"Imagem de Portugal no mundo é muito melhor do que se pensa"

Em entrevista à TSF e ao DN, António Calçada de Sá, que também lidera a Câmara de Comércio Portuguesa em Espanha, afirma acreditar que as relações comerciais entre os dois países estarão normalizadas durante o próximo ano e admite que, apesar de "importante", a ligação por TGV entre Lisboa e Madrid seja ultrapassada por outras prioridades de investimento.

O Conselho da Diáspora Portuguesa fez oito anos em dezembro e o senhor é um dos membros fundadores. Para que quem nos leia possa perceber bem o vosso trabalho, pode dar-nos exemplos práticos daquilo que conseguiram, ao longo de quase uma década?

É um privilégio e é uma responsabilidade, enfim, acrescida poder ser o novo presidente do Conselho da Diáspora Portuguesa. O que é que nós conseguimos? Eu penso que há um legado importante, feito ao longo destes anos e que foi tentar, de certa maneira, reativar, pôr em contacto e melhorar esse ecossistema de portugueses que estão espalhados pelo mundo e em responsabilidades diferentes. No mundo académico, científico, mas também no mundo da cultura, das artes, no mundo empresarial. Portanto, penso que foi uma grande iniciativa, que depois teve o seu desenvolvimento e aqui há um reconhecimento que devo fazer a Filipe de Botton, meu antecessor, pelo seu trabalho, mas também da equipa que o acompanhou desde a fundação. Por isso, fizemos, de facto, muitas coisas. Conseguimos identificar portugueses que, se calhar, já não tinham tanta relação com Portugal e com as nossas instituições. Conseguimos três momentos que eu diria que são muito especiais para a diáspora portuguesa no mundo. Um é normalmente um encontro que se costuma fazer, na altura de verão, e que se chama Summer Meeting da Diáspora. Depois, um evento muito interessante que é o Euro África Fórum, do qual já houve três edições. Enfim, agora com esta questão sanitária, ainda estamos a ver como é que vamos conseguir desenhar e acertar esse formato final, de modo a atrair empresários europeus, de Portugal, de Espanha, de África. Depois temos o encontro anual que é o Annual Meeting, que costuma realizar-se no final do ano, normalmente à volta dos dias 20, 21, 22 de dezembro, que também tem, digamos, um certo interesse. E isto é o que foi feito. E, agora, se calhar, o interessante é pensar no que é que que vamos fazer.

Foi eleito em maio e por unanimidade para a presidência do Conselho da Diáspora. Já definiu as metas que pretende atingir ao longo deste mandato, falando então um pouco mais do que aí vem?

Aprendi, ao longo da minha carreira profissional, que a primeira coisa é receber bem os legados e, portanto, construir sobre aquilo que se recebe. A nossa ideia é manter o que temos e que estamos convencidos de que são, digamos, eventos que vale a pena reforçar e, portanto, faremos isso. E, depois, aproveitando também o facto de que, estando fora de Portugal há tantos anos e tido a oportunidade que eu tive de me vincular a uma Câmara de Comércio, da qual sou presidente também, desde há já uns anos, e tendo uma função executiva numa grande companhia como a Repsol, penso que nós agora vamos potenciar esse networking externo. Que é uma das coisas que eu pretendo, obviamente sempre alinhado com as nossas instituições. O nosso valor é agregar mais valor. Estaremos a pensar e a redefinir ao longo das próximas semanas um certo modelo operativo que certamente vai potenciar - e, espero, muito - aquilo que se fez anteriormente, mas que tem mais que ver com uma atividade da Diáspora nos lugares onde estão os conselheiros da Diáspora. E, portanto, em Espanha tentando, certamente, articular mais com os conselheiros que estão por cá, tentando fazer uma série de eventos que tenham interesse do ponto de vista do debate em torno à transição energética, em torno à revolução digital, à volta do que são os assuntos económicos que nos interessam. Mas também aqueles assuntos que têm que ver com cidadania, com artes, enfim... e vou procurar ver se esse networking de portugueses pelo mundo que conseguem, também eles, ser alavancas e poder, de certa maneira, potenciar mais atividade fora de Portugal. Até hoje, eu acho que a Diáspora fez muitas coisas, normalmente mais em Portugal, e vou tentar manter essas coisas, vamos manter essas coisas, mas vamos tentar fazer mais coisas fora de Portugal também.

