"Foi ele que me disse: eu vou ser candidato à Câmara Municipal de Lisboa, e penso que seria excelente se conseguíssemos um entendimento entre o PCP e o PS." Carlos Brito, antigo dirigente do PCP, não esquece a aproximação que Jorge Sampaio promoveu numa candidatura inédita à Câmara de Lisboa. Não foi nada fácil vencer os preconceitos dentro do Partido Comunista, admite, mas Jorge Sampaio foi o símbolo do "aplanar das dificuldades". Por esse e outros motivos, o antigo dirigente comunista caracteriza o antigo autarca e Presidente da República como "uma das maiores figuras da nossa democracia ", manifestando, por isso, um "profundíssimo desgosto" pela sua morte.
Uma "visão muito humana dos problemas, uma procura de consenso, sobretudo à esquerda", o "máximo da facilidade" de diálogo eram alguns dos seus traços, salienta Carlos Brito, invocando a capacidade de Sampaio de chegar a acordos.
Mais tarde, uma nova aproximação. Sampaio convidou Carlos Brito para um jantar quando se ia candidatar à Presidência da República. "Faz uso desta informação junto do PCP." E assim foi. É o que leva o dirigente comunista a dizer: "Não podemos ter um Presidente mais à esquerda em Portugal."
"Faz muita falta à nossa democracia. O PS vai sentir esta grande perda. É uma perda para toda a esquerda e democracia portuguesa."
João Soares reitera. Não esquecendo que Jorge Sampaio foi um "homem de contrastes de personalidade muito marcantes", como, todos os homens, "zonas mais luminosas e menos luminosas", o antigo ministro lembra a "audácia" do antigo Presidente da República, que conheceu mesmo antes do 25 de Abril, quando ainda era um "jovem miúdo".
"Foi sempre muito amigo dos seus amigos", realça também, com tristeza pela morte de Jorge Sampaio, cuja memória quer "honrar".
A antiga diplomata Ana Gomes garante que a perda pertence a "todos nós portugueses", por ser Sampaio "um homem de solidariedade, um homem exemplar", que defendeu "as ideias do socialismo, combateu o confronto de civilizações".
Ana Gomes lembra o antigo Presidente como "um grande homem e exemplar socialista". Entre as obras que Sampaio deixa, a eurodeputada lembra o um artigo no Público sobre a crise no Afeganistão, lembrando que é um dever ajudar, um dever que decorre da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Por isso, esta "referência moral e política" fará "uma falta tremenda", não só por ser um "homem de esquerda e socialista", como "reconhecido pela sua integridade e combate por toda a Humanidade".
"Representava tudo isso: um exemplo radioso de coerência, de integridade, do sentido de justiça e de intervenção ética, um ser humano inteiro", sublinha Ana Gomes.
Eduardo Barroso, médico pessoal de Jorge Sampaio num dos seus mandatos enquanto Presidente, sabia que a morte "ia acontecer a qualquer momento mas nunca estamos preparados".
"A minha relação com ele não tem nada de político, era uma colaboração humana", salienta o médico, dizendo também que "tratá-lo por tu era dos maiores privilégios" da sua vida. Aponta-lhe a "grande seriedade e incorruptibilidade", e lembra o episódio em que voltou ao hospital Curry Cabral, passou por Belém para lhe contar, e o Presidente, em lágrimas, pelo retorno ao SNS, deu-lhe um abraço. "Ele ficava orgulhoso pelo seu amigo por ter voltado para o SNS."
Eduardo Barroso garante ter três amigos da política absolutamente exemplares, entre os quais Jorge Sampaio e Marcelo Rebelo de Sousa. "É um prazer ter a amizade de Jorge Sampaio, um grande orgulho", diz, lembrando a "muita cumplicidade em muitos aspetos da vida banal" com o "grande político, que sabia muito bem a distância".
Na memória ficam muitas viagens, muitas conversas, a invasão policial do Sporting - Arsenal, antes do 25 de Abril.
Foi precisamente pelo pré-25 de Abril que Alberto Martins o recordou: pela presença do MES. Sampaio era, para Alberto Martins, uma "grande figura política e humana", capaz de "integridade e humanismo" e "um dos símbolos da resistência à ditadura".
Com o antigo Presidente, tinha "uma relação de grande afinidade", e sublinha-lhe a "personalidade invulgar de integridade e humanismo, a tentativa de estabelecer o diálogo, a compreensão cívica". Numa deslocação à China, Jorge Sampaio promoveu um minuto de silêncio que passou em todos os telejornais chineses, de forma subalterna. "Esse episódio teve repercussões."
Alberto Martins também rememora uma intervenção muito importante de Jorge Sampaio, ao lado de Jaime Gama, Guterres, na libertação de Timor-Leste. José Ramos-Horta, resistente em Timor-Leste diz sentir "muita tristeza" pelo óbito de "uma das grandes figuras europeias e de Portugal", muito alinhada "com as causas justas de liberdade e de Timor-Leste".
