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Nos últimos quatro anos presidiu à Câmara de Lisboa com base num acordo de governação com o Bloco de Esquerda. Que avaliação faz? Correu bem?
No fundamental correu bem. Desenvolvemos uma ação na base de um acordo programático, que foi no fundamental concretizado. Obviamente são duas formações políticas com conceções convergentes nalgumas matérias importantes, divergentes noutras matérias, mas foi possível ter um trabalho importante e profícuo ao longo destes quatro anos.
Porque é que decidiu aliar-se agora ao Livre? Foi uma decisão na expectativa de que o Livre consiga roubar ao Bloco os votos que lhe faltaram para uma maioria absoluta?
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Há quatro ano tínhamos um acordo com o Livre, que integrava as listas do PS...
Mas não uma coligação formal, como vai acontecer.
Desta vez o que decidimos foi, de certa forma, reforçar esse entendimento, e com a presença de Rui Tavares nas listas conjuntas. Entendemos que era o momento de fazer não um acordo coligatório, mas uma coligação, porque representava melhor aquilo que é a base do entendimento. A presença de Rui Tavares... creio que todos, qualquer que seja o seu quadrante político, reconhecem a grande mais-valia de podermos contar com a sua qualidade intelectual, política, de reflexão.
Nas últimas autárquicas o PS perdeu três vereadores em relação às eleições em que António Costa foi reeleito presidente. A esta distância que razões é que encontra para isso?
A razão principal é que o candidato chamava-se Fernando Medina não se chamava António Costa Tendo total confiança sobre as minhas capacidades e valias não cometeria a injustiça de me comparar com António Costa numa eleição em Lisboa. Obviamente António Costa tinha uma ligação profunda, já de muitos anos, de três eleições, nas quais foi sucessivamente reforçando [a votação]. Por isso, não considerei que se tratasse de uma descida. Tratou-se da minha primeira eleição, onde tive um resultado que acho que foi muito significativo.
O facto de esta ser a sua segunda eleição aumenta-lhe a expectativa? De que possa alcançar uma maioria absoluta?
Não direi nenhuma originalidade se disser que todos os políticos em eleições concorrem sempre para ter o maior número de votos. E, por isso, também espero o reconhecimento não só do trabalho feito, como da validade das nossas propostas para o futuro da cidade.
Se vencer as eleições, mas sem maioria absoluta, já deixou claro que não falará com Carlos Moedas. Mas terá um parceiro privilegiado à sua esquerda?
Este não é o tempo de se falar do pós-eleições. Este é o momento do diálogo direto com os eleitores, com os lisboetas, sobre as propostas que estão em cima da mesa. Sobre quem é que consideram que deve ser o seu presidente de câmara, qual o projeto político que querem. Depois teremos as eleições e da correlação de forças que as eleições ditarem é que se fará o diálogo necessário para o futuro. Não tenho dúvida que, em qualquer cenário, nós já demos provas de saber governar bem, fazer as convergências que são necessárias. É isso que os lisboetas podem esperar, com tranquilidade e sem nenhuma questão ou ansiedade para o dia seguinte às eleições.
Não privilegiará o Bloco em relação à CDU, mesmo tendo este acordo de governação. Percebi bem?
Não antecipo nenhum diálogo pós-eleitoral antes das eleições. Onde me quero concentrar, e onde nos devemos concentrar neste momento, é no diálogo com os lisboetas. Os lisboetas, depois, vão falar através do voto sobre aquilo que querem para os próximos quatro anos. Depois, cabe-nos a nós, os responsáveis políticos, saber interpretar, fazer essa leitura e estar à altura.
Qual foi o momento mais difícil deste mandato? A demissão de Manuel Salgado, da presidência da Sociedade de Reabilitação Urbana, depois de ter sido constituído arguido num processo que remonta ao tempo em que ele era o seu vereador do urbanismo, ou o mais recente caso da divulgação de dados de manifestantes à Embaixada da Rússia?
