O Governo que resulta de uma remodelação que não aconteceu

O politólogo e historiador António Costa Pinto diz que o terceiro governo de Costa é mais político e antecipa uma centralização de poderes no primeiro-ministro.

É um dos mais ouvidos investigadores de ciência política em Portugal, com produção de conhecimento em áreas específicas sobre a história dos autoritarismos ou a construção europeia. Nesta conversa faz raio-X às opções de António Costa e antevê o que possa vir a ser esta legislatura.

O Governo que vai iniciar funções é a task force para recuperação?
Inegavelmente, tem algumas características a que estamos habituados e outras diferentes. Trata-se de um Governo que, no fundo, sucede a uma remodelação que não existiu, como é evidente, com a dissolução do Parlamento e com eleições antecipadas. Não se concretizou após seis anos de governação socialista. As eleições antecipadas e a maioria absoluta mudaram quase tudo, mas não exatamente a composição do Governo. O que temos, é um Governo que reforça bastante a sua componente política, é um governo cujos ministros, em parte, são produto de uma remodelação que não existiu, ou seja, temos um número significativo de ministros que se mantêm, temos ministros que mudam de pasta - como é o caso do ministro João Cravinho - isto remete para uma remodelação que não existiu e, depois, temos o reforço da componente política e da experiência política dos governantes. Os ministros têm, na maior parte dos casos, uma experiência de governação anterior.

Diria que as inovações estão, sobretudo, no ministério das Finanças. A tradição dos governos, quer de centro-esquerda, quer de centro-direita, em Portugal, era a de escolher para ministros das Finanças especialistas com uma carreira fundamentalmente técnica, mesmo que pertencendo à bolsa de independentes dos dois grandes partidos, PSD e PS. É o caso, por exemplo, do atual governador do Banco de Portugal que colaborou no programa do governo socialista, que participou até na campanha eleitoral, mas que vinha justamente com um perfil desse tipo. Desta vez, e não diria pela primeira vez, vamos ter um ministro das Finanças que é um político profissional e que chega ao Ministério das Finanças depois de ter o habitual percurso que vem da Juventude Socialista, da direção do partido, de gabinetes, de secretários de estado, de ministérios diversos, da presidência da Câmara Municipal de Lisboa e entrada no Governo enquanto Ministro das Finanças.

Essa inovação nas Finanças compreende riscos, por ter um perfil mais político e ser o político que perdeu a Câmara de Lisboa?
Vai depender muito da conjuntura internacional e de eventual crise que Portugal vai atravessar, mas creio que significa, fundamentalmente, é que a coordenação entre o primeiro-ministro e o ministro das Finanças será muito maior. Mas também significa que o habitual efeito travão do ministro das Finanças em relação ao governo e ao primeiro-ministro, vai diminuir, ou seja, vai exigir uma ligação próxima, permanente e constante, entre o primeiro-ministro e o Ministro das Finanças.

Isso só é possível porque os tempos que vivemos também são de algum alívio nas regras orçamentais que chegam de Bruxelas?
Diria que algum alívio das regras orçamentais que chegam de Bruxelas vão ser rapidamente, para utilizar uma expressão banal, "comido" por prioridades no que toca à defesa, aumento na despesa, aumento de taxas de juro com problemas de dívida, ou seja, reconheçamos que, embora sem alteração - tanto quanto sabemos -, do PRR e dos fundos que vão continuar a chegar a Portugal, a conjuntura não é seguramente uma que permita grandes flexibilidades orçamentais.

Dentro das inovações que outra destaca neste governo?
A outra inovação é a relação com o partido e com a elite socialista associada a Costa. Tem sido muitas vezes sublinhada a integração dos três possíveis sucessores no governo, mas a verdade é que parece significar que, com maioria absoluta, há uma característica de Costa que não marcou anteriores governos de maioria absoluta, nomeadamente de Cavaco Silva e do Partido Social Democrata. António Costa não subestima o Partido Socialista, Costa recruta ministros diretamente da profissão política, e não digo isto com nenhuma acrimónia. Esta é a norma da maior parte das democracias europeias, ter ministros que são políticos. Creio que Costa tem interrompido uma tendência dos primeiros-ministros para escolherem muitos independentes que não venham diretamente do partido. Aqui, e voltando à ideia da task force, este é um governo que tem uma solidez de experiência política maior, vamos ver de que intempérie poderá sofrer, mas a verdade é que, pelo menos, a ideia foi essa.

