Pedro Rodrigues, ex-deputado do PSD
Entrevista TSF

Pedro Rodrigues não vai ser candidato ao PSD, mas deixa "missões" para quem for 

Feita a reflexão, Pedro Rodrigues decidiu não avançar com uma candidatura a líder do PSD e explica porquê em entrevista à TSF. Ex-deputado quer PSD maioritário a liderar espaço não socialista, mas espera para ver as propostas dos candidatos sem declarar apoios antecipados.

"Não serei candidato". É com estas palavras que Pedro Rodrigues se coloca fora da corrida à cadeira de presidente do PSD depois de algumas semanas em reflexão, no entanto, não deixa de dizer na TSF quais os caminhos que o próximo líder deveria trilhar.

Deputado na última legislatura, foi das maiores dores de cabeça na bancada do PSD para o ainda líder Rui Rio, mas ainda lhe reconhece alguns méritos. No entanto, é tempo de olhar para o futuro e não para trás, apesar de não avançar com o apoio a nenhum candidato já conhecido (ou por conhecer). E nem é claro que o faça, mas nesta entrevista deixa claro que tanto Montenegro como Moreira da Silva, com duas personalidades e projetos diferentes, têm condições para fazer um bom trabalho.

Antes do último Conselho Nacional deu um sinal de que ponderaria avançar com uma candidatura à liderança do PSD. Vai avançar?

Impus a mim próprio um período de reflexão sobre a questão de saber se seria ou não candidato à liderança do partido e essa reflexão foi determinada por duas razões fundamentais e às quais não pude ficar indiferente. A primeira, um intenso e surpreendente apelo de vários setores do partido que me foram desafiando para que ponderasse uma candidatura à liderança, sobretudo para pensar e apresentar uma alternativa para aquilo que deve ser o novo reposicionamento do PSD na sociedade portuguesa e para se proceder a uma profundíssima reforma do funcionamento do PSD. A segunda razão que me conduziu a esta reflexão tem que ver com a circunstância de o PSD viver hoje um momento crítico que demonstra um profundíssimo divórcio com a sociedade portuguesa, uma grande dificuldade em articular uma mensagem que capte a esperança dos setores mais dinâmicos da sociedade portuguesa.

Mas decidi não ser candidato por três razões fundamentais que tenho todo o gosto em esclarecer.

A primeira de é que não sou um político profissional, sou um cidadão muito empenhado no serviço cívico e público, mas sou sobretudo um advogado muito ligado às empresas portuguesas e, evidentemente, uma decisão desta natureza tem de extravasar a minha esfera pessoal e de responsavelmente ponderar também os compromissos profissionais que tenho e que, neste momento, não são totalmente compatíveis com uma candidatura à liderança. Mas há uma segunda razão, talvez até mais relevante: tive ocasião de sugerir ao partido que iniciasse um processo de profundíssima reflexão sobre as causas que nos últimos anos têm conduzido a um afastamento da sociedade portuguesa e dos setores que tradicionalmente o PSD representou.

Fiz esse apelo de forma muito enfática e assertiva porque considerei que era importante que o PSD aproveitasse este período, não só no rescaldo das eleições legislativas, mas também pela circunstância de iniciarmos agora uma legislatura de quatro anos e meio, que era altura de refletirmos sobre a razão pela qual em 25 anos estivemos cinco anos a governar o país ou porque é que em 38 eleições ganhámos nove. Fazia sentido ir num caminho diferente daquele seguido nos últimos anos e que é achar que trocando a liderança resolve-se todos os problemas.

É sabido que a opção que o partido e principais dirigentes seguiram foi outra, foi achar que resolvendo o problema da liderança, resolver-se-iam os problemas profundos que o PSD tem. Perante esse cenário uma candidatura que eu poderia protagonizar, animada pela ideia e propósito de reposicionar o PSD na sociedade, não tinha um ecossistema adequado para se afirmar.

E a terceira razão é coerente e consequente com o que tenho dito ao longo dos anos: sempre disse que no momento em que sentisse que sou o militante do partido em melhores condições para assumir uma candidatura à liderança, não deixaria de assumir essa responsabilidade. A avaliação que eu fiz é que essa responsabilidade só pode ser assumida se houver uma concordância de pensamento e de reflexão sobre o momento que o partido vive entre mim próprio e os principais dirigentes do partido. Se os dirigentes do partido entendem que os problemas do PSD não são assim tão profundos e que se resolvem com uma alteração de liderança, considero que, nesse contexto, não sou, a melhor pessoa para liderar o PSD.

