Da morte da geringonça à direita em guerra: o ano em que (quase) tudo aconteceu

Se há ano em que tudo aconteceu na política nacional foi 2021. A gestão da pandemia, duas eleições, polémicas que levam à queda de um governante, partidos em guerra, um chumbo de orçamento, a queda de um governo e ainda um funeral de Estado: eis a retrospetiva do ano político.

2021 manteve a pandemia e a política de braço dado. Logo em janeiro, naquele que é hoje chamado de "terrível janeiro", o primeiro-ministro António Costa puxou o travão de mão e o país entrou no segundo confinamento.

Enquanto do Conselho de Ministros se ouvia que "a regra é ficar em casa", na rua andava uma campanha presidencial inédita ainda que com um resultado já esperado: Marcelo Rebelo de Sousa, com mais de 60% dos votos, continuou inquilino do Palácio de Belém garantindo que "a confiança agora renovada é tudo menos um cheque em branco".

E não foi. Marcelo esteve na linha da frente do discurso político sobre a pandemia até pelas sucessivas renovações do Estado de Emergência. Cada vez com menos apoio da parte dos partidos, ao fim de 173 dias, foi colocado um ponto final na situação de excecionalidade a 30 de abril.

Nos temas quentes do primeiro semestre (e que serviram de arma de arremesso político) entraram a situação de Odemira e a requisição civil de um empreendimento turístico para servir de local de isolamento de migrantes que viviam em espaços hiperlotados. Na altura, palavras que não se ouvem todos os dias a sair da boca de governantes, muito menos de primeiros-ministros sobre situações que acontecem no seu próprio país, mas aconteceu: "violação gritante dos direitos humanos".

Também na primeira metade do ano, mais um capítulo do dossier eutanásia. Depois da aprovação no parlamento, Marcelo pediu a fiscalização do Tribunal Constitucional que declarou o diploma inconstitucional.

Já com o verão à porta, uma polémica que enfraquece Fernando Medina rumo às autárquicas: a divulgação de dados manifestantes russos a Moscovo que ficou conhecida como "Russiagate". Também nessa altura, um pedido de desculpas público da boca de um responsável político que é algo que não acontece com regularidade.

"Quero assumir esse pedido de desculpas público por um erro a todos os títulos lamentável, um erro que não podia ter acontecido", disse à época o então presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Medina que disse adeus à cadeira de autarca na grande surpresa da eleição que trouxe "novos tempos" à capital com o social-democrata Carlos Moedas.

"Ganhámos contra tudo e contra todos", disse Moedas na noite da vitória lisboeta. Olhando para o país, o PSD perdeu as eleições, mas ganhou fôlego com triunfos importantes. Ainda assim, Rui Rio viu a vida dificultada ao abrir-se uma nova guerra interna no PSD com Paulo Rangel do outro lado da barricada.

Ainda assim, Rangel não conseguiu unir o partido e, apesar de somar muitos apoios no aparelho, foi Rui Rio quem voltou a cantar vitória no final. Ou a ficar picado: "Eu efetivamente estou picado para ganhar as legislativas porque é possível", exclamou um entusiasmado Rui Rio ao som de "I'm still standing" de Elton John.

Ao mesmo tempo uma outra guerra à direita. No CDS, Francisco Rodrigues dos Santos conseguiu driblar o adversário Nuno Melo que queria disputar a liderança num congresso que não aconteceu. "Tem medo do voto dos militantes e recorre ao que seja para se manter no poder", acusava o eurodeputado com críticas de ilegalidades jurídicas e estatutárias nas decisões dos órgãos do Largo do Caldas.

À época, o líder centrista lembrava Frei Tomás, com o "faz o que eu digo, não faças o que ele faz", para mostrar que no partido todas as decisões que foram tomadas já tinham acontecido no passado numa guerra que ainda agora não está sanada. Pelo caminho ficam um congresso adiado, conselhos nacionais bastante tensos, saídas de quadros, guerras de estatutos.

E tudo porque uma crise política chegou ao país com o chumbo do Orçamento do Estado ou a certidão de óbito da geringonça como se ouviu no plenário que ditou a reprovação da proposta do governo.

A ameaça estava latente há dias, em Belém já tinha sido dado o aviso de que sem Orçamento a solução era dissolver a Assembleia da República e, no fim, foi mesmo isso que aconteceu.

"Paz à sua alma", dizia o líder da Iniciativa Liberal no parlamento, "a geringonça matou a geringonça", apontava o centrista Telmo Correia. Também Rui Rio não resistiu e em pleno debate orçamental sublinhou que "hoje a geringonça não tem pernas para andar".

Da esquerda que tinha viabilizado orçamento atrás de orçamento desde 2015, o comunista João Oliveira afirmava que tinha sido feito "um esforço sério até ao limite das possibilidades"; já a coordenadora do Bloco declarou que "a geringonça foi morta pela obsessão de uma maioria absoluta".

Na resposta, António Costa recorreu a Jorge Palma: "Enquanto houver ventos e mar, a gente não vai parar."

O ano político fica também marcado pelo desaparecimento de Jorge Sampaio, o antigo Chefe de Estado socialista, sucessivamente considerado como "homem bom" ou até um herói. Foi isso mesmo que disse Marcelo Rebelo de Sousa na derradeira homenagem de despedida.

2021 é também o ano em que a um estatuto superior foi elevado o vice-almirante Gouveia e Melo, responsável pela vacinação e que brilhou cá dentro e lá fora. Pelo meio, foi apanhado numa polémica entre Belém e o Governo de um "sai-não sai" do atual Chefe do Estado-Maior da Armada para, alegadamente, poder ser ele a ocupar o lugar na chefia do ramo militar. Mas e a chefia política do país? O vice-almirante levou um ano a negar ambições presidenciais, mas acabou por chegar ao fim com um discurso diferente.

"Não se deve dizer nunca que dessa água não beberei", disse Gouveia e Melo, abrindo caminho para Belém na mesma altura em que outro se fechava no Terreiro do Paço para um dos ministros que mais polémicas somou: Eduardo Cabrita. O ministro deixou o governo, já no fim do ano, depois de o motorista ter sido acusado de homicídio por negligência em serviço.

2021 abre então caminho a 2022, um ano que também promete em termos políticos com uma nova legislatura já ao virar da esquina.

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