Mesmo com a saída de ministros como Pedro Siza Vieira, Augusto Santos Silva ou Alexandra Leitão?
Pedro Siza Vieira era, como é sabido, da confiança pessoal do primeiro-ministro e era muito mais que ministro da Economia. Agora Costa oferece a pasta da economia a um técnico, mas com ideias para a modernização da economia portuguesa e para opções estratégicas. Mas não vamos subestimar os ministérios mais importantes do ponto de vista político e a ministra Mariana Vieira da Silva, evidentemente, é da estrita confiança política do primeiro-ministro. Ou seja, esta dimensão ministro da Economia, o aparecimento e recrutamento de alguns ministros independentes e sem carreira política, não esconde que António Costa quer, efetivamente, um governo mais operacional, um governo com maior experiência política e, diria até, que o encerramento de alguns ministérios no antigo edifício da CGD - que ainda o é, na verdade, mas que vai ser aproveitado em parte pelo primeiro-ministro para concentrar alguns ministérios -, significa uma muito maior centralização pelo primeiro-ministro da ação governamental.

Durante muitas décadas vivemos com a ideia de que o governo estava no Terreiro do Paço, mas este primeiro-ministro tentou incutir na opinião pública a ideia que era necessário descentralizar, sair de Lisboa para Lisboa é colocar isso em causa?
Diria que temos uma dimensão menos política, no sentido da relação entre o governo, a sociedade, a eventual regionalização, a própria diversidade interinstitucional da democracia portuguesa, mas confessemos uma dimensão mais tecnocrática de racionalidade governamental. Ou seja, num certo sentido, isto remete para a modernização administrativa do governo, a utilização de economias de escala e, evidentemente, uma maior concentração. Se o vai conseguir ou não, vamos ver. Mas há várias dezenas de anos que não tínhamos uma dinâmica de reforma administrativa da estrutura governamental e este pode ser um primeiro passo.

O próprio primeiro-ministro, António Costa, terá um gabinete na sede da Caixa Geral de Depósitos, onde ficarão esses ministérios. A concentração de poderes no próprio António Costa revela alguma mudança ou tentação fruto de uma maioria absoluta?
Os primeiros-ministros em Portugal, independentemente de serem do Partido Socialista ou do Partido Social Democrata, caracterizam-se por uma dinâmica de centralização que é interessante em comparação. Como é sabido, existe uma dinâmica eleitoral quando se formam governos em democracia, de uma separação entre o partido no Governo e o partido no Parlamento. Ou seja, a tendência natural entre os primeiros-ministros - e Cavaco Silva marcou muito essa dinâmica -, foi a de dirigir o partido a partir do governo. Portanto, concentrar na governação a direção política do país e, por outro lado, uma centralização na figura do primeiro-ministro, ou seja, em Portugal, mesmo os ministros políticos não têm autonomia política. E especulou-se muito sobre o ministro Pedro Nuno Santos como tendo, digamos, a rivalidade partidária no interior do governo. Isso nunca tem acontecido em Portugal, mas creio que Costa, com este passo e governo, reforçou mais essa dimensão. Ou seja, a centralização e a unidade de ação política do governo. É muito provável que gafes políticas de ministros, estruturas de assessoria de comunicação estejam agora, eventualmente, mais centralizadas na Presidência do Conselho de Ministros e não quero, evidentemente, apostar nestas brincadeiras, mas provavelmente na ministra Vieira da Silva.

Costa terá feito bem em chamar os adversários para perto de si?
Muitas vezes há a tendência, sobretudo nos grandes partidos, para pensar em segmentos mais à esquerda ou mais à direita no interior do Partido Socialista e, por exemplo, Pedro Nuno Santos foi muitas vezes associado a isso. Tudo o que conhecemos - mais sobre o Partido Socialista do que sobre o PSD -, é que o PS tem uma estrutura de fação menos presente e tem uma dinâmica de centralização, sobretudo quando está no governo e no poder, bem mais evidente. No caso do PSD, evidentemente, isto é ligeiramente diferente, mas não estamos a falar no PSD. Diria que o que se vai passar é uma transição mais pacífica à sucessão política de António Costa, agora com um governo de maioria absoluta. É sabido que existem clivagens no interior do partido, mas neste momento, parece perfeitamente claro que Costa também pensou nisso, quando integrou os três de quem se fala na estrutura de governo.