Já vamos aprofundar outros candidatos que estão na calha e também uma análise a Rui Rio, mas ao falar desta questão de repensar o partido e de fazer essa reflexão, pergunto-lhe sobre a questão ideológica de ser ao centro, centro-direita ou direita. Faz sentido fazer uma depuração ideológica do PSD antes de começar este novo processo?

Mais importante do que fazer uma depuração ideológica ou definição ideológica ou conceptual do PSD, é preciso perceber em que é que isso se materializa. Os portugueses não votam no PSD por se afirmar de centro-esquerda, centro-direita ou direita, os portugueses votam no PSD se sentirem que articula uma mensagem e reúne as personalidades que dão garantias, segurança e estabilidade para a resolução dos seus problemas. Ao contrário do que seria há 30 anos, hoje os cidadãos não votam nos partidos em função de fidelidades clubísticas. Hoje o eleitorado é extraordinariamente exigente, e ainda bem, isso é uma ótima notícia para o nosso país, mas isso significa que os partidos não podem esperar que os cidadãos votem nos seus projetos, independentemente dos estímulos eleitorais que os partidos suscitem nos eleitores e independentemente da capacidade que demonstrem para resolver os seus problemas. O que quero é discutir qual é o papel do PSD na sociedade portuguesa, o que é que tem hoje a dizer aos pensionistas, aos funcionários públicos, ao estudante de Terras de Bouro que vai estudar para o Porto com uma Bolsa de Ação Social escolar perseguir um sonho de ter uma vida melhor, o que temos a dizer aos jovens que têm de sair de Portugal porque não encontram esperança no seu futuro, às jovens famílias, à classe média que vive asfixiada por uma carga fiscal verdadeiramente brutal, aos empresários que desesperam porque o país não cresce à medida da necessidade de crescimento do seu negócio. O partido tem de perceber que ou é capaz de se adaptar às novas realidades ou, caso contrário, os eleitores, como de resto se tem visto ao longo dos últimos anos, vão procurar outras soluções.

E as soluções têm surgido também à nossa direita, com uma enorme indiferença do PSD. O PSD ignorou a razão pela qual surgiram novos partidos à direita, ignorou o seu crescimento e espero que não ignore uma eventual consolidação desse crescimento. Esses partidos não surgem de geração espontânea, surgem porque há um eleitorado que não encontrou respostas nos partidos tradicionais.

Sabe que estou há muitos anos no PSD e vivi de perto um período no partido em que fui líder da JSD, curiosamente num período de maioria absoluta do PS, que em cinco anos tivemos quatro líderes e os problemas não se resolveram. Os problemas continuaram, persistiram e, provavelmente, agravaram-se durante algum tempo. Espero que o PSD não entre nesse novo processo.

O PSD não tem efetivamente resposta para estes problemas que está a elencar com as pessoas que estão agora no partido ou há aqui um grave problema de comunicação aliado a isso?

Há muitos anos que defendo que o problema do PSD não é um problema de pessoas, é um problema estrutural da forma como nos posicionamos e interpretamos a sociedade portuguesa.

Nos últimos 20 anos, o PSD governou cinco e fundamentalmente em momentos de enorme crise económico-financeira. O PSD foi chamado a governar em momentos de grande responsabilidade, mas momentos muito sérios e muito difíceis. De certo modo, os portugueses olham para nós como o partido que resolve as crises e não conseguiu transformar essa ideia no partido que é verdadeiramente reformista em Portugal. Nos últimos 40 anos, fizemos as grandes reformas a que Portugal assistiu e, nos últimos anos, o que se tem assistido é que o PSD aos olhos dos portugueses tem perdido essa dinâmica reformista.

Temos autarcas extraordinários: o Ricardo Rio que transformou o Braga, o Ribau Esteves em Aveiro, Carlos Carreiras em Cascais e tantos outros como o Carlos Moedas, uma grande esperança agora em Lisboa. Não temos um problema de pessoas, temos um problema, mais do que de comunicação, de posicionamento na sociedade portuguesa. Nós temos que saber para quem falamos, quem é o nosso eleitorado?

