Na entrevista especial à TSF, JN e DN, António Costa acredita que o momento é de viragem, mas mostra expectativas moderadas para setores como o turismo. Confia na disponibilidade de PCP e BE para negociar o próximo Orçamento do Estado, porque não há divórcios irreversíveis, e afasta cenários de crise política. Receios, diz, só mesmo "o que possa acontecer com as variantes de Covid".
Começámos a semana com declarações muito positivas sobre a possibilidade de se atingir a imunidade de grupo mais no início do que no final do verão. Qual é a linha a partir da qual admite a abertura total do país, discotecas incluídas?
Oficialmente, o plano de vacinação prevê que até ao final do verão atinjamos os 70% da imunidade de grupo através da vacinação. Há cenários mais otimistas que nos permitem admitir que consigamos chegar lá mais cedo, mas estamos hoje muito condicionados pelas vicissitudes que existem na produção e na distribuição de vacinas. A parte que nos compete - receção, armazenamento, distribuição, criação dos postos de vacinação rápida - está toda montada. Agora, há um dado que é o mais relevante: no final desta semana conseguimos atingir a cobertura de toda a população com mais de 70 anos e no final do próximo mês atingiremos toda a população com mais de 60 anos. Porque é que isto é muito importante? Porque 96% das vítimas mortais tinham mais de 60 anos. Isso significa que conseguimos assegurar a vacinação ou, pelo menos, a primeira toma, do grupo de maior risco. Portanto, isso permite-nos encarar com outra confiança os riscos subsequentes, designadamente a multiplicação das novas variantes que vão estar sempre a surgir. Esta é uma luta entre a velocidade da vacinação e a capacidade do risco de se ir multiplicando e fugindo à imunização que a vacina assegura.
Esse fator de segurança permite-lhe acreditar que estamos mesmo a ver a luz ao fundo do túnel ou acha que é cedo para termos tranquilidade?
Uma coisa muito boa é que já sabemos que há luz do outro lado do túnel. Eu acho que estamos claramente numa fase de viragem de página. Estamos numa fase em que temos conseguido manter a pandemia controlada, não obstante já termos concluído as diversas fases de desconfinamento. Temos o processo de vacinação a ganhar uma tração crescente. E temos, por outro lado, o plano de recuperação económica entregue em Bruxelas, e contamos que ele possa ser aprovado ainda na presidência portuguesa. Portanto, estamos aqui numa fase de viragem. Eu diria que o verão completará essa viragem e, se não houver novas surpresas que o vírus nos provoque, podemos encarar a próxima reabertura do ano letivo como um momento de novo arranque geral da sociedade.
Acredita que já vamos ter um verão com alguma vitalidade de setores como o turismo?
O turismo no ano passado teve, obviamente, uma quebra gigantesca, sobretudo na procura externa, mas teve um grande dinamismo na procura interna e, sobretudo, destinos turísticos que habitualmente são menos procurados tiveram crescimentos interessantes. Hoje, as pessoas procuram zonas onde há menos aglomeração e mais diferenciação. As zonas do interior, zonas que têm oferta de turismo de Natureza, tiveram um crescimento muito interessante no verão passado. Eu acho que não haverá a normalização do turismo à escala global seguramente antes de 2022/2023. Vai ser uma retoma progressiva, as pessoas vão ter ainda receios, pois o nível de vacinação não é o mesmo em todas as zonas do Mundo. Toda a dinâmica da viagem, da confiança, isso vai infelizmente levar algum tempo a retomar, mas irá acontecer, e um país que foi três anos consecutivos considerado o melhor destino turístico do Mundo, só tem razão para estar confiante, pois o que nos fez ser o melhor destino turístico do Mundo continua cá - a beleza de Lisboa, a beleza do Porto, a beleza da nossa Natureza, das nossas praias, está cá tudo.
O fim do estado de emergência pode dificultar o combate nestas próximas semanas, nomeadamente medidas como o controlo de fronteiras ou, se necessário, proibir a circulação entre concelhos. Os instrumentos jurídicos são suficientes?
