A cultura de frutos vermelhos em túnel, em negócios familiares com transmissões de quotas vistas à lupa, motivou nas últimas semanas uma polémica que colocou a líder do PAN no olho do furacão. Inês Sousa Real assegura sentir todas as condições para se manter no cargo, promete processar quem a difama e reafirma a disponibilidade para alianças à esquerda ou à direita, desde que em respeito pela agenda do partido.
Nas últimas semanas as notícias sobre os seus negócios sucedem-se em catadupa. Entende que tem condições para continuar a liderar o PAN?
É importante que quem nos está a ouvir compreenda que o PAN tem afrontado vários interesses. Desde muito cedo tem-se oposto à cultura intensiva e superintensiva que nada tem que ver com o modelo de produção das empresas que detinha, e numa das quais tenho ainda quotas. O PAN tem afrontado interesses ao lado dos quais a CAP optou por se sentar, como no caso das estufas da Costa Vicentina, e aqui falamos de uma franja de 40 quilómetros de ocupação, portanto não é de todo comparável com meio hectare de framboesa em túnel, ou com 1,7 hectares.
A imagem que passa é de que há uma fuga em frente da sua parte, acusando por exemplo a CAP.
Não é uma fuga em frente, nestes últimos dias o que temos assistido é o sistema, os poderes instalados, a reagirem a quem vem da sociedade civil. Ouvimos frequentemente dizer que não temos o dito cidadão comum na política, as pessoas a oporem-se a quem faz carreirismo político, aos "boys" e "girls" que crescem dentro dos partidos. No meu caso, eu tenho uma vida profissional que antecede o meu período na política, este é o meu primeiro mandato como deputada e também só estou como porta-voz do partido há cinco meses. E o PAN tem sido uma voz muito incómoda alicerçando-se contra a tauromaquia, a violência contra os animais, a produção intensiva e superintensiva e também o negacionismo que existe sobre os efeitos que a pecuária intensiva tem nas alterações climáticas. E a CAP, que foi logo a primeira a levantar a sua voz e a vir pedir a minha demissão, tem-se de facto sentado ao lado destes interesses, até mesmo em detrimento daquele que deveria ser o seu papel junto dos pequenos produtores.
Acha então que tem condições para continuar à frente do partido?
Tenho condições para continuar porque não cometi nenhuma ilegalidade, não fiz nada de errado, não fiz nada que fosse contraditório aos princípios do partido, limitei-me a dar voz às nossas causas e isso incomoda muita gente e é por isso que temos visto esta tentativa de assassinato político, não só por parte destes setores, mas também por parte de alguns meios jornalísticos e eu aqui não posso deixar de dizer: a transparência não é exigida apenas aos deputados, deve ser exigida a todos os setores da sociedade. Também a jornalistas ou a comentadeiros que vêm para as redes sociais atirar afirmações absolutamente difamatórias, pelas quais terão de responder em sede própria, que vai ser em tribunal.
Pretende processar pessoas que falaram do caso?
Sim, já passei toda informação à minha advogada, porque há afirmações que eu não posso de forma nenhuma aceitar. Compreendo que possa existir alguma confusão na cabeça das pessoas entre aquilo que são modos de produção biológica, se é ao ar livre, ou se está coberta por túneis, estufas ou estufins. Uma coisa é a confusão, outra coisa é partir para a difamação e dizer que estamos não só a ser o Robles do PAN, ou, pior, a acusarem-nos de mão-de-obra escrava e isso eu não aceito de forma nenhuma.
Tem sido comparada ao bloquista Ricardo Robles tendo justamente em conta as alegadas contradições entre as posições políticas e a prática privada. A atividade da sua empresa fragiliza o partido?
Não fragiliza de todo. A empresa do meu marido foi fundada numa altura em que ele estava desempregado, em 2012, portanto nem sequer é uma empresa recente. Tem a maioria da sua produção em mirtilo, ao ar livre, de modo biológico. As pessoas têm de ter a consciência que 80% dos produtos biológicos são produzidos de forma coberta, seja em estufa, estufins ou túneis. No caso em concreto destas empresas, estamos a falar de uma diminuta área num dos terrenos, a maior parte do terreno ocupado por mirtilo produzido ao ar livre não está sequer coberto. Temos certificação biológica e não a teria se não houvesse boas práticas como a não utilização de pesticidas, nada temos para afugentar os pássaros e privilegiamos a biodiversidade no terreno.