É a classe média. Então, o que vamos dizer à classe média? São os pensionistas. O que temos a dizer aos pensionistas? Não podemos pura e simplesmente ficar sentados à espera que o Partido Socialista, num processo de desgaste natural interno, nos entregue o poder. As coisas não funcionam assim, o eleitorado é extremamente exigente.

Nós não podemos ignorar que, à nossa direita, existe um espaço que está a ser ocupado por partidos que não existiam, sobretudo a Iniciativa Liberal e que vem dar resposta a um eleitorado tradicionalmente do PSD... O partido das liberdades sempre foi o PSD: das liberdades económicas, das liberdades cívicas, das liberdades sociais. A Iniciativa Liberal identificou um espaço que o PSD foi perdendo ao longo do tempo e foi ocupando esse espaço.

O PSD não pode ser indiferente a essas realidades e se considerarmos que instantaneamente resolvemos os problemas porque mudamos as caras das pessoas, julgo que é curto. Espero estar enganado e espero daqui a dois anos poder vir aqui dizer que estava totalmente equivocado. Como também esperava quando fui alertando ao longo dos últimos quatro anos para a dificuldade que o PSD estava a sentir em afirmar-se na sociedade portuguesa. Também gostava de dizer que não, que não estamos a assistir à apresentação de um programa de governo liderado pelo Partido Socialista com maioria absoluta, que estamos a assistir ao novo primeiro-ministro de Portugal, Rui Rio, a apresentar o programa de governo. Infelizmente, os factos vieram provar que tinha alguma razão nessa matéria, espero que as circunstâncias me desmintam nos próximos tempos.

Ainda assim, o partido foi atrás de Rui Rio por diversas vezes e deu-lhe a força necessária. Chegados aqui, sabemos que o PSD não só não está a governar, como era objetivo, mas está também a lidar com a maioria absoluta do Partido Socialista. Aquilo que lhe pergunto é se não lhe reconhece alguns méritos durante este tempo de liderança?

Reconheço, evidentemente que sim. Reconheço-lhe muitíssimos méritos e, como militante do PSD, estou também agradecido ao doutor Rui Rio por ter disponibilizado parte da sua vida a liderar o partido. Tive muitos momentos de convergência com Rui Rio, tive momentos de divergência com Rui Rio, mas, com franqueza, julgo que é tempo de virar a página e olhar para o futuro. Não faz muito sentido continuarmos a olhar para o passado, o passado serve para aprender e projetar um caminho diferente daquele que desenvolvemos no passado quando ele não foi o mais adequado.

Mas não está o PSD preso, por um lado, à herança da troika e da imagem do que significou para o país, mas também à imagem das guerras internas - que no PSD gosta-se de chamar "a pluralidade de opiniões". Não há demasiada "pluralidade de opiniões" no PSD?

São duas questões diferentes. Relativamente à questão da troika, não creio. O país mergulhou numa crise económico-financeira gravíssima e aquilo que o nosso último governo em coligação com o CDS desenvolveu foi uma missão patriótica. Se me pergunta se a receita que o PSD queria impor ao país foi aquela que foi obrigado a impor, com certeza que não. Um partido humanista, reformista, que quer projetar o desenvolvimento económico e social do nosso país, um partido que acredita no elevador social, acredita em dar condições à classe média para crescer, dar condições a que cada um possa, com o seu esforço e seu trabalho, crescer na vida... Claro que esse não é um projeto do PSD, mas esse não era o projeto do PSD, era o projeto das circunstâncias que se impuseram ao país e o PSD não podia deixar de cumprir a sua missão naquele momento e que era uma missão patriótica e extraordinariamente difícil.

Se me pergunta se eu tenho orgulho nesse período, claro que tenho e, de resto, devo dizer que sempre que o PSD é chamado à governação e tem de tomar decisões difíceis, não são as decisões que nenhum político quer tomar, como em casa também não queremos muitas das vezes tomar decisões difíceis e somos obrigados a tomá-las, mas quando se impõe é o que temos de fazer.

Mas para muitos dos portugueses há uma imagem de sofrimento associada e, portanto, não são boas memórias para voltar a pôr a cruz no PSD...

Com certeza que sim, nem para os portugueses, nem para o PSD. O que não significa que, naquele momento histórico, não fosse aquilo que tivéssemos... Cometemos erros? Com certeza que sim, mas no essencial, o objetivo que o país tinha era libertar-se do programa de assistência económica e financeira e esse objetivo foi cumprido.