Nós temos adequado as medidas à gravidade da pandemia. O que tornou desnecessário manter o estado de emergência foi o entendimento de que nesta fase da pandemia as medidas mais constringentes e que poderiam não estar cobertas pela Lei de Bases da Proteção Civil e pela Lei de Saúde Pública já não eram necessárias. Algumas dessas medidas, como a proibição da circulação entre concelhos, são possíveis de implementar com base no quadro legislativo que está em vigor. Eu recordo que a primeira cerca antes do estado de emergência - a única cerca sanitária que foi imposta - foi a de Ovar. Há medidas de restrição que têm sido adotadas fora do quadro do estado de emergência. As pessoas têm tido um enorme bom senso. Poucos casos têm ido a tribunal, mas todos os que foram a tribunal foram ganhos pelo Estado, as regiões autónomas não, mas o Estado sim. Portanto, acho que há uma grande consciência.
Admite puxar outra vez o travão de mão, que é uma expressão sua?
Sim, tão pontualmente quanto possível, mas sempre que necessário. Se há algo que toda a gente compreendeu foi que em janeiro fomos surpreendidos com a variante britânica e depois vimos as consequências. Ora, ninguém nos garante hoje que não haja uma variante britânica 2, em Lisboa, Porto, Coimbra, não importa de onde, que, de repente, nos surpreenda. Nós temos de ter as medidas e a atenção necessárias para que, não obstante estarmos a avançar na vacinação e as pessoas estarem hoje obviamente mais conscientes dos perigos, não relaxemos. Porque se relaxarmos, há uma coisa que é fatal e que sabemos: obviamente a pandemia volta a disparar.
Declarou o teletrabalho obrigatório até ao final do ano e alguns empresários começam a ter dificuldade em entender o porquê desta obrigatoriedade. A apreciação desta norma no Parlamento poderá vir a pôr em causa o teletrabalho?
Espero que não, porque temos de manter uma regra fundamental que é diminuir o máximo possível a circulação e os contactos, pois essa é uma condição essencial para podermos controlar a pandemia. Houve atividades que nunca pararam - a agricultura, a construção civil, a indústria -, mas houve outras que, felizmente, podem parar. Portanto, podem contribuir para essa diminuição do risco. Até erradicarmos a pandemia devemos procurar ao máximo evitar todas as situações que exponenciem o risco.
Acredita que o turismo é a alavanca para a recuperação económica de que o país precisa já este ano?
Não acredito que este ano o turismo seja uma grande alavanca da recuperação económica. Em segundo lugar, as alavancas que temos previstas para a recuperação são as que estão no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e que passam, aliás, por outras atividades que não propriamente o turismo. Agora, o turismo é uma componente essencial da nossa base económica. Bem sei que antes da Covid até estava na moda ter algum desprezo, alguma desconsideração, algum desvalor, pela atividade turística. Este ano e tal demonstrou bem o que significa o turismo - o turismo não significa só rendimento para quem utiliza as habitações para alojamento local. Se for perguntar a toda a indústria do agroalimentar eles explicam-lhe bem que o canal Horeca teve um peso muito significativo na perda de rendimentos de milhares de agricultores em todo o país.
Como é que estão as negociações para o chamado passaporte sanitário europeu?
Não é o passaporte sanitário, é o certificado verde. Estão bem. Acho que vamos conseguir aprovar muito rapidamente esse certificado verde e acho que vai ser um elemento acrescido que favorecerá a circulação.
Que mecanismos é que estão a ser criados para evitar, por exemplo, a discriminação entre vacinados e não vacinados?
Os certificados não são para vacinados ou não vacinados, são para vacinados, para pessoas que já tiveram a doença e estão imunizados naturalmente e são para pessoas que tendo realizado o teste têm um resultado negativo. São sobretudo para criar melhores condições. Alguns estados só estão a exigir o teste, outros estão a exigir teste mais quarentena. O certificado ajudará a que muitos possam deixar de exigir a quarentena, que é o elemento mais dissuasor. Portanto, é uma medida de agilização da circulação. Mas vamos ser realistas: eu acho que ninguém pode antever o que vai ser o verão. Vai ser, com certeza, um pouco mais animado, mas não vai ser aquele verão que todos ansiamos voltar a ter com um crescimento grande da atividade turística. Esse poderá ser 2022, 2023 e por aí fora. Não sou daqueles que acreditam que a recuperação do turismo vai ser num crescimento rápido, acho que vai ser um crescimento relativamente consistente, mas mais ou menos lento, em função daquilo que seja o controlo da pandemia a nível global.
