com "perplexidade", a defesa de Frazão de "querer ludibriar" o tribunal com a questão da "avença obscura".
"Existem, de facto, dois tempos naquele tweet, a saber: em primeiro lugar, a alegada avença de Francisco Louçã com o BES; em segundo lugar, diz-se que o BES era doador para campanhas do partido político Bloco de Esquerda. Ao escrever a expressão "para além de pagador de avenças obscuras", o Recorrente está a separar a supostas avenças das doações às campanhas do BE e não, como refere o recorrente (...), a qualificar como obscuras as doações do BES às campanhas do BE", pode ler-se.
"Assim, é evidente que, concentrando-se estas frases no mesmo tweet, só se pode interpretar que a expressão 'para além de pagador de avenças obscuras', seja também referente à suposta avença constante da primeira parte do tweet - a (inexistente) avença do BES a Francisco Louçã", escreve a advogada considerando ainda que a defesa de Frazão "tem em pouca consideração as capacidades de leitura e interpretação do tribunal".
Também no documento de 20 páginas, a defesa de Louçã lembra que Frazão "alega que as suas afirmações não visavam 'atingir pessoalmente [Francisco Louçã], mas tinha objetivo político-eleitoral'", concluindo que "é no mínimo absurdo afirmar que quem escreve 'já o Francisco Louçã recebia uma avença do Banco Espírito Santo' não visava atingir pessoalmente Francisco Louçã".
O recurso está agora nas mãos do Tribunal da Relação de Lisboa, sendo que a expectativa é a de que haja uma decisão nos meses de junho ou julho.