E, de resto, deixe-me dizer que a História também não está escrita de forma rigorosa. A capacidade que depois o governo seguinte teve de devolver rendimentos e aliviar alguns sacrifícios, há de ter sido também mérito do governo do PS, isso está fora de causa, mas vamos ver as condições estruturais que foram deixadas pelo governo anterior e que permitiram que esse programa fosse executado. De resto, o programa do PSD em 2015 não era continuar um programa de austeridade, era um programa de relançamento económico e social do país. Infelizmente, não houve essa oportunidade e não podemos perceber o que teria acontecido. O legado que o PSD deixou em 2015, não só não me envergonha, como orgulha e acho que deve orgulhar o PSD.

Relativamente à pluralidade... O PSD é um partido que sempre viveu nessa pluralidade e sempre que foi capaz de conviver com essa pluralidade teve sucesso. Nós também temos uma memória muito curta porque não nos recordamos das lutas intestinas que o PS também teve ao longo da sua história quando esteve na oposição. O PSD, quando está no governo, com certeza que está unido e determinado em governar o país, quando não está, é natural, num partido tão vivo, tão plural, num partido de personalidades, num partido que nasceu com os homens bons da terra com personalidades fortes, com percursos sociais e profissionais muito intensos e que, com a força da sua vocação cívica e de serviço público, emprestavam algum do seu tempo ao PSD. O PSD é isto e essa pluralidade não é dramática, é o que dá a força e a diversidade. É verdade que nos últimos anos conviveu-se um pouco mal com essa pluralidade e, como vimos, com maus resultados. A dificuldade de conviver com a pluralidade e com a diferença e a dificuldade de convocar todos, independentemente da sua posição pessoal, em cada momento sob determinadas situações da vida política do país, prejudicaram eleitoralmente o PSD. O PSD é tanto mais rico quanto melhor for a sua capacidade de conviver com essa diferença, com esse pluralismo, com certeza, trabalhando na pluralidade, na construção de uma síntese, de uma política que tem que apresentar ao país e aos portugueses nos momentos que é adequado. O PSD não tem problemas de pluralismo, tem é de saber conviver com esse pluralismo.

Este é um momento de mudança com a aproximação das diretas e parece que tudo se vai resumir, no dia 28 de maio, a duas figuras. Luís Montenegro, que já disse ao que vem, e Jorge Moreira da Silva, que vai dizer ao que vem nesta semana. Já tem alguém para apoiar?

Vamos ver... Quer o Jorge Moreira da Silva, quer o Luís Montenegro reúnem condições objetivas para liderar o partido, se terão condições subjetivas, o tempo dirá. Não só pelo programa que apresentarão aos militantes do PSD, mas sobretudo pela prática que desenvolverem no exercício dessa mesma liderança. O PSD vai ter mais uma vez a oportunidade de escolher entre dois projetos profundamente alternativos, com duas personalidades com percurso muito relevante dentro do partido e na sociedade portuguesa. Mas com perfis diferentes e com formas de encarar o mundo e o partido também diferentes. Essa é a primeira boa notícia.

O PSD tem alternativas e tem duas boas alternativas. Ora, evidentemente que aquilo que será a minha posição nestas eleições diretas, confesso que ainda não está claro para mim. Preciso de perceber, em primeiro lugar, qual é a proposta de forma muito clara que os dois candidatos têm sobre o posicionamento do PSD na sociedade portuguesa, o que entendem sobre como é que o partido deve navegar estas novas águas à direita e à esquerda, como é que o PSD se poderá voltar a afirmar como o partido com vocação maioritária e que responde aos desafios da classe média, dos jovens, dos empresários.

Depois há uma outra questão que para mim é essencial: perceber qual é a visão de cada um sobre a reforma do partido, o que é que entendem que o PSD deve transformar e mudar para se voltar a afirmar como grande farol de esperança dos portugueses. Como é que vamos atrair talento? Como é que nos vamos reorganizar? Como é que vamos estruturar o modo como o partido toma decisões? Como é que vamos a alterar a forma como escolhemos os nossos candidatos, a forma como elegemos o nosso líder e os órgãos nacionais do partido. Se vamos ou não fazer a reforma estatutária do partido?

