"Eu não sou o número dois de ninguém"

Em entrevista à TSF-DN, Moedas antecipa que Medina não cumprirá o mandato porque quer suceder a Costa em 2023 e revela que não dispensa "os conselhos" do amigo Passos Coelho. O candidato desafia Medina a avançar já com as creches grátis e promete mudar a gestão da Gebalis.

Sentiu-se pressionado pelo facto de o secretário-geral do PSD ter dito que ganhar Lisboa garantirá ao partido uma vitória das autárquicas, ter dito que seria "um marco que suplantaria" todos os outros objetivos do PSD?

Não. Isto para mim é um desafio que vai para além dos partidos, um desafio que tem uma parte pessoal forte, que é esta minha missão em relação a Lisboa, aquilo que quero mudar na cidade. Portanto, a única pressão que sinto é a de ganhar as eleições e estou convencido de que as vou ganhar. É a única pressão que tenho pela frente, é uma pressão que ponho a mim próprio para provar que é possível fazer diferente, que é possível mudar toda uma cultura política e fazer diferente. E isso é aquilo que me move.

José Silvano também disse que se o resultado que obtiver for baixo o senhor é o primeiro a perder tudo. Perdendo, por exemplo, a possibilidade de se colocar na sucessão de Rui Rio. O que é que Silvano não terá percebido na garantia que já deu de que está nesta corrida para ser presidente da câmara e nada mais?

Isso tem de lhe perguntar a ele. Eu estou aqui com um projeto de vida, quero realmente ser presidente da câmara porque acho que é aquilo que alguém como eu, que quer servir as pessoas - e gosto mais de servir até do que da própria política - pode fazer como presidente da Câmara de Lisboa. Quando olhamos para o meu oponente, não vemos isso, mas isso é outra pergunta: qual é de nós aquele que quer ser verdadeiramente presidente da câmara? E eu quero ser esse presidente da câmara que Lisboa não tem, de certa forma, há muito tempo. Lisboa serviu de trampolim para outras ambições políticas, não é isso que eu quero. Eu quero realmente liderar Lisboa, gerir Lisboa, mudar os hábitos de trabalho, criar transparência naquilo que é a gestão de uma câmara. As pessoas estão cansadas desta gestão socialista e, sobretudo, de uma gestão que é feita por amiguismos, favores e tantas outras coisas que nós sabemos que a política traz de mal e é essa política que eu quero mudar.

Na semana passada, Rui Rio afirmou que se o PSD obtiver um resultado inferior ao de 2017 isso significará um "encontrão" para sair da liderança. A sobrevivência de Rui Rio depende destas eleições?

Isso é uma pergunta a que só Rui Rio pode responder. Aquilo que depende de mim é ganhar Lisboa, é nisso que estou concentrado. Acho que qualquer comentário sobre os líderes políticos da coligação - e essa coligação tem cinco partidos - tem muitos independentes, por isso não sou eu que vou comentar o que é que vai ser o futuro político de cada um deles.

E qual é o seu grau de sintonia para com Rui Rio? Existe uma linha de rumo definida pela direção do partido ou como candidato tem plena liberdade de ação? Concertaram posições, por exemplo, no caso dos dados sobre manifestantes enviados pela autarquia?

Aqui não é uma questão de concertação. Aliás, há coligação com vários partidos e eu tenho de respeitar as regras do jogo, mas ao mesmo tempo eles também têm de respeitar as minhas. Eu trago independentes, muita gente que nunca esteve na política, os partidos trazem as pessoas dos partidos e gerimos assim esta coligação, com diferentes maneiras de pensar, mas em que eu sou aquele que lidera a coligação com a ambição de ganhar Lisboa. Não estou a coordenar especificamente com nenhum presidente de partido. Eu falo tanto com o presidente do PSD, como do CDS, como do MPT, como da Aliança, como do PPM. Faço questão de falar com eles todas as semanas, mas não é para coordenar. Aliás, o programa que eu vou apresentar para a semana está a ser feito por uma equipa de independentes. A minha coordenação é estar em linha direta com eles, mas não a coordenar posições sobre aquilo que é o meu programa.

