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Escreveu esta semana no DN que é preciso "acordar do sonambulismo". É esse o retrato que também tira do estado da oposição? E em especial do maior partido da oposição, que é o seu, o PSD?
Fomos vendo durante vários anos uma insatisfação crescente das pessoas em relação à política, às instituições... Todos os dados vão densificando esta ideia e, apesar de tudo, nada mudou. Dá a ideia de que as crises vão surgindo, a insatisfação das pessoas vai-se tornando mais visível, o populismo grassa, a abstenção vai-se tornando um fenómeno quase crónico e, apesar de tudo, não se vislumbra uma capacidade reformista seja do Governo ou de quem está na oposição. Estamos num registo de querela político-partidária numa altura em que o país precisa de crescer. Confesso a minha impaciência, o meu inconformismo. Estamos a ficar para trás. Há países que aderiram à União Europeia em 2004 e estão a ultrapassar-nos. Faltam ideias...
Dos dois lados?
Não vemos de quem está no Governo uma visão reformista, mas também não vejo de quem está na Oposição um projeto portador de esperança, de reformas, de alternativa que diga às pessoas que se este Governo não funcionar existe um plano B. Estamos numa fase de passa-culpas, de quase pausa, como se estivessem à espera de alguma coisa. Este quase deserto de ideias é confrangedor. Mesmo o debate do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) foi preguiçoso...
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Depois do resultado nas europeias, disse que a marca PSD sofreu um dano reputacional. Acredita que, na atual conjuntura, há condições para uma recuperação a tempo de melhorar o resultado em 2023, mesmo com Rui Rio?
Teremos eleições internas daqui a seis meses. Tivemos uma derrota nas eleições europeias, uma derrota nas legislativas e haverá eleições autárquicas. A avaliação sobre a liderança será feita no próximo congresso, nas eleições diretas, no caso do dr. Rui Rio considerar candidatar-se. Se não o fizer, haverá obviamente outro tipo de debate. Não vou fazer nenhuma avaliação antes do resultado das eleições autárquicas, mas não é nos resultados eleitorais que radica o problema da falta de alternativa. A discussão que estou a fazer neste momento é sobre a alternativa e isso é uma reflexão que tem estado muito ausente no plano interno, mas também externo.
Quando fala dessa falta de alternativa - e temos ouvido o presidente da República, por exemplo, pedir que haja uma alternativa que leve à alternância -, porque considera que ela não existe? O PSD terá sido tolhido por António Costa ao ter ocupado o espaço do chamado grande centro, onde o PSD se costuma inscrever?
As pessoas vão expressando descontentamento com a política e com os partidos. Um estudo de uma organização internacional sobre os riscos pós-pandemia dizia que 90% dos jovens portugueses estão descontentes com a atuação do Governo. Apesar disso, vemos o PS numa situação bastante estável nas sondagens. É evidente que o grau de insatisfação das pessoas com o Governo não deu origem a um aumento da adesão das pessoas em relação ao maior partido da Oposição. Pelo contrário, fomos vendo um crescimento do partido populista de extrema-direita. Neste contexto, é imprescindível avançar com um conjunto de propostas que possam dar aos cidadãos a garantia de que existe um propósito. Não se pode limitar a esperar, mas que tenha a audácia de avançar de imediato com uma visão alternativa. Não acho que seja por acaso que a degradação do nível de apoio do PSD corresponda a um aumento de votação no Chega. A falta de clareza na relação do PSD com esse partido também tem dado origem a um problema de erosão eleitoral.

© Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
Para as reformas são necessários dois, como para dançar o tango, e, neste aspeto, tem sido difícil...
Sim, mas a principal responsabilidade da conciliação compete ao Governo. É a ele que compete criar as condições para integrar pontos de vista que não são os seus. Não acredito em consensos moles, mas as políticas públicas têm de resistir ao tempo.
Se estivesse à frente do PSD, teria espaço para negociar as chamadas reformas estruturais que tanto tem defendido? Em que áreas?
A viabilidade das reformas depende desde logo da qualidade das propostas. Por exemplo, temos no plano social um quase confisco às gerações futuras que se traduz no facto de termos um saldo negativo no sistema previdencial a partir do final desta década. Saiu um resultado da Comissão Europeia que diz que quem se reformar a partir de 2040 terá pouco mais de 50% do último salário. Portanto, julgo que não falta matéria para que Governo e Oposição possam formular as suas propostas. A minha insatisfação resulta muito do facto de termos passado por esta fase de desenho de PRR de uma forma quase tecnocrática, procedimental, administrativa e não com um debate verdadeiro. Pergunto: quais foram as reformas que entretanto surgiram para casar com o envelope de 16 mil milhões de euros da "bazuca"?

© Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
Quando Rui Rio subiu à liderança do PSD, apontava-se alguma relação que ele tinha com António Costa para se avançar em algumas reformas. O que falhou?