Deixe-me fazer aqui uma pergunta agora um pouco mais pessoal. No seu caso, como é que se tornou parte da diáspora? No fundo, porque é que decidiu emigrar? Foi forçado em busca de oportunidades? Teve altos e baixos?

Eu já estou fora de Portugal há muitos anos. Sou licenciado em Engenharia Química pelo Instituto Superior Técnico e ainda estava a terminar a minha carreira no Técnico quando fui contratado pela Exxon, em Portugal era a Esso, a Esso Portuguesa. Ao fim de dois anos tive, enfim, a sorte, o privilégio, de poder ter uma função em Espanha. Posteriormente, vivi em Itália, depois voltei a Espanha. Em 1996 entrei na Repsol, estive na Repsol entre Portugal e Espanha quase quatro anos, depois estive no Brasil quatro anos, três na Argentina e estou em Madrid desde 2007. Portanto, eu diria que não foi forçado nem não forçado. Foram coisas que aconteceram. Tive a grande oportunidade de ver o mundo e de conhecer o mundo, pela minha experiência, pela minha trajetória profissional - Portugal, Espanha, Itália, América Latina, onde fui responsável pelos negócios no Brasil, na Argentina, no Peru, no México e, portanto, não é uma questão de altos e baixos. É uma questão de oportunidade, da qual me sinto um verdadeiro privilegiado. Essa é que é a verdade.

Sente que por ser português, por ter nascido em Portugal, há alguma coisa que, na nossa cultura, independentemente de onde a diáspora está, marca a personalidade da pessoa? Como é que isso se revela em si?

Essa é uma pergunta muito bonita, mas é tão bonita como complexa. Acho que o mais honesto quase é dizer "olhe, não sei". Mas vou tentar explicar o que é que eu vivi. Primeiro, acho que nós temos uma característica única. Os portugueses têm uma característica única, quando têm a oportunidade de se desenvolver, de desenvolver a sua parte profissional e, se calhar, também um pouco a pessoal, que é o nosso extraordinário espírito de adaptação. Eu costumo sempre dizer que o português chega a qualquer lugar do mundo e consegue um nível de empatia e de integração que é absolutamente admirável. Foi diferente, certamente, ao longo da história, até porque as necessidades eram diferentes e as pessoas há 50 anos ou há 80 anos viajavam por umas razões e agora vão por outras. Mas penso que esse espírito de adaptação faz parte do nosso selo de identidade. No meu caso pessoal, o que é que eu acho? Aprendi muitíssimo fora de Portugal e, quando se está tanto tempo fora de Portugal, aprendemos, também, a ser, às vezes, um bocadinho mais seletivos. Eu, por exemplo, devo dizer que admiro muitas coisas de Portugal, do nosso país que às tantas, se calhar, quando estamos no nosso país não temos a mesma opinião. Isto acontece muito. E depois acontece também outra coisa aqui, de certa maneira, acabamos por nos converter, um bocadinho, em embaixadores à força, ou seja, eu costumo sempre dizer que, quando estou fora de Portugal, se se fala de Portugal, tento, obviamente, dar a minha melhor versão e a melhor versão do meu país. Penso que isso acontece um bocadinho com todos.

Dê-me um exemplo de uma dessas características de Portugal, ou dos portugueses, que, estando de fora, dá um valor superior àquele que daria se estivesse cá.