Nenhum dos dois. Sem dúvida, a situação mais difícil que enfrentei como presidente de câmara foi a situação da pandemia na área metropolitana de Lisboa, em junho do ano passado. Se se recordam foi uma situação que apanhou todos desprevenidos. Os números da pandemia tinham sido muito altos a Norte, depois, no centro, mas em junho do ano passado a Área Metropolitana de Lisboa viu-se confrontada, subitamente, com um pico muito elevado de infeções. Era uma situação muito complexa no terreno, porque se percebeu que os focos de disseminação da pandemia estavam concentrados em zonas de muito alta densidade populacional, nomeadamente nas zonas periféricas da cidade, e que não havia uma estrutura suficiente e capaz ao nível da saúde pública para responder a este desafio.
Receia que o caso Manuel Salgado, quando vier a ser conhecida a acusação, possa vir a ensombrar o seu próximo mandato, no caso de ser reeleito?
Não. Não receio. De todos os casos, e nos casos fundamentais que conheço, tenho a confiança de que se fez todos os procedimentos, de que foram seguidas todas as regras, de forma adequada. Agora, a Justiça fará o que tem a fazer. Aliás, em matéria de urbanismo uma parte destes processos já teve um acompanhamento muito próximo das autoridades, porque em matéria urbanística o Ministério Público tem poderes especiais que, aliás, permitem até impedir o licenciamento por parte do município, suspender licenciamentos, embargar obras e outras medidas. Em nenhum destes processos isso aconteceu. E, por isso, aguardo com toda a serenidade, sem nenhuma preocupação, com o respeito que a Justiça fará o seu papel e clarificar o que tiver de clarificar.
Para fechar este ponto. Quando Manuel Salgado saiu apostou num jovem vereador, Ricardo Veludo, mas agora apresenta um outro nome para o urbanismo. Porquê?
O nosso entendimento era precisamente o de cumprir este mandato, foi esse o entendimento que tinha com o Ricardo Veludo, a quem obviamente agradeço todo o trabalho feito. Na constituição da nova equipa tive a grande preocupação de conseguir ter os protagonistas capazes de lançar um novo ciclo de modernização na vida da cidade de Lisboa. E daí a escolha de Inês Lobo para um lugar com a importância que é o cargo do vereador do urbanismo. Inês Lobo é, indiscutivelmente, uma das arquitetas portuguesas mais reconhecidas do país. Tem um trabalho de grande qualidade, um profundo conhecimento da cidade e deu-nos o privilégio de estar disponível para poder exercer funções públicas.
Durante este último mandato houve várias situações - a requalificação do Martim Moniz, a Torre da Portugália e agora, mais recentemente, as Torres do Restelo - em que a câmara acabou por recuar face a uma grande contestação pública, muitas vezes local, das pessoas que ali vivem. Isto não mostra que há falta de diálogo entre a câmara e quem é, depois, objeto da decisão? Ou seja, entre a câmara e os lisboetas?
Não, de forma alguma. Todos esses processos, o que mostram é uma câmara com capacidade de ouvir as pessoas e de adaptar as suas ideias. Quando estudei no Instituto Superior de Economia e Gestão, um dos edifícios tinha no seu átrio uma frase de Bento Jesus Caraça que dizia "Eu, se não receio o erro, é porque estou sempre disposto a corrigi-lo". Gosto muito dessa frase e não tenho particular problema em assumir: "há aqui um projeto melhor do que a minha ideia, vamos fazer diferente". Houve projetos que resultaram de diálogos e de participações de cidadãos, que eram muito melhores do que as ideias originais da câmara. Um exemplo muito concreto: o Jardim do Caracol da Penha de França. Era um projeto que, originalmente, repartia uma parte com um jardim e um parque de estacionamento. Chegou-nos um grupo de cidadãos que fez uma petição e disse "a nossa ideia é ter um jardim integral, não queremos aqui os automóveis dentro do jardim". Foi um debate que animou a cidade durante muito tempo, chegámos ao fim e dissemos " têm razão, o vosso projeto é melhor". Esses três casos são diferentes uns dos outros. O do Restelo é um caso que tem um forte empolamento político. O que houve ali foi o PSD a juntar-se aos setores mais radicais da contestação, dizendo "nós não queremos aqui a renda acessível, queremos que seja um parque urbano". Ora, isso para nós não fazia sentido, estamos a falar de uma zona paredes meias com Monsanto, e por isso o que é que fizemos? Conduzimos um debate público, ouvimos tudo aquilo que nos era colocado e depois fizemos a alteração do projeto, de acordo com aquilo que é a nossa visão. Alterámos os pontos mais críticos, em vez de termos torres muito altas, são prédios bastante mais baixos. Agora, não fomos de encontro àquilo que os setores mais radicais e que o PSD pretendiam, que era não ter ali habitação acessível. Não. O projeto final tem quase 500 fogos de habitação acessível.