Outra questão foi a forma como cedeu quotas à sua sogra, quando chegou ao Parlamento, em dezembro de 2019. Três segundos depois, foi feita uma nova cessão de quotas para o seu marido, o que tem sido apontado por juristas como um expediente para contornar a lei. Como explica esta operação?
Não houve aqui qualquer tipo de expediente. Aliás, é importante que as pessoas tenham presente que era uma empresa familiar. No entanto, a partir do momento em que abraço um desafio de estar na Assembleia da República, como qualquer outro cidadão não me consigo dedicar às empresas. Nada na legislação me obriga a ceder as quotas, não há qualquer incompatibilidade de ter quotas numa empresa e ser deputada na Assembleia da República. Foi uma decisão absolutamente voluntária. Comuniquei à Assembleia da República quer o facto de ter as quotas, quer o facto de as ter cedido. Há aqui uma grande telenovela, que mais não visa do que difamar o PAN e a sua porta-voz, quando a este tempo o que devíamos estar todos preocupados é perceber o que é que os vários partidos têm para oferecer ao país.
Acha que o guião dessa telenovela tem origem na Confederação dos Agricultores Portugueses?
Tem origem pelo menos em alguns interesses que estão instalados e que o PAN tem afrontado, aos quais a CAP optou por dar voz. Já recebi ameaças de morte de aficionados, que estão neste momento a correr termos no Ministério Público, vindas sempre de quando beliscamos estes setores. Muito curioso que a dois meses das eleições venham precisamente criar e montar este espetáculo. É normal que o PAN incomode muita gente, porque temos vindo a conseguir paulatinamente várias vitórias, como a alteração do IVA nos espetáculos tauromáquicos, ou a taxa de carbono sobre a aviação e a navegação, e bem sabemos o papel e a influência que as grandes empresas ligadas à produção de combustível fóssil também têm. Ou as celuloses, quando o PAN se coloca ao lado das denúncias contra a poluição no rio Tejo, ou quando nos opomos à construção do aeroporto no Montijo.
Também lhe têm sido feitas críticas por parte de fundadores do partido, como é o caso de Pedro Taborda, que admitiu desvincular-se e exigiu mais explicações. Já conversou com ele?
Ainda não falei com ele, até porque foi recentemente operado esta semana. No caso do fundador nº 1 do partido, António Santos, conversámos os dois. Expliquei-lhe todo o processo e não só tive o reforço da confiança na minha pessoa, como todo o apoio face a este esquema que está montado para atacar o PAN e a sua porta-voz.
Não houve saídas de militantes?
Não só não houve saída dos militantes, como tenho recebido muito apoio por parte de toda a gente, quer internamente, quer externamente.
Não mudaria nada no que aconteceu até hoje?
Não mudaria nada no que aconteceu até hoje. Não tenho que me envergonhar por em 2012, num momento em que até a sensibilidade do ponto de vista ambiental era completamente diferente, eu e o meu marido contribuirmos para gerar emprego. Esta experiência até me permitiu adquirir um "know-how" completamente diferente e perceber as dificuldades que os pequenos e médios produtores ultrapassam no nosso país.
Referiu que o crescimento do PAN assusta muitos partidos. Admite vontade de integrar um governo socialista?
O PAN, como já teve a oportunidade de referir, concorre para ser governo. Qualquer força política concorre para isso mesmo. Nós queremos mais representação, queremos mais responsabilidade. Agora, é evidente que teremos que perceber quais as linhas vermelhas que nos distanciam do partido que venha a ter a maioria.
Quer explicitar algumas dessas linhas vermelhas?