Admite que apesar do êxito inicial que a Europa conseguiu numa negociação conjunta, o processo de vacinação acabou por se traduzir num falhanço do conjunto dos países da União?
É injusto dizer isso. Em primeiro lugar, porque se não tivesse havido a compra conjunta por parte da Comissão, hoje as dificuldades que estamos a viver estariam multiplicadas por 27. Porque, para além de disputarmos as vacinas com outras regiões produtoras que não exportam, como é o caso do Reino Unido e dos Estados Unidos da América, estaríamos numa guerra entre os 27 para disputar as vacinas disponíveis no continente europeu. Ora, isso foi o que esta compra conjunta desde logo evitou. Para países de média dimensão como nós e para países mais pequenos, isto é, obviamente, uma grande garantia. Provavelmente, se não tivesse havido essa compra conjunta por parte da União Europeia, os cinco grandes países - Polónia, Alemanha, Espanha, Itália e França - tinham consumido o grosso das vacinas. Assim foi estabelecido um critério justo pro rata. Não podemos comparar o que aconteceu na Europa com o que aconteceu noutros países, porque os Estados Unidos e o Reino Unido, por exemplo, proibiram as exportações, e a Europa continua a exportar, designadamente a fornecer o mecanismo Covax que é o que assegura o abastecimento de vacinas aos países em desenvolvimento.
Até agora, as despesas excecionais causadas pela pandemia têm sido acomodadas. Quando é que prevê que seja necessário submeter ao Parlamento um orçamento retificativo?
Continua a não estar no nosso calendário. Ainda recentemente, o ministro das Finanças disse que não é previsível a necessidade de um orçamento suplementar. No ano passado foi, como é sabido, porque o Orçamento do Estado que foi aprovado para 2020 não tinha este fator Covid previsto. Este Orçamento para 2021 já foi preparado para um cenário Covid. O primeiro trimestre consumiu muito dos recursos que estavam previstos no Orçamento, mas felizmente tudo se encaminha para que não vamos necessitar de mobilizar no resto do ano outros recursos.
Prevê algum programa excecional para que as empresas regularizem as dívidas ao Fisco e à Segurança Social, uma vez que muitas tiveram prorrogações?
Nós temos adotado vários programas à medida das nossas possibilidades para responder, quer às necessidades das famílias quer às necessidades das empresas. Temos uma estimativa de que no ano passado houve uma quebra de 15 mil milhões de euros no produto, e o conjunto dos apoios concedidos às famílias e às empresas excedeu os 22 mil milhões de euros, ou seja, foi um apoio superior àquilo que foi a quebra do produto. Isto significa que temos mobilizado todos os recursos que nos são possíveis. Evidentemente, nós não éramos ricos antes da Covid - como sabemos - e não foi com a Covid que enriquecemos. Não temos a capacidade de dar os apoios que um país como a Alemanha tem. Felizmente temos conseguido dar os apoios, pois tendo conseguido alcançar um excedente orçamental, tendo conseguido estabilizar e reforçar o sistema de Segurança Social, isso deu-nos margem agora para podermos agir. Se gostaríamos de agir mais? Gostaríamos com certeza. O facto de o PRR ser aprovado nos próximos meses e poder ser executado é um reforço complementar para a recuperação da nossa atividade económica, sendo certo que, todos os números indicam, felizmente, o tecido económico resistiu bastante melhor do que aquilo que eram as previsões mais ou menos generalizadas. É muito importante que isso tenha acontecido e significa que temos um tecido económico resiliente e preparado para esta fase da recuperação, logo que esta seja possível.
Se a decisão do Tribunal Constitucional sobre os diplomas dos apoios sociais não for favorável ao Governo, a criação de precedentes de coligações negativas com efeitos orçamentais põe em causa a governabilidade?
O problema não é haver coligações negativas, o problema é uma questão de equilíbrio da separação de poderes entre a Assembleia da República e o Governo. O nosso sistema político é um mecanismo de relojoaria fina, está entre um semipresidencialismo, as competências próprias do Governo, as competências alargadas da Assembleia da República. A existência da lei travão é uma componente fundamental deste equilíbrio, porque, no fundo, é a existência da lei travão que assegura a possibilidade de termos governos minoritários em Portugal. Sem lei travão só podemos ter governos maioritários, por isso é uma lei muito importante para o funcionamento da nossa democracia. É muito importante preservá-la, mesmo quando as medidas adotadas pela Assembleia são medidas muito populares e, portanto, é muito impopular invocar a lei travão.
