- Comentar
Os relatos sucedem-se de estruturas culturais asfixiadas. Uma após outra, vão dando o testemunho a pedido do PCP numa audição pública na Assembleia da República. O objetivo é claro: munir a bancada de argumentos para confrontar o ministro da Cultura e justificar a reivindicação do reforço de 33,7 milhões de euros na verba global para Apoio às Artes.
Vieram de todo o país, não só grupos apoiados, mas sobretudo excluídos dos financiamentos da Direção-Geral das Artes (DGArtes). As críticas são de vários níveis, à cabeça com o facto de que, se passam no crivo do júri e são elegíveis, devem ter direito a financiamento.
Mas, depois, há as coisas mais específicas que não são de menor importância como, por exemplo, a burocracia.
Ouça a reportagem da TSF e os testemunhos das estruturas culturais.
Francisco Mota, da Brotéria, coloca assim a pescadinha de rabo na boca: "É extremamente difícil perceber o que é que os critérios são sequer, o que é que as palavras querem dizer. Consequência? Uma quantidade muito significativa de associações que, para preencher estas candidaturas, acaba a contratar consultores de fora do mundo da cultura. Para quê? Para terem acesso a dinheiro da cultura, que ganham, e fazem o quê com esse dinheiro? Pagam aos consultores da cultura e a consequência é que não têm dinheiro para a cultura porque gastam esse dinheiro com consultores culturais."
Subscrever newsletter
Subscreva a nossa newsletter e tenha as notícias no seu e-mail todos os dias
Já Ricardo Carriço, da Vortice Dance Company, começa e não para com as críticas, apontando o dedo, desde logo ao diretor-geral das Artes, Américo Rodrigues, e sublinhando que a exclusão da sua estrutura teve que ver com o combustível.
"Os gajos vêm dizer que o meu projeto era insustentável porque houve um aumento do gasóleo! Porque eu viajo, eu ando na estrada, eu danço muito... Eu estive, sim, em Inglaterra, peguei na carrinha e tenho lá até uma multa de França por ter ido a 160 na autoestrada", diz arrancando algumas gargalhadas, mas tocando na ferida de que o dinheiro existe, mas está é mal distribuído.
"O que acontece é que existe um frango e, deste frango, a Opart e os Teatros Nacionais ficam com o frango todo, arrancam-lhe a asa e mandam para a gente. Estamos aqui a discutir a asa do frango quando eles têm o frango todo... A Opart, o São Carlos, o D. Maria, a Companhia Nacional, têm o Estado, têm as estruturas, têm os teatros, têm o grosso do dinheiro e nós estamos aqui a discutir uma asa do frango", lamenta.
E o frango não dá mesmo para todos, mas todos precisam dele para sobreviver, é a conclusão a que todos chegam e que servem de munições para o PCP que leva estas e muitas mais situações ao ministro da Cultura que, queixam-se as estruturas, não dá ouvidos ao setor.
Dinheiro? "Dá para todos, dá"
Presente na audição a ouvir tudo e a tirar notas, o secretário-geral comunista é claro: "Isto não é um problema de falta de dinheiro, é um problema de opção política."
Criticando desde logo o dinheiro atribuído às concessionárias das autoestradas ou as rendas das energéticas, Paulo Raimundo não tem dúvidas de que o dinheiro "dá para todos, dá".
"É que tem de dar para todos. Se é elegível [no concurso], tem de ser apoiado, não há como!", nota o dirigente do PCP.
Nesse sentido, além de apelar à mobilização do setor cultural nas ruas, o PCP avança com um projeto de resolução que visa o reforço da "verba global para Apoio às Artes no valor de 33,7 milhões de euros".
São dois os problemas que o PCP identifica e que procura resolver: "A insuficiência dos apoios às companhias e aos artistas, garantindo os meios financeiros para tal, bem como o modelo que vem sendo seguido de concursos da responsabilidade da DGArtes, para a atribuição dos apoios e que na nossa opinião deve ser alvo de um debate aprofundado no sentido da sua revisão."
Pelo meio, a necessidade deste reforço num momento peculiar da política nacional: "Numa altura em que se perde tanto tempo, tantas linhas, tantos minutos de televisão e caracteres de jornais com as trapalhadas de substituições e alterações no Governo."
O apelo está feito e há quem espere que não seja necessária uma inspiração na sufragista britânica Emily Davison, morta em 1913. Diz Inês Soares, da Associação Pogo, que "quase parece que é preciso uma cena à Emily e irmo-nos atirar para a frente de um cavalo".
"Mas já não há nem reis nem cavalos, portanto não percebo, sinceramente, o que é que vai funcionar, mas está a parecer-me que só uma ação drástica e dramática como essa é que vai fazer uma pressão", lamenta esta jovem.
Para já, a pressão será no parlamento, na quarta-feira: dentro com o ministro Adão e Silva a responder aos partidos, fora com um protesto dos trabalhadores culturais.