O PAN tem bandeiras e valores que para nós são fundamentais, como a questão da proteção ambiental. Ao longo deste exercício, até do Orçamento do Estado, procurámos traduzir isso em políticas públicas consentâneas, como o reforço dos transportes públicos ou o combate à pobreza energética, para que Portugal deixe de ser o segundo país onde se morre de frio. Ou até mesmo um reforço eficaz naquela que é a proteção animal, como é o caso da construção dos hospitais públicos veterinários.
Integraria um governo socialista que contemplasse esses princípios?
O PAN já deixou claro que está disponível para formar governo e não está aqui em causa se a cor política é do PS ou do PSD. Até porque nós não nos revemos nesta categorização, aliás a dicotomia esquerda e direita não serve ao país.
Portanto, faria acordo com qualquer um dos partidos?
A única linha vermelha que o PAN já traçou e com a qual não faria qualquer tipo de acordos são forças políticas antidemocráticas, como é o caso do Chega, que tem uma agenda que no nosso entendimento viola os mais basilares direitos humanos, que constitui um claro retrocesso em matéria de igualdade de género, de combate ao racismo e à xenofobia. O exercício que tem de ser feito é quem é que está disponível para se aproximar da agenda do PAN, porque nós temos um ADN muito próprio do qual não abrimos mão e isso tem-se visto orçamento após orçamento, através das conquistas que temos alcançado.
Manteve contactos com António Costa nesse sentido? Já foi discutido um cenário em que o PAN possa ser matematicamente útil ao PS?
Não tivemos qualquer tipo de contactos. A nossa comissão política está focada neste tempo em trabalhar o nosso programa eleitoral. O PAN já anunciou que vai a eleições sozinho. Somos a única força política que se apresenta como capaz de dar resposta aos desafios do nosso tempo. E a questão ecológica, a ecologização das políticas públicas, é sem dúvida absolutamente nenhuma uma delas.
Como é que no programa do PAN se tenciona manter o crescimento económico, mas com políticas alternativas do ponto de vista ambiental?
Quando defendemos uma adequada gestão, por exemplo florestal, quando o PAN defende que é preciso contratar mais vigilantes da natureza, estamos a criar postos de trabalho. O Estado tem aqui dois instrumentos absolutamente fundamentais. Quer o Plano de Recuperação e Resiliência, quer o Orçamento do Estado vão ser duas pedras de toque fundamentais para a retoma da economia. E não nos podemos esquecer que estar a assentar a economia única e exclusivamente numa única área de desenvolvimento é estar a repetir erros do passado. Portugal apostou as suas fichas todas no turismo, que estava centrado exclusivamente nas grandes áreas metropolitanas. E quando enfrentou uma crise sem precedentes, como foi esta crise pandémica, e as portas tiveram que fechar, tivemos o país muito mais fragilizado.
Acredita que o PAN pode conquistar mais deputados?
Os partidos ecológicos têm tido um forte crescimento também na Europa. As próximas gerações estão cada vez mais despertas para estas temáticas.
Seria para si uma derrota não reforçar o número de deputados?
Para qualquer partido é uma derrota diminuir o número de deputados.
Sairia? Juntaria isto a toda a polémica à volta?
Jamais juntarei a questão do resultado eleitoral a este ataque concertado que houve ao PAN, que mais visou difamar o partido. Jamais levarei isso como uma assunção de responsabilidade por um resultado. É profundamente injusto que isso seja sequer associado. Nós estamos nesta direção há cinco meses. Esta nova direção herdou um passado, até, de dissidências e estamos comprometidos em reerguer o partido, em mostrar aquilo que o PAN tem para oferecer à sociedade, que é efetivamente muito mais valor.
Mas tiraria, pelo menos, ilações políticas?
Teríamos que fazer essa reflexão. Ou seja, da mesma maneira que tivemos de refletir politicamente em torno do resultado das autárquicas, e em que sabemos que estamos a concorrer com muitas mais forças políticas e que o xadrez político-partidário não é o mesmo. Aquilo que o PAN deixa bem claro é que não se demite das suas responsabilidades. Aliás, fomos o único partido político que não atirou a toalha para o chão durante o Orçamento, e não por ser um Orçamento do PS, porque era um Orçamento do país.