Está preparado para uma decisão não favorável?
Não. Ficaria muito surpreendido se a decisão não fosse favorável porque a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem sido muito clara sobre essa matéria, e este é um caso claríssimo onde há uma violação da lei travão. Há outros casos. Ainda recentemente a Assembleia aprovou um passo extraordinário que foi a revisão de uma carreira profissional. Bem sei que a situação é muito difícil, a pandemia põe-nos todos sob pressão, temos uma grande crise económica e social, mas convém toda a gente manter a serenidade e não subverter o nosso sistema de governo. Eu creio que ninguém deseja no futuro ter um sistema de governo de Assembleia em que os sindicatos, em vez de virem negociar as carreiras profissionais e os aumentos salariais com o Governo, passem a ir negociar para a Assembleia da República. Seria um enorme sossego para o Governo, mas acho que seria um desastre para o país, para ser sincero. O nosso sistema de governo tem provado bem que, desde 1976 até agora, sobretudo desde 1986 para cá, encontrámos um ponto de equilíbrio no e não o devemos perturbar por causa desta crise. O executivo é o executivo.
Receia uma crise séria na negociação do próximo Orçamento do Estado?
Não, a única coisa que eu receio é mesmo o que possa acontecer com as variantes da Covid. É mesmo a única coisa que receio.
Se, por hipótese, o Orçamento não for viabilizado, pondera demitir-se?
Eu acho que as pessoas têm todas bom senso. Perante uma pandemia, perante a maior crise económica que o país alguma vez enfrentou - ou, pelo menos, nas últimas décadas - e uma crise social brutal, alguém pode desejar correr o risco de contribuir para uma crise política? Só num grau de insanidade total. Portanto, acho que esse cenário é puramente académico e especulativo, que não pode ter adesão à realidade e que não a tem. O que eu tenho sentido, aliás, dos nossos parceiros, é a total disponibilidade para continuarmos a trabalhar, mesmo o Bloco de Esquerda, que não viabilizou o anterior orçamento, já disse publicamente que quer as reuniões de trabalho connosco, que está disponível para voltar a sentar-se à mesa e a olharmos para o orçamento de 2022.
Portanto, entende que não só o PCP continuará a ser um parceiro privilegiado, como o Bloco de Esquerda acabará por se sentar à mesa das negociações?
Nós nunca excluímos ninguém da mesa das negociações, mas umas vezes chegamos a acordo e outras não. No ano passado, no Orçamento Suplementar foi o PCP que não chegou a acordo; no Orçamento para 2021, foi o Bloco de Esquerda que não chegou a acordo. Eu tenho esperança de que em 2022 todos cheguem a acordo.
Parece um divórcio irreversível. Acredita que não?
Acho que não, nem os divórcios às vezes são irreversíveis. Eu conheço casos de pessoas que se divorciaram e voltaram a casar anos depois.
Mas há ali algumas linhas vermelhas, nomeadamente as questões que dizem respeito a matéria laboral...
Cada um de nós tem obviamente linhas vermelhas. Não é por acaso que a esquerda é plural, não é por acaso que à esquerda existe o PEV, existe o Bloco, existe o PCP, existe o PS, existe parte do PAN.... Cada um tem a sua identidade. Agora, o sucesso destes anos de governação foi sempre termos compreendido que não valia a pena sequer tentarmos falar sobre coisas em que nunca haveria acordo e concentrarmo-nos sobretudo nos temas de convergência. Esse foi o grande sucesso da anterior legislatura, esse foi o sucesso do primeiro ano desta legislatura. Este segundo ano tem sido muito agitado e muito perturbado com toda esta pandemia. Acho que agora devemos e, espero, regressar à normalidade, continuando a focar-nos no essencial. E o que é o essencial? É mantermos a pandemia controlada, acelerarmos a recuperação económica do país e a recuperação das várias coisas que se foram degradando no país. Quando conseguirmos erradicar a pandemia, a verdade é que as marcas ficam e exigem um esforço muito grande. As melhores previsões económicas dizem que só em 2022 poderemos voltar ao ponto em que estávamos em 2019, ou seja, três anos atrasados. Portanto, há muito trabalho para fazer e muito pouco tempo para nos dedicarmos a crises políticas. Acho que nenhum responsável político se pode pôr em aventuras dessa natureza, e sou sincero, acho que os portugueses não o perceberiam.