Nesses três inclui apenas Mariana Vieira da Silva, Pedro Nuno Santos e Fernando Medina, ou há espaço para Ana Catarina Mendes?
Haverá, sem dúvida, espaço para Ana Catarina Mendes. Qualquer estudioso da vida interna dos dois grandes partidos observa duas coisas e há uma diferença importante que gostava de sublinhar: o Partido Socialista é muito menos permeável a invasões do exterior. Os secretários-gerais e candidatos a primeiro-ministro, vêm do inner circle do partido. São políticos profissionais que nasceram no PS. Portanto, Ana Catarina Mendes claro, e outras figuras que possam aparecer no futuro, pois o PS tem mais quadros destes do que possamos imaginar.

Costa prometeu um governo mais enxuto e cortou dois ministros, defraudou as expectativas? Poderia ter ido mais longe?
Formalmente, diminuiu, mas observamos muitas vezes em termos de análise, que os políticos são sensíveis, de vez em quando, a este tipo de dinâmica e utilizam muitas vezes este tipo de linguagem de governo mais enxuto, governo mais pequeno. Mas a verdade é que quando chegam ao governo tem, no geral a pressão do aparelho partidário para constituir gabinetes, para constituir assessores, portanto, os governos mais enxutos são, muitas vezes - quer por questões de eficácia, quer pelo facto de muitas vezes terem um fraco número de conselheiros de alta competência técnica - não só maiores, como todas as promessas de ter gabinetes pequeninos se transformam, na maior parte dos casos, em gabinetes bem mais extensos.

O PS pode reabilitar a má fama das maiorias absolutas?
A má fama, neste caso, da primeira maioria absoluta do Partido Socialista que, também, agora que estaremos a celebrar daqui a alguns anos, 50 anos de democracia, convém salientar que a maioria absoluta do Partido Socialista ficou ensombrada, sobretudo, com o segundo governo de Sócrates e, evidentemente, com o destino político e judicial deste ex-primeiro-ministro. A primeira maioria absoluta do Partido Socialista, que teve, aliás, uma dinâmica reformista mais significativa do que ficou na memória da opinião pública - porque, naturalmente, muito associada à governação de Sócrates, quase desapareceu o seu primeiro governo -, mas a verdade é que há aqui uma correlação interessante entre as duas maiorias absolutas do PS. Enquanto o PSD, com maioria absoluta ou com governos de coligação, teve governações muito mais estáveis, se verificarmos, as duas maiorias absolutas do PS são produto de uma conjuntura de crise que veio de surpresa.

A maioria absoluta do PS, sabemos o que é que a forçou, muito ligada a uma ida para Bruxelas, a uma dissolução antecipada da Assembleia da República e, curiosamente, a segunda maioria absoluta é provocada por uma dinâmica de crise provocada pelo Partido Comunista Português e pelo Bloco de Esquerda e, também, por uma movimentação eleitoral que foi surpreendente.

Não é seguro que as maiorias absolutas do Partido Socialista se consolidem, mas é verdade que, e sob o ponto de vista de formação de governos, o Partido Socialista conseguiu hoje ser, em parte, o que o Partido Social Democrata foi no passado da democracia.

Hoje em dia, a direita tem um fracionamento de representação parlamentar que coloca o Partido Social-Democrata em sérios problemas, esse sempre foi o dilema do Partido Socialista durante quase 40 anos de democracia. Vamos ver se o centro-esquerda e o centro-direita vão ficar mais parecidos nos próximos anos de democracia portuguesa.

A geometria parlamentar com o PSD, ainda incapaz, e o Chega e a Iniciativa Liberal a poderem falar mais alto nos próximos quatro anos, permitirão a António Costa continuar a dizer que com o Chega não fala?

Tudo vai depender da consolidação destes dois partidos, sobretudo do Chega. Convém não esquecer que, embora não tenhamos ainda um estudo pós-eleitoral, acho que toda a prudência é pouca para os fatores de explicação que levaram a estas transferências de votos para o Partido Socialista e que lhe deram a sua maioria absoluta. Porém, o receio de alianças e compromissos entre o Partido Social Democrata e o Chega estiveram, provavelmente, nessa base. Mas seria muito prudente nesse ponto de vista, porque tudo vai depender da evolução do Chega e da sua mensagem política.