Já lá vamos à habitação. Na apresentação da sua recandidatura prometeu creches gratuitas até final do próximo mandato. Será uma medida universal, para todas as famílias, abrangendo todas as escolas, nomeadamente as privadas?
Esta é uma medida da maior importância, que vem completar o nosso leque das medidas dirigidas às famílias e ao reforço da capacidade de Lisboa ser uma cidade para todos. Lisboa é hoje uma cidade muito mais global, aberta, cosmopolita, que começa a ter as dificuldades que as grandes cidades têm, nomeadamente uma pressão permanente sobre os preços da habitação. Isto implica que tenhamos muita atenção à habitação para os jovens e para as classes médias. Este mandato, o próximo, seguramente, e o outro a seguir, terão de ser mandatos com grande força, dedicados à construção de fogos para jovens e para classes médias. Neste mandato lançámos uma política inovadora: a habitação acessível. As pessoas pagam, não as rendas do mercado, não as rendas do mercado com um pequeno desconto - que, no caso da cidade de Lisboa não resolve o problema a ninguém - mas um valor indexado ao seu rendimento: no máximo 30% do seu rendimento líquido. Avançámos já muito neste programa. Neste mandato também fizemos uma outra mudança, uma outra revolução, essa muito profunda, no sistema de transportes...
Não está a responder à questão.
Já lá irei, só queria explicar o enquadramento da medida. Que é a diminuição muito grande do preço dos transportes, com o passe único, em que é possível, hoje, alguém deslocar-se integralmente na cidade Lisboa por um euro por dia. E, se tiver mais de 65 anos, 50 cêntimos por dia. Esta medida, a terceira, é aquela que vem resolver o problema que resta às famílias com filhos jovens, que é a parte das creches. Porque, se ao nível dos jardins de infância e do primeiro ciclo há a gratuidade da rede pública, no segmento das creches não só não existe esse princípio da gratuitidade, como também o número de vagas na rede solidária é insuficiente para a generalidade das pessoas. É por isso que vamos intervir aqui, com uma medida que se destina às famílias das classes médias. Por isso, a medida terá como limite um conjunto muito vasto, que vai desde o salário mínimo até cerca de 90% do rendimento mediano das famílias na cidade de Lisboa, aqueles que são abrangidos pelo programa de renda acessível. E destinar-se-á, de forma universal, quer ao setor solidário quer ao setor privado. Porquê? Porque a rede em Lisboa, hoje, assenta muito no setor privado, o setor social e solidário não cresceram ao ritmo que cresceu a procura de creches na cidade de Lisboa. E porque é que propomos 2025? Por prudência, responsabilidade financeira. Queremos concentrar os recursos que temos. E esta é uma medida que terá um custo orçamental superior a 20 milhões de euros, quando completa. Quando conseguirmos terminar este apoio, quando conseguirmos abranger as famílias todas na gratuitidade das creches teremos, em Lisboa, um conjunto de políticas que permite habitação acessível, creches gratuitas para crianças e transportes a um euro por dia dentro da cidade. É uma profunda revolução na capacidade de as famílias das classes médias poderem trabalhar e viver na cidade de Lisboa.</p>
Deixe-me voltar ao programa Renda Acessível. O objetivo era atribuir 6000 casas até final do mandato. Quantas entregou até agora?
Entregámos, no conjunto dos dois programas - Habitação Acessível e Renda Apoiada - cerca de 3000 habitações. O que é o valor mais alto desde os tempos do presidente João Soares .
Mas fica a meio do objetivo que tinha traçado. O que é que falhou?
Eu queria salientar a importância daquilo que é atingido. Porque desvalorizar o que foi feito, em matéria de acesso à habitação, quando foi o maior ano de entrega de habitações na cidade, desde os tempos dos programas de erradicação de barracas... este feito não pode ser desvalorizado. Mais a mais, no tempo que aconteceu.