Já está normalizada a sua relação com o presidente da República depois do desentendimento em relação aos diplomas dos apoios sociais?
Nós não temos de normalizar nada, porque não temos nada "anormalizado". Sabe que não pode acreditar em tudo o que lê nos jornais? [risos] A relação com o presidente da República tem sido normalíssima. A divergência, aliás, não é entre o Governo e o presidente da República, é entre o Governo e a Assembleia da República. Esta entendeu que tinha competências para aprovar uma lei que, no entendimento do Governo, a Constituição não lhe permite aprovar. Colocámos a questão no Tribunal Constitucional e lá está. Não tem drama nenhum. Já no passado nós recorremos ao Tribunal Constitucional para impugnar leis aprovadas na Assembleia e que tinham sido promulgadas pelo atual presidente da República.
A convivência continuará pacífica e concertada entre Belém e São Bento?
Tem sido assim até agora e não vejo nenhuma razão para que não seja. Eu acho que a forma muito expressiva como os portugueses votaram na reeleição do professor Marcelo Rebelo de Sousa foi, seguramente, porque desejam um bom segundo mandato e fizeram uma apreciação positiva do primeiro. Ora, uma das componentes fundamentais desse primeiro mandato - creio que não faço uma interpretação abusiva disso - foi a forma como o presidente, o Governo e o Parlamento conseguiram trabalhar harmoniosamente e com uma solidariedade institucional como eu creio que raras vezes deve ter havido em Portugal. Em particular, a relação entre o Governo e o presidente da República tem sido sempre de uma grande proximidade. Temos estado sempre 100% de acordo? Claro que não. É evidente que não, mas temos sempre sabido encontrar formas de agir em conjunto. Não me recordo de, nestes seis anos, alguma vez termos estado numa posição inconciliável entre o Governo e o presidente da República. Só tenho a desejar que assim prossiga até ao fim da legislatura.
Recriar o país tem sido o grande tema no qual o presidente da República tem insistido. Falta aos nossos dirigentes políticos capacidade para essa mobilização social?
Não creio. Nós gostamos muito de nos autoflagelar, mas, verdadeiramente, se quiser comparar a atuação dos dirigentes políticos portugueses - agora falo, de um modo geral, de todos - ao longo deste ano de pandemia, com o que tem acontecido noutros países, desculpará, mas não temos meças a pedir a ninguém. Nós conseguimos viver este ano, com sucessivos estados de emergência, sempre sem suspender as liberdades políticas, de imprensa, de reunião, de manifestação... A Assembleia da República manteve-se sempre a funcionar, o controlo sobre a atuação do Governo manteve-se. Eu acho que isso demonstrou também um grau de maturidade do nosso sistema político que não devemos estar sempre a querer não valorizar.
Com alguns ministros muito desgastados pela crise, admite renovar algumas pastas após o verão?
Não. Essa ideia de que muda-se ministras e ministros e todos os problemas se resolvem, francamente não faz sentido. Eu orgulho-me muito de que um dos fatores de estabilidade deste Governo seja traduzido também na durabilidade dos seus membros. Houve ministros que tiveram de mudar, por esta ou por aquela razão, e pode acontecer no futuro, mas eu não sou grande defensor dessas mudanças. Isto na política não pode ser como naquelas equipas de futebol em que se muda o treinador para dar uma chicotada psicológica. Há áreas da governação que são áreas sempre terríveis, de fustigação permanente e isso não se resolve mudando de ministro, resolve-se, pelo contrário, com muita resiliência, muita persistência e fazendo o trabalho. Quem vem para o Governo tem de estar preparado para os dias bons, para ter aquelas pastas simpáticas onde sempre corre tudo bem e para estar naquelas pastas onde é sempre difícil, onde mesmo quando corre bem parece sempre correr mal.