Quando nós estamos fora temos de nos adaptar, se calhar, mostrar um pragmatismo, pois que, às tantas, algumas vezes, quando estamos em Portugal, dentro de Portugal, se calhar estamos mais confortáveis. Quanto se está no mundo anglo-saxónico, na defesa de interesses empresariais de empresas, bom, no final acaba por ter de se adaptar um bocadinho àquele ritmo. Portanto, há um pragmatismo que está lá, que está na forma e depois há, se calhar, uma maneira de fazer, que é um bocadinho a nossa e que as duas coisas misturadas eu acho que acabam por dar um bom produto. Devo dizer que tive muitos exemplos em que a forma de ser, a maneira como nós gostamos de empatizar com o mundo, uma certa vocação que nós temos quando tratamos tão bem as pessoas que recebemos, nomeadamente o turismo, em que sempre somos considerados um país que recebe muito bem... Quando se está fora, muitas vezes nas próprias relações de trabalho, nas próprias relações profissionais, eu penso que isso vem muito rapidamente ao de cima. Não é por acaso que os portugueses, os quadros portugueses que estão, enfim, espalhados pelo mundo, normalmente têm um grande nível de aceitação. Pela forma como se adaptam, mas também porque eu acho que mantêm, no fundo, um certo cunho e um certo selo, que não deixa de ser o nosso selo, também de portugueses. Isto depois tem que ver com educação e com muitas coisas.

Ou seja, falamos do mesmo quando se trata da diáspora na Europa, na América do Sul, por exemplo na Venezuela, ou em África, por exemplo em Angola? Estamos a falar desse selo comum.

Há um selo comum e depois há a realidade de cada país. Evidentemente que Londres e o Rio de Janeiro e Caracas não são parecidos. Portanto, os níveis de adaptação são os que têm de ser, no momento, e depois as pessoas representam, ou tentam representar, a sua melhor versão. Não acredito que haja uma especificação que seja assim tão transversal, mas eu sempre digo é que nesse espírito de adaptação é muito nosso, enfim, acho que fazemos valer um bocadinho essa forma em que nos conseguimos adaptar. Vejo aí sempre muito valor. Eu vivi, vivo há muito tempo na Europa, mas estive na América Latina, conheço a maior parte daqueles países e sempre senti que o português, o profissional português, o executivo, o académico, têm um nível de aceitação muito grande. Recebem sempre muito reconhecimento pela maneira como se integram, pela maneira como coabitam também.

Aquela ideia do que o português que emigra é o português ousado, é o português com coragem, com garra, e por isso é que tem tanto sucesso quando está lá fora, faz sentido? Ou seja, há os portugueses que não vão nas caravelas e há os portugueses que se arriscam a partir nas caravelas?

Se calhar há um pouco de tudo. Mas nós sempre fomos um povo muito preparado para as grandes viagens. Fizemos grandes viagens no mundo e pelo mundo e hoje continuamos a fazer isso. Não é uma questão, talvez, de ser arrojado, é uma questão de alternativas, portanto, quando se sai, eu penso que se sai com uma necessidade ou algumas necessidades e com alguma ou algumas opções. E não é algo que, quando se sai do país, porque houve uma oportunidade profissional, etc., é aquela oportunidade e, portanto, depende de onde vai parar, mas, de qualquer maneira, não vejo que isso seja tão arrojado. Se calhar, há uns anos, talvez, por outro tipo de necessidade ou de necessidades, as coisas faziam-se de uma maneira e, hoje, tem de haver outro tipo de oportunidades que aparecem pelo mundo e aí, sim, devo dizer que acho que o português, o estudante português, o profissional português, sim, está muito preparado para fazer essa viagem. Isso eu não duvido.

Há pouco falou da capacidade de os portugueses se integrarem nos diferentes países de acolhimento. Essa tradição de integração também, muitas vezes, tem o outro lado que é os laços que se vão dissipando, a língua deixa de ser falada, a relação com Portugal tende a perder-se com a segunda, a terceira geração. Por exemplo, no seu caso, isso aconteceu?