Não está sequer preocupado em estar em sintonia com Rui Rio?

Não, não tenho de estar, eu não sou o número dois de ninguém. Acho que Fernando Medina, sim, está muito mais preocupado em estar em sintonia com o primeiro-ministro porque ele é o número dois do primeiro-ministro. E vimos isso na apresentação que Fernando Medina fez, que fê-la exatamente com António Costa. Costa a falar sobre Lisboa, Medina a falar sobre o país. As pessoas têm de pensar muito bem. Eu estou convencido de que em 2023 António Costa sai de cena. Saindo, Fernando Medina é um candidato ao Partido Socialista, é um candidato a primeiro-ministro. Quem estiver a votar em Fernando Medina está a votar em alguém que não vai, eventualmente, chegar ao fim do mandato. É preciso que as pessoas tenham essa consciência. Aí, sim, há coordenação entre essas duas pessoas, entre o primeiro-ministro e Fernando Medina. Mas não é o caso daquilo que eu estou a fazer.

Ainda que o primeiro-ministro tenha dito que quem salvaguarda lideranças partidárias é o senhor...

Eu achei essa afirmação muito interessante, porque ela é muito reveladora. Quando um primeiro-ministro tem necessidade de dizer a outra pessoa que está na sala "olhe, o lugar ainda não está disponível" é porque está realmente preocupado que essa outra pessoa queira o lugar dela. Estes lapsos são muito reveladores daquilo que vai na cabeça de cada um.

Do seu amigo Pedro Passos Coelho, de quem foi secretário de Estado, mas de quem é sobretudo amigo, tem recebido conselhos?

Falo muito com Pedro Passos Coelho. Almocei com ele há pouco tempo e é, sobretudo, um amigo e obviamente que, nestas alturas em que estamos a definir estratégias e com toda a experiência que ele tem como primeiro-ministro e como amigo, obviamente é uma pessoa com quem falo e a quem peço conselhos, sem dúvida.

Nas autárquicas de 2017, Medina foi eleito com 106 mil votos e a soma dos votos do PSD e do CDS foi de 80 mil. Ou seja, uma diferença de 25 mil votos. Para onde aponta a conquista de votos por forma a conseguir ganhar a câmara?

Eu penso que há aqui dois tipos...

Partindo do princípio de que segurará todo este eleitorado de direita...

Sem dúvida e com grande convicção e vamos ganhar porque, por um lado, vamos buscar muita gente que está descontente com a política, que até votou em Fernando Medina mas já não acredita num projeto que está gasto, que sente que já não acontece nada, que a câmara está estagnada, e algumas dessas pessoas vêm até do PS e do centro, mas querem um projeto novo. Há muita gente que me para na rua e me diz que é do PS, mas que não quer lá Fernando Medina. Por outro lado, há pessoas que estão também muito zangadas com os partidos do centro-direita, e essas pessoas hoje votam muitas vezes na Iniciativa Liberal ou num partido como o Chega e não votam por convicção, mas votam por estar zangadas. Essas são bem-vindas, porque são pessoas que aqui podem ter uma oportunidade única de tirar Fernando Medina de onde ele está hoje, de presidente da câmara. Se juntar os votos dessa base eleitoral com os votos daqueles que ao centro sabem que eu sou uma pessoa moderada, que aposto numa cidade do futuro, sustentada, digital, com os votos daqueles que estão descontentes com o sistema, e são muitos, esses votos fazem que se consiga ganhar a Câmara Municipal de Lisboa. Estou convicto de que vamos ter esses votos.

Das últimas eleições autárquicas para estas, Lisboa foi o concelho que mais eleitores perdeu: 17 mil. Esta quebra complica as suas contas no objetivo de ganhar?