Há muitas respostas que, embora os conheça aos dois muito bem, ainda não tenho claro para mim. Não é claro se quer que venha a declarar apoio a algum dos candidatos, é até provável que me reserve nos próximos tempos a alguma reserva e que assista e participe de forma menos intensa neste debate interno que se avizinha, mas espero que sejam capazes de dar estas respostas que são centrais e, já agora, tragam uma ideia muito clara sobre a reforma do sistema político e do sistema eleitoral.

Ainda não conhecemos o projeto de Moreira da Silva, mas de Luís Montenegro, além de termos tido já oportunidade de perceber no passado qual é o projeto que tem e quem está com ele e o que pensa do país e do partido, já tivemos uma apresentação pública. Pareceu-lhe que vem aqui alguma novidade ou está a ser apenas fiel a ele próprio?

É para mim muito cedo, com franqueza, e não é ainda tempo de tomar posições ou fazer grandes análises sobre o que significará a candidatura de Luís Montenegro. De Jorge Moreira da Silva temos apenas um pré-anúncio de disponibilidade e, portanto, não sei também se ele será ou não candidato. Tudo indica que sim. Aguardemos para perceber, mas acho que ainda é cedo, é prematuro e seria até precipitado tomar posições sobre aquilo que será o caminho que o PSD pode vir a seguir com um ou com outro. Não tenho dúvidas do seguinte: o PSD tem dois candidatos que têm as condições objetivas para exercerem a liderança e têm condições objetivas pelo percurso que já desenvolveram e por aquilo que tem sido a sua intervenção cívica, pública e política nos últimos anos para darem garantias ao PSD.

Um dos pontos realçados por Luís Montenegro é o de que gostava que o PSD voltasse a ser a casa-mãe do espaço não socialista. É possível ser essa casa-mãe?

Não só é possível, como é desejável. Esse tem de ser o objetivo, não só de Luís Montenegro como de qualquer candidato à liderança e de qualquer dirigente do partido. O PSD tem de ser capaz novamente de ser a casa-mãe, usando a expressão do Luís, do espaço não socialista, de todos os que se reveem no humanismo e no personalismo. Todos os que entendem que a sociedade portuguesa precisa de uma vocação reformista e transformadora e aqueles que não se conformam com o nosso empobrecimento progressivo. Para o PSD voltar a ser a casa-mãe do espaço não socialista tem, por um lado, de restaurar o seu espírito profundamente tolerante, tem de cultivar o seu pluralismo interno porque ser casa-mãe de um espaço tão grande como o espaço não socialista, implica termos a capacidade de agregar várias sensibilidades e várias formas de ver e encarar o mundo.

E acha que nessa casa há um quarto para o Chega?

Nesta casa não há um quarto e nem um pequeno cubículo para aqueles que não se revejam num espaço humanista, personalista e em todos aqueles que não respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito e que são a matriz fundamental do PSD. Não devemos ter a veleidade ou intenção de que outros partidos transformem a sua identidade ou se adaptem àquela que é a nossa visão do mundo, não tenho essa pretensão, mas também não podem é querer impor ao PSD que o PSD entorça os seus princípios fundamentais e a sua identidade para acomodar na sua casa, nem que seja numa pequena divisão, quem não se revê naqueles que são os nossos princípios fundamentais.

Conseguirá o PSD ser agregador a dialogar com a Iniciativa Liberal, eventualmente resgatar o CDS?