No meu caso, não aconteceu, porque eu digo sempre que tento explicar ao mundo que nasci em Caminha e que sou do Norte. Sou de Caminha, tenho lá a minha família, tenho lá a minha mãe, e depois casei-me com uma mulher espanhola e tenho um filho que nasceu em Madrid, uma filha que nasceu no Rio de Janeiro e outro filho que nasceu em Buenos Aires. No meu caso, não se perdeu a ligação. Eu sei que existem muitos casos desses e penso também que, muitas vezes, essa perda (não sei se se poderá dizer de identidade) é mais uma perda de contacto. E, muitas vezes, é o contacto físico, depois acaba por ser o contacto virtual, que também, se calhar, se vai pouco a pouco perdendo e, enfim, depois as pessoas seguem a sua vida.

Os seus filhos mantêm essa relação a Portugal, falam português, têm essa proximidade?

Claro. E passam férias em Portugal comigo e, portanto, ouvem o pai falar muito de Portugal e eles conhecem a casa deles em Portugal e onde está a avó deles em Portugal e, portanto, nós todos os anos, estando em Madrid, vivendo em Madrid, há três momentos, que são três viagens obrigatórias, que se fazem lá. E quando estava na América Latina não fazia três, mas fazia uma. Portanto, no meu caso, sim.

Considera que em Portugal ainda são muitos os que veem a diáspora como mera fonte de divisas?

Mera fonte de divisas porquê?

Para trazer remessas, trazer dinheiro para o país de origem.

Estamos a falar de um capítulo muito antigo desta história. Eu penso que não. Penso que nós, hoje, o que estamos a fazer, o que estamos a tentar fazer, e o que Conselho da Diáspora está a fazer, e o que vai fazer comigo, é ajudar Portugal em tudo aquilo que pudermos. É a nossa única missão, de cada conselheiro, no lugar onde estiver, ele vai ter - vai ter ou deveria ter - de mostrar a sua melhor versão ao serviço de Portugal. E, portanto, se for no mundo académico, se calhar, o networking com a universidade ou as universidades com as quais ele contacta, onde ele se desenvolve profissionalmente. No mundo do investimento, no mundo empresarial, das finanças, na banca, nos fundos de investimento. O que nós temos de conseguir é motivar, estimular investimento estrangeiro para que se olhe para Portugal, se veja Portugal como um território com grandes capacidades, com segurança, com capacidades físicas e intelectuais, com muita gente preparada, um país muito estável e um país onde se pode fazer investimento e ver que vai haver estabilidade suficiente para que esse investimento possa perdurar. Eu diria que não, pois, na questão das remessas. Acho que hoje já não é assim. No passado... não vivi esse passado, mas, se calhar, no passado alguma coisa assim acontecia, certamente que sim. Os meus avós foram emigrantes no Brasil. Nessa altura, partia-se porque havia uma necessidade e, sim, é verdade, as remessas, as famosas remessas dos emigrantes, eram fundamentais. Eu penso que isso, hoje em dia, embora permaneça, é diferente, e aqui estamos a falar de uma coisa que não deixa de ser muito diferente. A nossa forma, hoje, de ajudar o país, se se pode dizer assim, é, em termos de contribuição para uma diplomacia económica, de maneira alinhada, com os interesses de Portugal, de uma forma alinhada com as nossas instituições em Portugal, mas também fora de Portugal. Isto quer dizer o quê? Quer dizer que estamos alinhados com a embaixada do nosso país, com a AICEP, mas também com a Câmara de Comércio no país em questão. É um pouco isso. Essa tem sido a minha experiência aqui em Espanha. E esta é um pouco a experiência que vou querer replicar no resto dos países.

E a imagem de Portugal no mundo? Como é que a caracterizaria? É consensual ou depende muito do ponto do mundo de onde nos observam?