É verdade, isso é um problema. Não penso que complique as minhas contas, mas é uma parte muito importante do meu programa, que é pensar como é que recuperamos todas essas pessoas. Lisboa perdeu 50 mil habitantes nos últimos dez anos. Lisboa, neste momento, não tem uma malha social diversificada. Portanto, esses que estão fora de Lisboa, eu tenho de voltar a trazê-los para Lisboa. Mas obviamente não são os que votarão neste momento. Mas é verdade que esse é dos grandes problemas que temos pela frente.

E como atraí-los?

No programa há uma grande parte sobre a habitação e sobre como é que vamos encontrar modelos para atrair jovens, jovens casais, para voltar para Lisboa. Fernando Medina falhou redondamente, porque teve um programa de renda acessível que não funcionou. Prometeu 6 mil fogos e acho que conseguiu fazer à volta de 300. Como é que nós vamos fazer isso, quais são as medidas que vamos anunciar? Seja na aceleração dos licenciamentos camarários, que não funcionam, seja naquilo que eu penso que é necessário, que a câmara municipal com os terrenos que tem, com os metros quadrados que tem, que possa ela própria também promover imobiliário a baixo preço. E isso foi feito no passado com a EPUL, a EPUL Jovem. Temos de encontrar modelos que consigam trazer as pessoas para a cidade e que baixem os preços. Para isso é preciso aumentar a oferta e também, de certa forma, controlar a capacidade, através de terrenos mais baratos, conseguir produzir casas mais baratas acelerando o próprio licenciamento que é uma das razões de o imobiliário estar tão caro em Lisboa.

Falou de como é importante para a democracia unir o centro-direita. Nessa sua equação cabe o Chega?

O Chega não se identifica com o meu projeto. A questão aqui é do Chega, não é minha. Sonho com uma sociedade aberta, inclusiva, com diversidade, mais inovadora, com mais capacidade de oferta cultural e, portanto, essa Lisboa da diversidade com que sonho não se enquadra numa visão de um partido como o Chega, obviamente.

Lidera esta coligação de direita e para vencer terá de ir buscar votos ao centro-esquerda. Escolher Isabel Galriça Neto como candidata a presidente da Assembleia Municipal não lhe rouba espaço político para a conquista à esquerda?

Não, de maneira nenhuma. Temos uma coligação e nela uma distribuição daquilo que são os lugares e o primeiro lugar da Assembleia Nacional é indicado pelo CDS, mas é uma escolha também minha. Isabel Galriça Neto, para além disso tudo, escolho-a por aquilo que é o centro da minha campanha, que são as pessoas. É uma pessoa que tem uma experiência extraordinária nos cuidados paliativos, no cuidar do outro, dos mais velhos, e Lisboa tem 140 mil pessoas com mais de 65 anos. Preciso de ajuda e de ideias e ela tem sido essa ajuda para toda essa área essencial do programa.

Já passaram mais de três meses desde a apresentação da sua candidatura e disse que esperava que independentes se juntassem à coligação. Já pode avançar nomes?

Já apresentei muitos independentes que estão comigo e agradeço-lhe porque é uma maneira de falar de muitos deles. Desde pessoas de fora de Portugal, o caso de Bertrand Piccard, que foi um homem que deu a volta ao mundo num avião solar a primeira vez, um grande aventureiro. Depois tenho pessoas como Helena Sacadura Cabral, uma mulher muito conhecida na nossa sociedade, que desde a primeira hora me apoiou. Grandes cientistas como António Coutinho, antigo presidente do Instituto Gulbenkian de Ciência. Tenho tido também apoio de pessoas da área do PS, Henrique Neto juntou-se também a esse grupo de independentes. E depois pessoas que são mais jovens, alguns desconhecidos, outros conhecidos, mas todas elas são pessoas que estavam de certa forma desligadas da política. Consegui reunir 50 mulheres - entre elas Helena Sacadura Cabral - que não tinham nada com a política, que já não queriam votar e que não estavam interessadas e que vieram ter comigo e que me estão a ajudar no dia-a-dia. E temos mais de 200 voluntários a ajudar.