Conheceu-o muito jovem, antes mesmo de ser presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e com Sampaio partilhou o momento de receber o Nobel, em Oslo.
Neste momento em que o antigo chefe de Estado parte nesta "viagem sem regresso", José Ramos-Horta garante que "orgulhou os países da comunidade de língua portuguesa".
Francisco George, antigo diretor-geral da Saúde, foi amigo de Jorge Sampaio e elogia-lhe o "exemplo de integridade, de cultura, de homem que fomenta a cultura democrática", bem como a "dedicação ao país e ao seu povo". A luta contra os governos de Salazar e Marcelo Caetano é também referida, mas o que Francisco George prefere enaltecer é o papel de Sampaio, depois de ter sido Presidente, à frente da luta contra a SIDA e contra a tuberculose, bem como o trabalho de escrutínio num ato eleitoral presidindo a uma mesa de voto enquanto voluntário. Foi a sua forma de "dar o exemplo da cultura democrática, a começar pelos votos". Jorge Sampaio é, para o antigo DGS, "um exemplo do que deve ser um democrata".
Ana Catarina Mendes, líder parlamentar do PS, evoca o "homem sem medo", o "humanista empenhado na luta dos direitos humanos", e garante que não só o PS está triste; Portugal está "de luto".
Francisco Louçã, do Partido Socialista Revolucionário nos anos 1990, ressalva que Jorge Sampaio constituiu uma "figura determinante e um dos fundadores da democracia", uma pessoa que "estabelecia pontes". Acreditava, nas palavras de Louçã, "nas relações abertas da democracia contra a ditadura".
A par de Carlos Brito, o antigo dirigente do Bloco de Esquerda rememora o momento em que Sampaio se aproximou do Partido Socialista, formando uma coligação vencedora. Foi a "primeira geringonça de Portugal", num momento em que essa configuração política parecia "implausível e até então impossível".
Jorge Sampaio quis quebrar cânones, não pela ambição política, mas pelos projetos que tinha para a cidade, que então viveu circunstâncias marcantes e redefinidoras, com o envolvimento de personalidades diversas em políticas públicas.
Para Pedro Marques Lopes, o nome de Jorge Sampaio "vai ficar inscrito a letras de ouro" na História, como uma personalidade "a quem todos nós devemos muito".
Uma figura maior da nossa democracia, um lutador pela causa democrática antes do 25 de Abril e alguém que neste momento da História que merece ser lembrado por ser um homem de pontes, Jorge Sampaio é lembrado como alguém que "acreditava convictamente que a democracia era um regime de soluções conversadas", sendo esse um traço distintivo da carreira política de Jorge Sampaio.
"Foi o grande inventor da geringonça", rememora Pedro Marques Lopes, que lhe enaltece ainda a multidisciplinaridade e o Renascimento da sua obra. Gostava de futebol, tinha sentido de humor e também teve a coragem de arriscar, com a demissão de Santana Lopes. Mas, acima de tudo, "o homem que inventou a frase '25 de Abril sempre' merece ser o 25 de Abril".
Edite Estrela diz ter perdido um amigo e um exemplo de vida, uma voz respeitada, que se destaca de um "pequeno grupo dos eleitos com vida política longa e referencia política". Jorge Sampaio tomou decisões muito difíceis, "soube interpretar o sentimento nacional no Governo de Santana Lopes, percebendo que aquela solução política estava esgotada", refere. O antigo chefe de Estado é visto assim como um "consultor do nosso edifício democrático".
Já António Colaço não esquece o percurso de Sampaio como deputado, cujas "intervenções fulgurantes" marcaram um lado "afetivo da política".
"Fez política com alma" o antigo Presidente que morreu esta sexta-feira.
Manuela Ferreira Leite sublinha que estivemos, neste dia como nos outros, perante um político diferente, próximo das pessoas, "afetivo e sensível" mas discreto. A antiga primeira-ministra, que é também vice-presidente da plataforma global para estudantes sírios, criada por Jorge Sampaio, realça que o antigo Presidente "fazia um tipo de política que atualmente se vê pouco" e sem querer "servir-se dela".
"Um dia resolveu sair do seu conforto para ir servir os outros de forma discreta, eficaz e muito competente", assinala a social-democrata, que recorda um adversário político com "grande sentido de responsabilidade e respeito pelos outros, pela oposição e pelos que não concordavam com ele".
Mais do que político, Sampaio foi também pessoa e amigo. E, nesta última natureza, especialmente próximo do histórico socialista Vera Jardim. Durante mais de 60 anos, andaram lado a lado. O percurso começou na faculdade de Direito, para a qual entraram "no mesmo dia" e que os viu procurarem, juntos, a sala de aula.
Tiveram um escritório de advogados e entraram juntos - também no mesmo dia - para o PS. "Foi toda uma vida, de 60 e tal anos, em que tivemos relações muito íntimas, quer familiares, quer profissionais, quer políticas. É um desgosto muito grande, é uma parte da minha vida que se vai com o dr. Jorge Sampaio", confessa Vera Jardim.