Devo dizer que a imagem que existe de Portugal no mundo é muito melhor do que aquela que normalmente pensamos que é, em termos médios. Penso que, nas várias vertentes, no mundo da empresa, no mundo do desporto, temos tido grandes momentos nos últimos anos, na última década, nas últimas duas décadas. Se calhar, antes, embora eu não me lembre tanto disso. Mas o que lhe posso dizer é que, pelos lugares do mundo por onde eu tenho passado, o reconhecimento a Portugal e aos portugueses é importante. Existe um respeito, existe uma consideração por aquilo que nós fazemos e, sobretudo, por aquilo que nós somos capazes de fazer no mundo. Eu tive a oportunidade de contactar com muitos portugueses, em muitas empresas, e eles estavam à frente de empresas, algumas multinacionais, estrangeiras, empresas não portuguesas, no mundo. E pessoas com um reconhecimento, que também é um reconhecimento a Portugal. E o comentário, enfim, a opinião que existe, em termos médios é muito positiva. Ou é positiva ou é muito positiva. Não sinto, não só por Espanha, onde eu agora passo mais tempo, mas há três, quatro, cinco anos eu viajava permanentemente ao Peru, México, enfim, e posso dizer que quando existe uma opinião sobre Portugal normalmente é positiva ou muito positiva.

No caso desta época que estamos a atravessar, desta pandemia, Portugal tem tido também altos e baixos. No primeiro momento fomos um país que estava a comportar-se muito bem - até por comparação com Espanha -, depois tivemos uma situação tremendamente má, entre os países com mais mortes no mundo por milhão de habitantes, e hoje estamos outra vez nos melhores da Europa. Esta realidade é percecionada como a partir de fora? Mostra fragilidade do país? O país vê a sua imagem afetada por esta gestão da pandemia? No seu caso, está em Espanha, mesmo aqui ao lado, como é que é que é visto isto?

Eu acho que Espanha não poderá ver Portugal como um mau exemplo, no caso concreto. Eu diria que, talvez, o que o que nos aconteceu foi que houve uma certa surpresa, pois, depois de um grande período e dos indicadores com uma performance tão boa, tivemos, enfim, aquele sobressalto. Esta crise sanitária trouxe elementos que são extraordinariamente complexos. Não tenho elementos para fazer juízos e não posso saber, não estava aí, portanto, não consigo saber o que é que se fez bem ou não se fez bem. A única coisa que posso dizer é que não sei qual foi o país que não falhou. Não sei qual foi o país que não teve uma surpresa depois de pensar que estava, se calhar, numa determinada fase e acabou por ter uma fase que que foi mais complexa e que piorou a seguir.

Peço-lhe agora que vista a sua pele de presidente da Câmara de Comércio Portuguesa em Espanha. A pandemia afetou de uma forma muito aguda a economia dos dois países e, portanto, as relações económicas entre os dois países. É otimista em relação à recuperação?

Sou. Sou mesmo muito otimista. Na dúvida, dir-lhe-ia que temos de ser todos o mais otimistas que pudermos. Isto na dúvida. Mas eu não tenho dúvidas. Acho que temos mesmo de ser otimistas. Pelo seguinte: porque temos duas alternativas a partir de agora, que é fazermos bem e fazermos melhor. Portanto, são essas duas alternativas. Isto pode parecer um bocadinho retórica, mas eu penso que temos uma transição energética em curso, que vamos ter de fazê-la. Sim ou sim. Se calhar, com os timings adequados e não tomar as decisões erradas, obviamente. Temos uma transição digital que vamos ter de fazer também. E temos de apostar numa economia, que queremos que seja uma economia verde, tem de ser uma economia que tem de proteger o emprego e, portanto, o futuro de milhões e milhões e milhões de pessoas. Portanto, eu acho que temos de ser otimistas porque existe uma oportunidade, temos de ver estes desafios também como uma grande oportunidade. Penso que dentro também dessa nossa capacidade de adaptação vai estar o resultado final deste desafio.

No caso concreto da relação entre Portugal e Espanha, das relações económicas entre os dois países, que tempo lhe parece que será necessário para voltarmos ao exato ponto em que estávamos antes da pandemia - isto sabendo nós que Espanha é um dos nossos principais parceiros comerciais?