E o mandatário também já está escolhido? Ou mandatária?

Ainda não, isso vamos decidir em breve em relação à mandatária ou ao mandatário da campanha porque ainda tenho alguns outros nomes a anunciar, como o meu alto representante para a tecnologia, que será um comissário de Lisboa para a tecnologia, alguém que criou uma empresa e que a fez crescer e que sabe como é que isso se faz. O mandatário para a juventude...

Isso está decidido?

Isso está decidido e anunciarei na próxima semana. E depois, então, o mandatário ou a mandatária.

Nesta semana, na apresentação da recandidatura, Medina prometeu creches gratuitas até ao final do próximo mandato. Concorda com a proposta? Parece-lhe exequível?

Achei interessante porque Fernando Medina faz três propostas. Fala da renda acessível, que é uma proposta que ele anuncia mas que falhou redondamente no seu mandato; fala em passe único, e eu não percebi porque o passe único já existe de certa forma desde 2019; e depois fala nas creches gratuitas. Mas quando fala nessa proposta diz que ela vai acontecer em 2025. O desafio que eu faço a Fernando Medina é: então vamos fazer já. Ele ainda é presidente da câmara, se ele quer essa proposta deve fazê-la já. Eu não farei propostas avulsas. Vou apresentar um programa com muitas propostas para devolver às pessoas o rendimento, devolver dinheiro às pessoas para que possam ultrapassar este momento difícil, mas não vai ser avulso. Agora, acho que o desafio para ele, se é isso, então para a frente. Vamos para a frente. Mas vamos já. Não percebo como é que se faz uma proposta de candidatura, depois de estar este tempo todo na câmara municipal, para 2025. Isso eu acho que é muito mau.

Mas concorda com a proposta?

Aqui o ponto para mim, e não quero revelar já a proposta que vou fazer, é que as pessoas tenham lugares nas creches, que tenham escolha entre o público e o privado e que não seja por falta de capacidade financeira que não põem os filhos nas creches. Quando Fernando Medina, em 2017, anunciou que ia conseguir mais mil vagas nas creches nunca cumpriu essa promessa. E a questão aqui é olhar para o público e para o privado e ver quantos lugares é que temos e nesses lugares como é que eu, se não tiver dinheiro para ir para o privado, posso também ir para o privado com a ajuda da câmara municipal. Portanto, vou fazer uma proposta, mas obviamente que a proposta de Fernando Medina, se ele quiser o desafio, dou-lhe o apoio, mas tenho uma proposta diferente, que apresentarei na semana seguinte. Mas obviamente que o mais importante para as crianças e para os pais é que consigam desde muito novos, a baixo custo ou a custo zero, poder pôr os filhos nas creches. Com isso estou totalmente de acordo. Agora para 2025 e avulso, vamos ver isso para a semana. Vou apresentar a minha proposta e vou confrontá-lo com ela.

Já falou aqui na habitação, portanto, tanto Moedas como Medina apostam na habitação e na atração e fixação de jovens famílias de classe média em Lisboa. O que é que vos distingue?