Para já, o grande desafio do Chega está à direita do espetro político, o grande desafio do Chega está no PSD - o PS não vai sofrer esse desafio. Embora, a curto prazo, sob o ponto de vista formal, a estigmatização do Chega, provavelmente, vai sofrer várias contradições, é inerente ao funcionamento de um sistema político democrático. A teoria e a prática política da estigmatização e do isolamento, em princípio, não é compatível com o funcionamento de um sistema político democrático.

Mas acredita que vá acontecer alguma coisa de relevante no Parlamento nos próximos quatro anos ou, pelo menos, nos tempos mais imediatos?

Seria relativamente prudente apenas por um ponto que é fundamental: as lições que temos do passado, o efeito surpresa que temos. Muitas vezes, as dinâmicas de crise e as atitudes da cidadania surpreendem-nos. No caso desta maioria absoluta do Partido Socialista, duas semanas antes, nem António Costa sonhou que a iria ter. Mas quando observamos o que se passou, por exemplo, com Durão Barroso, há sempre dimensões, quer nacionais, quer internacionais, quer dinâmicas de crise, que podem provocar, por exemplo, coisas como estas eleições antecipadas que poucos previam, apesar de ser um governo minoritário.

Diria que vamos ter, muito provavelmente, um governo estável para os próximos quatro anos, mas reconhecemos que este governo atravessa conjunturas inesperadas. O impacto da invasão da Ucrânia e das mudanças a curto prazo na União Europeia podem introduzir dimensões muito inesperadas na democracia portuguesa.

A guerra na Ucrânia vai alimentar ou vai enfraquecer os autoritarismos que estavam em crescimento na Europa, mesmo em alguns regimes de génese democrática?

Esta invasão da Ucrânia tem três consequências sob esse ponto de vista: a primeira, e muitos têm falado da relação de Putin com os partidos de direita radical (com a senhora Le Pen, com o senhor Salvini, etc.), mas estes partidos de direita radical populista, são partidos que existem graças a dinâmicas nacionais. Não serão as alianças ou as fotos da senhora Le Pen com Putin que fazem ditar o futuro do Vox, da senhora Le Pen, ou de Salvini em Itália. Portanto, sob esse ponto de vista, não é de crer que tenha uma consequência imediata.

Sob o ponto de vista de alguns regimes políticos da União Europeia que sofriam até agora alguma condicionalidade, o caso da Polónia e da Hungria, o efeito pode ser misto, ou seja, por um lado, a posição geoestratégica da Polónia e da Hungria - para dar apenas um exemplo de dois regimes, digamos, complexos em termos de qualidade da sua democracia -, que pode obrigar a atitudes mais pragmáticas da própria União Europeia, tendo em vista que estarão na frente política da NATO em relação à Rússia e, portanto, o impacto pode ser misto e acho que temos de colocar aqui um ponto de interrogação.

Em terceiro lugar, não é de esperar que esta unidade, inclusivamente das opiniões públicas, em relação àquilo que é a solidariedade e àquilo que se pode chamar a nova ameaça russa (porque é percecionada como uma nova ameaça à União Europeia), mais tarde vai provocar, evidentemente, novas clivagens. Sobretudo, quando a União Europeia tiver - e aliás já está a fazê-lo - de reforçar as suas políticas de defesa e, provavelmente, elementos de maior convergência política, económica e de defesa.

Essa viragem da Europa para a capacidade militar, que na história europeia nunca tinha sido muito valorizada, pode mudar o rumo da construção europeia? E de que forma pode incentivar ou desmotivar os candidatos à adesão?
O futuro a curto prazo é relativamente incerto, creio que é preciso termos grande prudência. O Reino Unido, por exemplo, saiu da União Europeia e estava a ensaiar estratégias, inclusivamente de convergência económica e de defesa, de uma forma mais global, na Ásia e com os Estados Unidos. O Reino Unido é, a par de França, parte das duas únicas potências militares regionais que a Europa tem.