Espanha é um dos principais parceiros comerciais, como cliente e também como fornecedor. Penso que isso depende um pouco também dos setores. Há setores que foram mais abalados pela crise, sendo que temos aí uma vantagem. E é o facto de termos denominadores comuns, muito importantes, entre as duas economias. Quando nós olhamos para a parte da energia, das infraestruturas, mas quando olhamos também para a parte da mobilidade terrestre, marítima ou aérea, quando olhamos para o próprio turismo... temos aí uma grande oportunidade. Quanto tempo é que isto vai demorar? Acho que a resposta mais sincera é não sei. Penso que vamos ter um resto de 2021 em que vamos recalibrar um bocadinho a situação. Penso que 2022 será um ano definitivamente melhor. E será um ano de recuperação. E depois teremos de ver também um bocadinho como é que está o mundo. Mas eu acredito que o pior já passou. Penso que o resto do ano de 2021 vai ajudar a recompor as coisas. E, a partir daí, o normal é nós voltarmos a ter essa relação, em termos de potencial que esteja num estado normal.

E como estão as relações políticas Portugal-Espanha, pegando, justamente no que descrevia há pouco, desta constante mobilidade entre os dois países? Este recente episódio, desta semana, sobre o controlo das fronteiras. Foi mesmo um erro ou refletirá algo mais, eventualmente alguma posição mais protecionista da parte de Espanha?

Em relação ao que aconteceu na última semana, eu não tenho dados, não conheço os detalhes e, portanto, com a vossa licença, abstenho-me de comentar. Não sei. Poderá ter sido talvez mais um lapso do que outra coisa. O que eu lhe posso dizer é que já há bastantes anos que estou cá, assistindo a como evoluem as relações entre Portugal e Espanha e devo dizer que, como português, que vivo em Espanha, nunca me senti tão orgulhoso das relações entre Portugal e Espanha como hoje. Porque temos uma agenda que tem grandes denominadores comuns. Penso que nós hoje, de Portugal, olhamos para a Espanha de uma maneira muito mais positiva - como de Espanha se olha para Portugal de uma maneira muito mais positiva do que antes e, portanto, devo dizer que também aí eu tenho uma visão boa, uma visão positiva. Esta relação que temos e esta relação que temos vindo a manter só vai melhorar com a passagem do tempo.

Trabalhou na Exxon, ou, como se chamava cá, na Esso. Está há muitos anos na Repsol. Deixe-me perguntar a quem está no mundo dos combustíveis: são só mesmo os impostos que todos os dias levam tantos portugueses a ir encher o depósito a Espanha? É só uma questão de impostos que faz esta diferença de preço?

Essa é uma pergunta interessante. Eu nasci numa vila que é Caminha e ainda me lembro do tempo em que a minha mãe, a minha família e muitos amigos, apanhavam um barquinho para ir a Espanha. Iam a Espanha comprar coisas que ou eram mais baratas ou porque em Portugal simplesmente não havia. Eu não sei se estou a falar só dos caramelos e do Cola Cao, ou também da Coca-Cola. Eu lembro-me disso. Era ainda muito muito pequeno. Mas também me lembro de que nessas viagens nós íamos lá comprar os produtos um bocadinho mais baratos e depois comprávamos aqui tudo aquilo que não fazia falta. Eu penso que existem algumas diferenças, essas diferenças são conhecidas, são conhecidas há muitos anos. Eu penso que nalgum momento, nalgum futuro, haverá certamente mais consolidação fiscal, mais isonomia fiscal, mas não é de Portugal e Espanha. Eu diria que isso acabará por ser na Europa toda. Mas é verdade. Eu conheci esse assunto muito de perto. Fui presidente da Repsol em Portugal durante praticamente 12 anos e conheço esse assunto. Conheço esse assunto muito de perto.