A primeira coisa é que o plano de Fernando Medina não funcionou. A câmara está estagnada, o urbanismo da câmara está estagnado, os contactos que tenho com pessoas, sejam elas promotores imobiliários ou pessoas que têm um projeto na câmara, é que o projeto não avança. E temos aqui vários problemas para resolver. Um problema tem que ver com a minha visão como engenheiro civil. Não é normal que uma câmara demore anos para aprovar um processo e os licenciamentos estão a custar muito dinheiro às pessoas, porque obviamente aqueles que constroem, quando estão cinco anos com o dinheiro parado, imputam isso no preço das casas. O primeiro é no licenciamento, tem de haver regras muito claras para evitar a corrupção e que essas regras claras sejam rápidas, entre três e seis meses. E vou apresentar também... Estou aqui um pouco a dizer-lhe de antemão, o que apresentarei na semana que vem. E porquê? Porque regras pouco claras é corrupção, é a pouca transparência. O segundo ponto tem que ver com a oferta. Só diminuímos os preços se aumentarmos a oferta. Eu já pedi várias vezes a lista dos edifícios devolutos da câmara municipal. Nunca ninguém foi capaz de me dar essa lista. Mas quando me passeio em Lisboa vejo muitos edifícios abandonados, devolutos, que poderiam ser transformados e reconvertidos. E terceiro, é aquilo que eu vi no passado que funcionou, que é o caso da EPUL e da EPUL Jovem, que foram programas em que a própria câmara desenvolvia o imobiliário porque tinha esses terrenos. Aquilo que nós vimos aqui foi realmente uma parceria entre o público e o privado que não funcionou. Vimos também no passado ideias como as cooperativas. Portanto, a solução para a habitação é aumentar a oferta e para isso vamos ter de ter várias soluções, que também apresentarei para a semana, mas que estão muito dentro destas linhas. O aumento da oferta e tirar a burocracia que hoje temos na câmara, que não funciona. As pessoas estão desesperadas porque cria uma incerteza enorme em qualquer pessoa que queira construir em Lisboa.

Ainda no domínio da habitação. Lisboa tem 66 bairros sociais, com cerca de 25 mil casas e onde vivem cerca de 70 mil pessoas. O que é que defende para esta área em concreto, da habitação social?

A gestão da empresa Gebalis é terrível. É terrível porque eu, que tenho andado por esses bairros, vejo edifícios totalmente degradados. E casas entaipadas, fechadas. Portanto, a primeira coisa é a rapidez na gestão da transferência das casas que estão fechadas e que hoje estão, não sei porquê, abandonadas ou não está lá ninguém ou o processo demora seis meses ou sete meses ou oito meses e esse imobiliário está parado. Portanto, nós temos de agilizar. E temos de mudar toda a gestão de uma empresa que me parece, por aquilo que vi, porque tenho andando na rua, que está sem funcionamento, que está um pouco sem rei nem roque. A Gebalis vai ter de mudar na sua gestão e forma de olhar para os equipamentos sociais.

E os seus gestores?

Obviamente, porque aquilo que se está a passar, as queixas que eu oiço todos os dias, são terríveis. Portanto, nós vamos ter de percebê-las rapidamente, nos primeiros cem dias em que for presidente da câmara, e depois percebermos mecanismos também. Vai ter de ser pensado.

Falemos dos idosos, muitos deles a viverem em bairros sociais, mas não apenas, muitos deles a viverem sozinhos, sem suporte familiar. Que planos tem para que não fiquem esquecidos, para que não fiquem para trás nesta cidade imensa?

A força das cidades hoje está em criar estados sociais locais. O Estado social central está a falhar. Hoje vimos que há um milhão de portugueses sem médico de família e em Lisboa são - os últimos números que vi - à volta de 90 mil. Se o Estado central falha, o Estado social tem de ser local e, portanto, vou apresentar medidas concretas para os mais velhos, mais de 65 anos, em termos de saúde, em termos de consultas, em termos de medicamentos, como é que os vamos ajudar, e depois em termos também de saúde mental, um programa de saúde mental, e mais aquilo que eu penso que não se desenvolveu durante estes anos, e não percebo porquê, uma verdadeira rede de cuidadores informais na cidade, que hoje é apenas um projeto-piloto numa freguesia.

E já tem respostas?

Tenho muitas respostas que anunciarei na próxima semana, sobretudo ver as áreas da medicina em que os mais velhos não têm acesso muitas vezes, ou porque não têm médico de família ou porque não têm seguro, estou a falar desde tudo o que é saúde oral, desde cataratas. Portanto, estamos a ver quais as áreas em que o Estado central não está a dar resposta e que nós vamos ter de dar resposta a nível da cidade, porque essas pessoas não podem ficar sem resposta, não podem ficar meses a fio à espera de uma consulta, não podem ficar sem os mínimos cuidados. E isso a câmara municipal, com um orçamento de mil milhões de euros, como é o caso, não pode ter desculpa, tem de ajudar essas pessoas, e eu estarei lá.