Queria perceber porque é que o objetivo ficou pela metade.
O programa Renda Acessível dirige-se aos jovens e às famílias das classes médias. Neste programa cerca de 1200 famílias beneficiaram de, ou atribuição de casa da câmara - cerca de 800 - ou beneficiaram - 400 - de um subsídio da câmara para poder diminuir a renda que pagam no mercado, até ao máximo de 30% do rendimento líquido do agregado. O nosso objetivo era ter ido mais longe, mas... Não o conseguimos na medida em que aquilo que julgávamos, no início do mandato, que iria ser a frente mais rápida de construção e entrega de habitações - que era o programa de concessões e operações com o setor privado - foi aquele que se revelou mais lento. Creio que se recorda de um diferendo que a Câmara de Lisboa manteve com o Tribunal de Contas durante cerca de dois anos para se conseguir obter uma clarificação da possibilidade de isto avançar. Esse modelo não pôde avançar com a rapidez que queríamos, avançámos com os nossos recursos para a compra de edifícios ao Estado, avançámos com a reabilitação. Estamos com um programa de construção própria, que também está a avançar. Temos uma frente muito ampla, entre aqueles processos que estão a acabar a construção, a ser lançados, que estão em obra, aqueles que lançaremos, temos mais de 8000 fogos que estão em processo, em pipeline para, nos próximos anos, irem dando entrada e serem afetos às famílias, fora da dinâmica do mercado. Creio que, no final do próximo mandato, já será um número de tal forma suficiente que terá impacto nos preços de mercado na cidade de Lisboa.</p>
Outras capitais europeias têm lançado mão de outro tipo de medidas, por exemplo impondo limites ao aumento das rendas. Bem sei que isto teria de ser uma medida decidida a nível central, pelo Estado Central, não depende da vontade de uma autarquia, mas pensa que se devia também ir por aí?
Acho que o nosso país tem uma história profundamente negativa com o congelamento das rendas. É uma medida que, vindo do Estado Novo, passou durante largas décadas sem mudança, e provocou uma profunda erosão do valor das rendas. Provocou, no fundo, um mecanismo que se mostrou pernicioso, que foi fazer ação social à custa dos senhorios. Essa medida foi responsável, na minha opinião, pela profunda degradação dos centros históricos das cidades, quer seja Lisboa, quer seja o Porto. Acho que regressarmos a um modelo desta natureza é negativo. Agora, nós temos que ter instrumentos mais eficazes de regulação do mercado da habitação. E há um importante, que é uma medida que constará do nosso programa eleitoral, que é a limitação da abertura de novos alojamentos locais em toda a cidade de Lisboa. Defendemos muito uma alteração à legislação do alojamento local que, quando foi criada, liberalizou por completo o mercado. Isto é, permitiu que qualquer casa de habitação - casa ou prédio - fosse transformada num alojamento local. No início esta medida teve um efeito positivo, foi uma medida importante do ponto de vista dos rendimentos de muitas famílias, das classes médias, que punham os seus imóveis no alojamento local. Foi uma medida importante para dar resposta ao crescimento da procura turística. Agora, a minha convicção é que isto foi longe demais na cidade de Lisboa. Hoje, temos um número de registos de fogos em alojamento local muito mais elevado. O alojamento local, numa primeira fase ajudou à recuperação de habitações, mas numa segunda fase começou a retirar casas do mercado, casas que estavam antes afetas à função habitacional.
Foi um fenómeno sobretudo no centro histórico da cidade.
Fundamentalmente no centro histórico. A legislação não dava nenhum poder aos municípios para intervir. Só a meio do mandato é que o Parlamento legislou, dando poder aos municípios. Imediatamente tomámos uma decisão que foi impor as zonas de contenção nas zonas históricas. Aliás, contra a opinião do PSD e do CDS, que votaram contra essa limitação. A minha intenção é, ganhando as eleições, propor ao município a aplicação deste princípio da impossibilidade de abertura demais alojamentos locais em toda a cidade de Lisboa. Creio que é a medida que é necessária, agora que os níveis de procura estão mais abaixo, para que todos tenham em vista, todos tenham um cenário muito claro de que nós não iremos permitir mais esta passagem de imóveis destinados à habitação para o alojamento local. Pelo contrário, o que temos de fazer é um trabalho de ir recuperar imóveis afetos à função de alojamento local para o mercado de habitação. Não estou com isto a tocar nas licenças atribuídas...