Essa sua condição de alto quadro da Repsol, também lhe permite, se calhar, responder aqui a uma outra dúvida, que é: sendo um mercado livre, como é que explica que em Portugal os preços dos combustíveis sejam praticamente iguais em todas as marcas? Ou seja, porque é que não se nota uma verdadeira concorrência?

Penso que a concorrência existe. E existe a sério. O que temos de ver também é que estamos no mercado de commodities, com umas margens que são... se formos ver, se formos estudar com o mínimo detalhe e de rigor quais são as margens que existem nos combustíveis, estamos a falar de um commodity com pouca margem e, sobretudo, com muito pouca margem de manobra. Portanto, não é tão irrelevante o facto de vermos... as diferenças acabam sempre por estar quase no centésimo. A concorrência existe, e tanto que é assim que existem diferentes marcas, que têm diferentes políticas. Estou agora há algum tempo um pouco fora do radar porque não estou a fazer seguimento diário, nem semanal, do que acontece. Mas devo dizer que concorrência sempre houve. Aliás, eu sentia essa concorrência no pelo, porque nós tínhamos de competir, e assim foi durante todos esses anos. Estou absolutamente convencido de que continua a ser assim. Até aí, não acho que haja muitas diferenças, sinceramente.

O que é que justifica que Portugal e Espanha ainda não tenham uma ligação ferroviária de alta velocidade? Considera que essa seria uma ligação fundamental, urgente, na aproximação entre os dois países?

Se é urgente não sei. Sei que é importante. Urgente não sei se é. Se calhar já foi e depois, também, foi-se a oportunidade. Eu digo muitas vezes isso na Câmara de Comércio de Portugal em Espanha, a qual tenho o privilégio e a honra de presidir, que esse teria sido o pecado menor. E, às vezes, digo isso tentando, enfim, se calhar, dizê-lo com uma certa graça que todos sabemos que se fizeram grandes autoestradas por onde passam, ou passaram, poucos carros, se calhar aeroportos onde aterraram pouco aviões e portos onde chegaram poucos barcos, E, se calhar, a linha de alta velocidade teria sido, digamos, um pequeno pecado porque, na altura, se calhar, teria sido um investimento demasiado pesado, provavelmente hoje, teríamos digerido esse sobreinvestimento. É verdade que eu também digo isto pela parte objetiva. Mas digo isto com um lado um bocadinho emocional e subjetivo. E porquê? Porque quando eu viajo a Barcelona - onde vou muitas vezes - e apanho um comboio de alta velocidade e em poucas horas estou no centro de Barcelona, sempre tenho esse desejo, oculto, de fazer o mesmo apanhando o comboio e três horas depois, ou quatro horas depois, estar em Lisboa. E, portanto, penso que teria feito muito sentido. E que continua a fazer muito sentido. Penso que é muito importante. Não tenho dúvida nenhuma. A questão agora está em que o importante e urgente muitas vezes não andam lado a lado. Se calhar, nós agora temos, e vamos ter durante um tempo, algumas prioridades que nos levarão a pensar se essa será a melhor decisão de investimento hoje em dia. No futuro não tenho dúvida nenhuma de que tudo o que é a região ibérica, a conectividade, é isso mesmo. A hiperconectividade é isso mesmo. Não é só digital. Ela é terrestre, é aérea. Acho que sim. Acho que faz todo o sentido.

É português, vive em Espanha. Duas economias muito dependentes do turismo. Este é um erro que a pandemia só veio evidenciar e que precisa de ser corrigido, para salvaguarda do futuro económicos de ambos os países?