Vamos falar de outra área importante para a cidade, que é o turismo. A pandemia veio expor o quão dependente está a economia da cidade do turismo. Foi um erro? Deveria ter procurado outras alternativas?

O erro foi não apostar noutras áreas também. O turismo é importantíssimo e eu sou o primeiro defensor de Lisboa ter um turismo forte. Agora, para uma cidade ter o turismo forte tem de ter uma área de setor de inovação forte, tem de ter uma área cultural forte. E Lisboa não apostou noutras áreas. As minhas ideias são claras: reforçar o turismo de qualidade, e isso implica ajudar os agentes turísticos a aumentar a estada média dos turistas em Lisboa, que é muito curta, e ficarem mais dias em Lisboa, e isso aumenta a qualidade dos turistas, obviamente. Ter a capacidade de ajudar, também no turismo, a encontrar novas centralidades na cidade. O terceiro ponto tem que ver exatamente com um turismo que seja amigo das pessoas, ou seja, eu vivi durante muitos anos em Londres e vivi em Paris, e uma das ideias que as pessoas têm nessas cidades é que o turismo ajuda, no fundo, a que a cidade esteja limpa. Eles conseguem ver o retorno do turismo, dizendo "a cidade está limpa porque eu consigo com o turismo pagar para ela estar limpa", por exemplo. Não vemos em Lisboa o efeito do turismo para as pessoas. Temos de arranjar mecanismos em que as pessoas sintam que o turismo também está a ajudá-las no dia-a-dia. Mas tenho também várias medidas nessa área do turismo que apresentarei, em relação aos bilhetes que se podem comprar na cidade, ter um cartão específico para isso, mas não queria estar aqui a revelar tudo.

E sobre a taxa turística haverá alguma mudança?

Aquilo que disse foi que durante a pandemia deveríamos ter suspendido a taxa turística porque era uma pequena ajuda. E essa suspensão teria sido durante aquele período. A taxa turística faz sentido no dia-a-dia, ela faz sentido, aliás, como é o caso de Paris, em que quando uma pessoa vai para um hotel de cinco estrelas paga uma taxa turística muito superior do que quando vai para um hotel mais pequeno, ou seja, também uma diferenciação, enquanto em Lisboa paga-se sempre a mesma taxa, porque quem pode mais paga mais.

Se for eleito presidente, anunciou que vai criar um plano de contingência para responder a futuras pandemias. Não lhe parece que estes meses têm vindo a demonstrar que, enfim, resolver este problema não se faz de forma isolada, de forma municipal, só se consegue combater ao nível nacional?

Penso que o que têm demonstrado estes meses é que não houve plano, o que aconteceu em Portugal é que se fechou quando se devia abrir e abriu-se quando se devia fechar. E isso criou imensa incerteza às pessoas.

Está a dizer que deve abrir-se agora e não fechar?

Acho que agora deveríamos estar a pensar em começar a abrir. E porquê? Porque já temos 60% da população com a primeira dose da vacina. O que é que nós estamos a ver no Reino Unido? É que está a abrir. Vamos ter de viver com este vírus, ele vai passar de pandémico a endémico, e vamos ter de viver com ele e vamos ter de nos proteger, como fazemos das gripes e de outros vírus sazonais, mas vamos ter de começar a abrir. Neste momento, como não estamos a abrir, estamos a prejudicar a economia. Mas ao mesmo tempo aquilo que vemos é que o governo, no fundo, está num estado de negação em relação a algo que é matemático. Os casos aumentam, mas os internamentos não aumentam e as mortes também não.

Defende também uma nova matriz de risco para fazer esta análise?