[Não mexe] nas que já existem.
Não estou a tocar nas que existem. Para isso temos, aliás, um programa voluntário em que a câmara se dispõe a arrendar aos proprietários essas casas, para reduzir o risco que proprietário sinta. Estou a falar sobre as novas. Isto também vai ser importante para regular o setor do turismo. Isto é, para impedir que com o crescimento expectável acelerado que o turismo venha a registar após o fim da pandemia, que não tenhamos uma corrida para baixo nos preços do alojamento. Seria prejudicial para todos. Seria prejudicial para a hotelaria, seria muito prejudicial para os alojamentos locais existentes e seria, também, altamente prejudicial à função de habitação que a cidade tem que ver reforçada. E, por isso, essa é uma das primeiras medidas que apresentarei ao executivo da câmara, assim ganhe as eleições. Naturalmente, creio que o quadro legislativo também precisa de melhorias, dando mais poder aos municípios para poder regular. O que não faz sentido é câmaras e zonas com situações muito diferentes terem as mesmas regras, como hoje acontece.
Mas, nesse caso, porquê em toda a cidade, se os bairros históricos têm níveis muito altos de habitação que foi convertida para alojamento local, mas há bairros mais periféricos da cidade, chamemos-lhe assim, onde essa ocupação do alojamento local é bastante mais baixa.
Precisamente para prevenir. Para prevenir que, num novo ciclo de crescimento do turismo, essa resposta ao crescimento da procura não se faça da mesma forma que se fez neste ciclo anterior. Na cidade de Lisboa, nestes anos que passaram, fomos apanhados de forma muito rápida por uma mudança. Lembro-me quando concorri pela primeira vez à câmara de Lisboa, com o presidente António Costa, em 2013: o nosso programa era combater a crise, reduzir o desemprego. A grande Lisboa tinha uma taxa de desemprego perto de 20%. Poucos anos depois estávamos a discutir os efeitos do rápido crescimento do turismo e a transformação que isso tinha gerado na cidade de Lisboa, o investimento estrangeiro e a subida dos preços das habitações, a escassez das casas, e os preços. Por isso, esta medida destina-se a ser preventiva, ser muito clara sobre o sinal que queremos dar. Queremos mais casas afetas à função habitacional, menos casas afetas à função turística. E isto é também uma medida que protege a sustentabilidade do turismo: a resposta do lado da oferta de alojamento que nós vamos ter não deve ser feita pela expansão adicional do alojamento local. Creio que isso é uma boa medida de regulação para todos aqueles que estão interessados na sustentabilidade.
Pensa também impor limitações à abertura de novas unidades hoteleiras, por exemplo?
A limitação das unidades é um trabalho que é mais fino, mais... que ainda não foi determinada, nas alterações dos instrumentos regulamentares. Por uma razão: porque o grande crescimento do número de camas da cidade de Lisboa, nos últimos anos, não foi ao nível das unidades hoteleiras. Foi precisamente ao nível do alojamento local. Inclusive com uma mudança no mercado do alojamento local, com o aparecimento de grandes players profissionais que, ou reabilitaram prédios ou até, muitas vezes, reabilitando esses prédios, integravam-nos na oferta das unidades hoteleiras. Olhando para os dados, o grande crescimento não se fez na hotelaria, fez-se no alojamento local, nomeadamente, como aqui foi dito, nas zonas históricas.

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Vamos voltar um pouco atrás, para precisar uma coisa: não defende alterações à Lei do Arrendamento Urbano?
Naquele sentido que referiu, de condicionamento de valores de renda, não. A experiência que o país tem com esse mecanismo é profundamente negativa.
E em termos de proteção jurídica dos inquilinos, acha que está bem assim?