Que tipo de convergência no quadro da NATO irá existir entre a União Europeia e a estrutura de defesa NATO? Que tipo de autonomia terá, por exemplo, a formação de defesa mais ligada à União Europeia enquanto tal? Há algo que parece ser quase inevitável: primeiro, foi a pandemia, agora será a ameaça russa, porque é de facto uma ameaça autoritária à União Europeia e que, provavelmente, vai exigir maior convergência de decisão e, inclusivamente, alguma transferência de poderes para a União Europeia. Mas, evidentemente, tudo isto é um pouco incerto.

Estamos a iniciar a celebração dos nossos quase 50 anos de democracia. Há aqui um dado que é estatístico: quem tem hoje até aos 49 anos nunca viveu em ditadura, estamos a falar de quase dois terços da população portuguesa. Para esses, a democracia, vista nos dias de hoje, é uma coisa boa ou é uma desilusão?
Para essas gerações, a democracia é, sobretudo, um dado adquirido. O estudo de opinião que foi realizado há alguns dias sobre as atitudes da juventude perante os partidos e, sobretudo, perante a democracia e o 25 de Abril, é interessante sob esse ponto de vista. Ou seja, todos os que nasceram a seguir ao 25 de Abril têm dele uma imagem positiva e têm da democracia também, enquanto forma de sistema político, uma imagem positiva. O que não quer dizer, no entanto, que participem nela e não tenham dinâmicas de desconfiança em relação ao seu funcionamento. Mas este estudo é interessante porque demonstra que não há grandes clivagens geracionais em relação às atitudes perante a democracia portuguesa.

Também não vale a pena pensar, e é um pouco uma ilusão que as celebrações têm - e peço desculpa de ser muito realista, mas fazemos estudos todos os dias sobre isto -, de que quanto mais se impregnar uma sociedade de valores democráticos, mais democratas teremos. Não é verdade, feliz ou infelizmente, isto não é verdade.

Qualquer sociedade democrática tem segmentos que expressam valores autoritários, que expressam valor antipartidos, que não confiam nos parlamentos, que acham que um país deve ser governado por uma personalidade forte, etc. Tudo remete muitas vezes, de uma forma mais instrumental, para a capacidade de uma elite democrática de devolver bens sociais a uma sociedade, ou seja, infelizmente, fazer aquilo que a democracia, por si só, não consegue fazer, que é aumentar a riqueza, aumentar o estado social e aumentar a qualidade de funcionamento da própria democracia.

Sou bastante cético sobre esse tipo de atitudes e de discurso, o que não quer dizer que no caso português, reconheçamos, 50 anos de funcionamento de regime democrático. Até agora sofremos muitas poucas crises reais como conhecemos em muitas democracias europeias, que tenham provocado grande disrupção no funcionamento do sistema como, por exemplo, maio de 1968, em França, as dinâmicas de terrorismo político da democracia italiana, a implosão do sistema partidário. Reconheçamos que, sob esse ponto de vista, a democracia portuguesa com todas as suas muitas dimensões de fraca qualidade da democracia e, sobretudo, uma ausência total de reformas políticas por parte da elite política, como a reforma eleitoral, no fundamental, a democracia portuguesa tem conseguido, mesmo em termos de crises económicas, sociais e outras, resistir bastante bem.

Vai fazer bem comemorar meio século de democracia durante quatro anos?
Vai fazer bem. Evidentemente, estas comemorações salientam e consagram um ponto: a democracia portuguesa, ao contrário da espanhola, por exemplo, foi uma democracia baseada na construção de valores democráticos. Ou seja, a elite política fundadora da nossa democracia, a dimensão de rutura do 25 de Abril, foi sob esse ponto de vista muito importante, até pelo facto de muitos poucos setores do autoritarismo se terem reconvertido à democracia. O que, aliás, as pessoas veem como uma coisa boa, não é uma coisa má.

O facto de a direita franquista se ter convertido à democracia ou de a esquerda comunista de muitos países da Europa Central e Oriental ter feito o mesmo, é uma coisa boa - e não má. Mas a verdade é que estas celebrações são, pelo menos, ritualizações, que ajudam a que as dimensões de revisionismo estejam menos presentes na sociedade portuguesa. Agora, existirão algumas polémicas, por isso, enquanto celebrações oficiais, elas deverão ser o mais abrangentes possível.

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