Sem dúvida. Acho que o estado é de negação e estamos a ver isso no dia-a-dia. Se não repensamos a matriz temos o país todo em encarnado, está tudo na zona máxima. O governo diz "estão as pessoas nos cuidados intensivos e podemos estar a chegar a um limite". E a pergunta que os portugueses têm de fazer é: então, em dois anos não se prepararam para isso? Quando nós olhamos para as curvas, e falo disto muito com o Pedro Simas e com o Ricardo Mexia, que fazem parte da minha campanha, vemos que o número de mortos, o número de entradas nos cuidados intensivos, já não têm uma correlação com o aumento de casos, com o aumento de infeções e, portanto, isso tem de ser visto porque senão estamos a prejudicar milhares de pessoas de restaurantes, de comércio, de turismo, de atores... nós temos neste momento os teatros, os cinemas, as salas de espetáculos a 50%. Mas isso era o que tínhamos quando não havia vacina. Agora temos vacina, temos isto tudo, temos os testes e continuam a 50%? Isso tem um efeito devastador para a indústria dos eventos e os teatros e tudo isso. Temos de reagir e temos de reagir antes de todos. E um presidente da câmara deveria ser aquele que estava a confrontar o governo neste momento. O que é que nós temos? Não, temos um presidente da câmara que faz o que o governo diz, que está ali para proteger o governo. É importante que o presidente da câmara de uma capital seja alguém que está a desafiar constantemente o governo.

Apresentou a criação de uma assembleia de cidadãos permanente. Com que alcance? Consultivo, vinculativo?

Esta experiência está a ser feita em vários países. Uma assembleia deste tipo tem de ser de escolha aleatória, temos de escolher as pessoas de maneira aleatória exatamente para elas não representarem lóbis ou ativismo, para termos uma visão da cidade. Depois, as pessoas têm de estar dispostas a dar do seu tempo, a ter quatro ou seis reuniões por ano e preparar essas reuniões. A experiência que quero fazer começa por ser consultiva, obviamente. Consultiva em temas importantes para a cidade. Acho que, por exemplo, hoje no urbanismo, a cidade não está a ser pensada pelas pessoas, é pensada por um grupo de arquitetos. Em termos, por exemplo, do projeto do Restelo, era um típico exemplo de um projeto que deveria ter passado, as chamadas Torres do Restelo da habitação acessível, pelos cidadãos.

Deixe-me perguntar ao homem de centro-direita, essa ideia é a de que acabará a democracia direta e começará a ação de um presidente e de um executivo camarário?

Isso é a grande transformação nos próximos dez anos. Os políticos já não são os intermediários. No mundo digital as pessoas também querem participar. Portanto, o que estamos aqui a viver não é a esquerda nem a direita, é uma transformação profunda da maneira de fazer política, em que no passado o político era o intermediário, dava-se-lhe o voto e ele depois fazia ou executava aquilo para o qual estava mandatado. Hoje as pessoas dizem "não, o político está lá para fazer, mas eu quero fazer com ele". E esse sistema, a que eu chamo de cocriação de políticas públicas, será o futuro da política. Não tenho qualquer dúvida, porque se não for, as pessoas afastam-se cada vez mais da política, e isto chegará a um ponto em que os partidos populistas e extremistas vão ganhar os governos e vamos entrar num problema terrível. Se não envolvermos as pessoas então o populismo e o extremismo serão cada vez maiores. Obviamente que é uma experiência, uma experiência num mundo que nós vamos conhecendo no dia-a-dia. Mas a minha experiência europeia diz-me que quando as pessoas estão envolvidas percebem duas coisas: uma, que os políticos não têm nenhuma varinha mágica, que os políticos são pessoas como as outras e que estão de igual para igual; e segundo, que as políticas públicas são difíceis. É preciso trabalhá-las, é preciso pensá-las, e não pode ser através das redes sociais ou de um tweet que se tem uma opinião. Mas quando se põe as pessoas a trabalhar em conjunto, e eu fiz isso muito na Comissão Europeia, os resultados são extraordinários, porque os políticos ficam mais humildes e as pessoas também percebem a dificuldade da política. E se nós fizermos isso a nível de uma cidade tem um efeito de aproximar as pessoas da câmara municipal no momento em que as pessoas estão longe da câmara municipal, que sentem que câmara municipal é um ente estranho que lhes impõe o dia-a-dia.