Há um debate sobre o qual nunca gostei de entrar que é dizer onde é que se vai posicionar o PSD. Se é no centro-direita, se é no centro-esquerda, se é à direita, se é à esquerda. O que interessa é saber o que um determinado partido pensa sobre o país, que propostas tem para criar convergências.
E tem faltado essa identidade?
Não é por acaso que, ao fim destes anos todos, surge em Portugal um partido de extrema-direita, xenófobo e racista. É porque o mercado de ideias não tem sido suficiente para responder a novos problemas que as pessoas têm. E não existe vazio. As pessoas não estão nos partidos, como estão nos clubes. Ainda tínhamos muito a ideia de que as pessoas são do PSD ou do PS, ou do PCP, para a vida. Não são. Se os partidos não mudam, as pessoas mudam de partido.
Continua a defender um congresso extraordinário no PSD como defendeu há nove meses, quando houve um entendimento com o Chega nos Açores?
Já não existem condições práticas para pensar em congressos extraordinários. O PSD terá as suas eleições normais em janeiro, a seguir a isso terá um congresso, passado um ou dois meses, para a eleição dos seus órgãos e para aprovação das suas orientações estratégicas. Nada me move em relação ao dr. Rui Rio, pelo contrário, já o conheço há muitos anos. Tenho estima pessoal e sei que essa estima é recíproca. E sempre que tenho falado, é porque considero que as questões são suficientemente graves e urgentes para que eu não me possa limitar, como outros têm feito, a ficar na sua zona de conforto. Fui a jogo num tema que muito pouca gente foi, que é a nossa relação com esse partido de extrema-direita [Chega]. O PSD é um partido personalista, tolerante, que pugna pela não-discriminação, pela igualdade de oportunidades. E independentemente dos contextos táticos ou eleitorais, do meu ponto de vista, não se dialoga, não se negoceia com um partido xenófobo, radical, populista e racista. Considerei que o diálogo que então ocorreu com o Chega podia criar uma dúvida legítima relativamente quanto ao efeito de contágio que isso teria para o contexto nacional. Eu vi com muito bons olhos que o dr. Rui Rio tenha excluído qualquer tipo de coligação com o Chega nas eleições autárquicas. Nunca, jamais em tempo algum o PSD deve coligar-se, entender-se, dialogar, negociar com um partido que é racista, xenófobo, extremista e radical. Essa é a minha linha vermelha.
Mesmo que dependa disso na formação de uma maioria à direita?
Eu não aceito qualquer tipo de relativismo ético e moral. Qual era a vantagem? A vantagem é que o eleitorado moderado votava no PSD em vez de ir para o PS. Isto é, ao não sermos claros nessa linha vermelha, estamos a permitir ao eleitorado moderado ou que não regresse ao PSD tendo votado no PS nas últimas eleições, ou até que vá para o PS. E estaríamos a dizer ao eleitorado de direita que vota no PSD que estão a perder votos se votarem no Chega. Esta clareza seria fundamental para que o eleitorado moderado considerasse que o PSD era um valor suficientemente seguro para não fazer o que o PS fez depois das eleições de 2015, que foi não dizer ao que ia e acabar coligado, na prática, com o PCP e com o Bloco de Esquerda. As próximas eleições no PSD terão de responder a três perguntas essenciais: qual é a proposta do PSD para o futuro; em segundo, é necessário dizer o que é que as pessoas podem esperar do PSD relativamente ao diálogo com outras forças políticas. E em terceiro lugar é necessário reorganizar o partido, modernizá-lo, abri-lo, torná-lo cada vez mais um partido de eleitores, e não só de militantes.
O que é que os militantes do PSD e os portugueses podem esperar de si em termos de afirmação política, também dentro do PSD? Está disponível para estar na linha da frente?
Nunca meti férias da política. Estou numa organização internacional à qual concorri por concurso, exerço essas funções há cinco anos, mas não meti férias da política. Continuei a fazer intervenção cívica não partidária no âmbito da Plataforma para o Crescimento Sustentável. Coisa diferente é saber o que tenciono fazer no plano partidário. Essa é uma matéria sobre a qual terei de fazer a minha própria reflexão. Seria estranho que não o fizesse em função do percurso que fui realizando, das ideias que fui formulando e do diagnóstico, muito preocupante, que, ainda nesta entrevista, formulei. Mas essa é uma matéria que só no devido tempo poderei clarificar. Não quis confundir essa discussão com a mais importante que é sobre as ideias. Eu vivo bem sem a política.
Mas parece-lhe mais premente, nesta altura, essa reflexão, e esse passo em frente?
É mais premente e é mais urgente encontrar uma solução que permita que o PSD mude de vida para que o país mude de vida. Se isso passa ou não por mim, ou por outras pessoas, a seu tempo se dirá. O que não quero é distrair as pessoas do essencial. Temos eleições autárquicas agora e temos de começar de novo e não recomeçar. Temos uma recuperação económica e social para liderar. Esta é uma altura para discutir ideias. A seu tempo se falará do que eu e outros poderemos vir a fazer num futuro congresso ou eleições diretas do PSD.