Há vários aspetos a desenvolver, nomeadamente a regulamentação da Lei de Bases da Habitação. Acho muito importante que esse mecanismo se faça. Eu teria sempre prudência relativamente às alterações ao regime do Arrendamento Urbano. A proteção dos mais idosos e dos mais vulneráveis já foi feita, infelizmente [as mudanças na lei] não foram feitas pelo Parlamento a tempo de evitar o que foi o drama social sobre os mais velhos que a lei da Assunção Cristas veio colocar. Veio tarde a correção, como também veio tarde a declaração do Tribunal Constitucional, que foi muito clara sobre mostrar como aquela formulação capciosa, que foi escrita na lei, de forma incrível... como essa declaração era inconstitucional.
A Agência Portuguesa do Ambiente chumbou, faz na próxima semana seis meses, a construção do aeroporto do Montijo. Na altura o Governo anunciou uma avaliação ambiental estratégica para estudar três soluções. Mas desde então para cá o processo parece estar parado. O que é que defende para o aeroporto?
Bom, em primeiro lugar defendo que o país decida. E, por isso, o Governo decidiu fazer uma avaliação ambiental estratégica...
Mas está parada, não está? Nunca mais aconteceu nada.
Estará em escolha da empresa para fazer essa avaliação ambiental. E depois seguir-se-ão os trabalhos.
São muito lentos estes processos. Há seis meses anunciou o Governo a avaliação ambiental estratégica...
Há 60 anos decidiu o Governo de então começar os estudos sobre a localização do aeroporto. Quem quiser ler o decreto de Marcelo Caetano sobre a construção do novo aeroporto de Lisboa tem ali todo um tratado da incapacidade do país em decidir sobre uma infraestrutura estratégica. E está lá tudo.
Mas ouçamos Fernando Medina.
Em primeiro lugar é preciso avançar nesse processo para tomar uma decisão. Já conhecemos muito bem os limites do aeroporto Humberto Delgado. Eu assisti num mandato autárquico à duplicação do número de passageiros no aeroporto, tudo isto aconteceu no espaço de pouco mais de um mandato - cerca de seis anos. A situação a que se chegou, com mais de 30 milhões de passageiros, é absolutamente insustentável. Não pode haver nenhuma solução de futuro para a capacidade aeroportuária na região de Lisboa que não implique a progressiva redução da utilização do aeroporto Humberto Delgado. Não há solução que eu defenda, que eu aceite, para o aeroporto Humberto Delgado, que passe nem pelo seu crescimento nem pela manutenção da sua capacidade. A solução de futuro, quer seja Alcochete, quer seja Montijo - e aí aguardo os resultados da avaliação ambiental estratégica - tem que implicar o não crescimento do aeroporto Humberto Delgado numa primeira fase e a redução numa segunda fase.
Até ao seu encerramento?
Deixe-me ficar nesta formulação. Significa uma posição muito clara. Nós não aguentaremos, não deixaremos, não ficaremos calados se alguém achar que vamos ter uma progressão do crescimento do número de voos noturnos e ou diurnos à escala daquilo que tivemos na época pré-pandemia. Isso é de todo insustentável.
Será no próximo mandato que assistiremos à proibição da circulação de automóveis na baixa da cidade?
Constará do nosso programa eleitoral a introdução de zonas de emissões reduzidas - como apresentei este mandato, e que depois suspendemos a aplicação durante o período da pandemia - porque é absolutamente essencial para a recuperação das zonas e para fazemos a nossa parte no combate às alterações climáticas. A nossa aposta de futuro é mais transporte coletivo sustentável, menos dependência do transporte individual. Qualquer medida de estímulo ao transporte individual na cidade de Lisboa parece-me profundamente negativa. Acho uma linha completamente contra o tempo a que ouvi na candidatura do PSD, de propor, de estimular, a utilização do carro privado dentro da cidade de Lisboa. Acho isso completamente contrário à nossa obrigação, política e moral, com as atuais e com as futuras gerações, que é sermos consequentes com a ação climática.
Estamos às portas do Congresso do PS. António Costa está reeleito. O próximo Congresso será em 2023, mas já disse que cumprirá o mandato em Lisboa até ao fim, se for reeleito presidente. Pergunto-lhe se isso quer dizer que a sua candidatura à liderança do PS fica para 2025?
Não, não quer dizer isso. Quer dizer que cumprirei o meu mandato como presidente de câmara integralmente, com muita honra, com muito orgulho até 2025.
E depois de 2025? Haverá um terceiro mandato?
Até 2025 vamos falar várias vezes...