Quer retirar carros da cidade. Como é que pretende fazê-lo e concorda com a aposta que foi feita nas ciclovias? É uma aposta para continuar?

Numa cidade, todos nós temos o mesmo objetivo: é descarbonizar a cidade, é ter menos poluição. As cidades mais poluídas, e hoje esses mortos não se contam, as pessoas com doenças respiratórias em cidades poluídas, e, portanto, as cidades têm de ter, no fundo, menos poluição. Para isso há várias coisas: uma é evitar que os carros entrem na cidade. Hoje entram 360 mil carros todos os dias em Lisboa. Os chamados parques dissuasores, que existem em todas as capitais europeias, são parques onde a pessoa deixa o carro, sem pagar, e que está perto do transporte público. Isso não aconteceu. Fernando Medina prometeu mais de 4 mil lugares de estacionamento nesses parques dissuasores e isso nunca aconteceu. Isso é essencial para a cidade. Segundo, a mobilidade vai fazer-se de várias formas. As ciclovias são essenciais. Eu andava muito, e tenho testemunhas, de bicicleta em Bruxelas. Mas as ciclovias têm de ser bem feitas e por várias razões. A primeira é a segurança dos ciclistas. Nós vimos isso há poucos dias, com uma tragédia que aconteceu aqui em Lisboa, e vamos ver mais tragédias, porque as ciclovias não estão a ser pensadas de uma forma de engenharia, que é repensar a própria rua. O caso da Almirante Reis, em que eu disse que ia acabar com aquela ciclovia. Não é porque não goste de ciclovias, é porque aquela ciclovia está mal feita, é perigosa. Mas vamos repensar então a Avenida Almirante Reis e vamos pensá-la desta maneira: como é que aqueles carros vão ser estacionados? Se nós impomos às pessoas, as pessoas de um dia para o outro não têm onde pôr o carro. Portanto, temos de dar lugares às pessoas noutros sítios, que depois daqui a cinco anos verão que não necessitam do carro e, portanto, já não têm carro, mas não é de um dia para o outro. E depois, temos de reperfilar as avenidas onde vamos ter essas ciclovias, mas elas não podem ser feitas a metro, só porque é moderno, têm de ser bem feitas do ponto de vista de arquitetura e de engenharia, e é isso que eu proponho. E é interessante porque, no fundo, se criou exatamente aquilo que eu não gosto da política, criou-se uma fricção: "Carlos Moedas gosta ou não gosta de ciclovias?" Carlos Moedas gosta de ciclovias, mas gosta de ciclovias bem feitas. Portanto, nós temos de fazer isso. Eu estive ainda há dias na Defensor de Chaves, um cruzamento em que o ciclista vira e os carros não veem o ciclista, está mal desenhado. E aí acho que falo com autoridade, nem de comissário nem de político, mas de engenheiro civil, e nisso as pessoas sabem que podem contar comigo como engenheiro que sabe pensar a cidade.

Já tem a lista de quantas quer redesenhar e quantas quer fazer de novo?

Estamos a estudar, pensei que eram muito menos, mas há muitas que vão ter de ser redesenhadas e repensadas. E vão ser repensadas com os engenheiros e também com os ciclistas, que são importantes para a cidade, mas sobretudo para a segurança das pessoas. Hoje, um pai, como eu, não sei se deixaria os meus filhos irem numa ciclovia em certas condições, porque é perigoso para eles e esse perigo é real, porque quando se vai numa bicicleta nós somos o para-choques quando há um acidente.

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