Falando especificamente do turismo, penso que o que teremos são oportunidades no futuro. E, certamente, oportunidades em que temos de ver a melhor versão de cada lado e a melhor versão conjunta. Eu penso que Portugal e Espanha, nesse aspeto, quando juntam todo o seu potencial, eu diria que não é linear, é exponencial. Vou dar um exemplo. Eu sou do Norte de Portugal, sou do Minho, sou de Caminha. Eu vejo, por exemplo, toda a infraestrutura turística de longa data que existe, por exemplo, em toda a zona da Galiza, que é diferente, até porque é um sistema, um microclima diferente, mas, se calhar, todo esse potencial que nós temos e toda essa grande infraestrutura, que já está montada de longa data na região da Galiza, à volta de Vigo, praticamente diria quase até à Corunha, tem, se calhar, ali perto, o melhor aeroporto, que é o Francisco Sá Carneiro no Porto. E, portanto, quanto mais olhamos e vemos, não propriamente o que está para cá do rio Minho e aquilo está para lá do rio Minho, se calhar quando nós pensamos o melhor que está do rio Minho e o melhor que está para lá do rio Minho, quando se junta, o potencial é enorme. Portanto, acho que aí, de facto, em termos de turismo, o impacto, obviamente, que foi brutal, mas também temos de pensar agora em reformular um pouco aquilo que tem vindo a ser feito. Eu não sei se, nos próximos anos, o turismo de massas, para dizer de alguma maneira, vai continuar a ser aquilo que foi. Se vai ser um turismo de mais qualidade, mais segmentado. Isto, certamente, não se aplica apenas ao turismo, mas na questão do turismo penso que nós temos muitas coisas que também podemos fazer juntos, porque é muito normal e comum ver, por exemplo, turistas que vêm da América Latina ou dos Estados Unidos, e que para eles aterrar em Madrid e na mesma semana estar em Lisboa e no Porto não é nada anormal. Se calhar nós, em Portugal, ou estando em Espanha, se calhar, vemos como muito difícil... para nós é complexo imaginar uma semana em que vamos estar uns dias em Paris, outros em Amesterdão e, se calhar, o resto em Londres. Mas isso tem que ver também um bocadinho com o nosso conceito em relação às distâncias. Eu vejo isso, vejo isso muito. Há um turismo que faz isso com certo à-vontade. Se calhar, vamos ter de pensar em coisas parecidas, onde se junta a melhor versão de cada país.

Uma última pergunta que tem que ver exatamente com irmos além do turismo, um setor forte, que provavelmente vai ser diferente no futuro. Eu pergunto-lhe a si, como gestor, em que outros setores é que a economia portuguesa devia apostar? Alguns devia aprender com Espanha, ou há caminhos que Portugal deve explorar por si só?

Devo dizer que há aqui algumas grandes agendas que vamos ter, inevitavelmente, de partilhar. Portanto, os dois países têm uma transição energética, ecológica, pela frente. Acho que aí existem grandes oportunidades e que são oportunidades que se vão explorar, de certa maneira, de forma individual. Mas que também se podem explorar de forma conjunta. Os dois países têm grandes desafios na parte digital da sua economia. Muitas destas coisas vão fazer-se em separado, mas também muitas destas coisas terão de fazer-se de maneira conjunta. Quando pensamos em termos da inovação, eu acho que os dois países fazem inovação, mas, se calhar, terá de haver uma aposta mais decidida, em termos da inovação. E, depois, existem muitas coisas entre Portugal e Espanha em que faz muito sentido aproximar as duas economias. Aqui em Espanha, o que temos é mais escala porque é um país que tem mais dimensão, mas do lado de Portugal temos muitas competências. Temos muitas capacidades. Se calhar, poderia falar da indústria têxtil que, em Espanha, tem um grande mercado e alguns grandes operadores mundiais e em Portugal tem hubs de produção, altamente tecnológicos, absolutamente preparados, digamos, para abastecer, e já abastecem, o mercado espanhol, em Espanha, mas que podem fazê-lo mais ainda. No setor dos plásticos, no setor dos componentes eletrónicos, os componentes para a indústria automóvel também. Eu diria que as agendas, nesse aspeto, acabam por ser um bocadinho parecidas, mas penso que à volta do que é transformação energética, transição energética, revolução digital, os aspetos de inovação, vão marcar a agenda nos próximos tempos.

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