Não tenho qualquer dúvida disso. O PSD, se quer ter uma vocação maioritária e se quer liderar uma nova maioria em Portugal, com base nos princípios que tenho referido, não pode deixar de assumir essa responsabilidade e essa função. Dialogar com a Iniciativa Liberal é compreender as diferenças. Dialogar com o CDS é compreender também as diferenças e respeitar essas diferenças, mas é compreender que, para lá dessas diferenças, há princípios estruturais de acordo com os quais nós nos entendemos. O esforço de concertação, de discussão e de diálogo pode ser tanto mais complexo quanto menor for a nossa capacidade de sobrepor os princípios às questões que não são de princípio. É muito curioso porque há muita gente a discutir se há futuro à direita e o que se nota e decorre dos estudos sociológicos sobre o comportamento do eleitorado é que há muito futuro à direita. Quer os mais jovens, quer os mais qualificados votam cada vez mais à direita, o que é muito interessante e se compreende porque, de facto, o paradigma com que a esquerda continua a olhar para o mundo e para o país, designadamente em matérias do sistema de pensões, do sistema laboral, não se coadunam com a visão que os jovens e os mais qualificados têm, nem do mercado trabalho, nem da configuração de um sistema de pensões ou mesmo da resposta social do Estado em matéria de saúde ou de educação. Hoje, o que os portugueses mais qualificadas e mais jovens querem, não é saber se a propriedade da escola ou do hospital é pública ou privada, querem é ter acesso eficiente e de qualidade. No PS e na esquerda em geral, que continuam a olhar para o mundo como se continuássemos no primeiro quartel do século XX, é natural que haja uma dessintonia entre os mais jovens mais qualificados e a visão que o Partido Socialista e a esquerda têm. Há futuro à direita, a pergunta é: "para que direita?" A direita que entender estas transformações sociais e entender as exigências do eleitorado tem futuro, aquela que continuar agarrada ao saudosismo dos anos 90 e dos anos 80 com certeza que não tem futuro.

E o futuro à direita constrói-se com concertação, com diálogo, com capacidade compromissória, com o respeito pelas diferenças, mas com capacidade de compreendermos que hoje o contexto parlamentar já não tem só o PSD, o PS, o PCP e o CDS. Já não é assim. Há discussões que, de resto, devo dizer que me deixam preocupado, embora não sejam estruturais... Este início de legislatura tem mostrado alguns sinais de que ainda há partidos, também à direita ou centro-direita, que não entenderam as transformações que ocorreram por força das últimas eleições. É preciso saber conviver humildemente com as escolhas do eleitorado, o eleitorado não está errado, está certo. Nós provavelmente é que não conduzimos a nossa estratégia de acordo com aquilo que são as exigências do eleitorado.

Que discussões são essas que o deixaram preocupado?

Deixou-me relativamente preocupado esta ocupação pelo bloco central, quer de alguns cargos institucionais como a mesa da Assembleia da República, quer algumas discussões relativamente pueris, devo dizer, sobre onde se sente cada um dos partidos... São discussões pueris que nada dizem aos portugueses, mas revelam quando as sobrevalorizamos que estamos ainda a viver um período que já não existe. É preciso que o PSD tenha a humildade de perceber que não é o único partido do centro-direita e à direita. Gostávamos de ser, provavelmente, mas a realidade é esta e foi aquela que os eleitores definiram. O PSD tem de compreender que, se quer liderar uma nova maioria em Portugal, tem não só de compreender as novas transformações sociais e o que daí decorre em termos de ambições dos eleitores, mas tem de compreender o contexto político partidário parlamentar e trabalhá-lo.

Esse é o diálogo à direita. E o diálogo à esquerda? Há algum espaço para alguma convergência com o PS, por exemplo, pactos de regime?

O PSD sempre manteve, ao longo da sua história, uma enorme disponibilidade para conversar com o Partido Socialista sobre questões de regime. As revisões constitucionais que foram desenvolvidas, à exceção de 1997 que foi liderada no período em que era o governo socialista, todas foram desenvolvidas e todas foram lideradas por governos do PSD.

O PSD quando esteve no governo, mesmo em maioria absoluta, foi capaz de trazer o Partido Socialista para grandes reformas estruturais.

O PS é que não fez o contrário, o Partido Socialista é que tem-se demonstrado como o partido do imobilismo social e extraordinariamente conservador que tem uma enorme resistência à mudança e às transformações. Portanto, essa pergunta não é a mim que tem de ser dirigida, é ao Partido Socialista. Os sinais que tivemos na última legislatura, em que não havia maioria absoluta e em que a incapacidade ou indisponibilidade para dialogar com o PSD foi de tal ordem, só me faz prever que agora, com maioria absoluta, as dificuldades sejam ainda maiores, o que é uma má notícia porque há áreas onde necessariamente o PS e o PSD e os outros partidos. Não sou daqueles que acham que reformas de regime devam ser apenas feitas pelo PS e PSD, têm de ser feitas pelo PS, pelo PSD, pela Iniciativa Liberal e por todos os partidos que se revejam no Estado de direito democrático e que respeitem as instituições e o sistema político e o queiram reformar e transformar. Não sou daqueles que acha que é o PS e o PSD que tem de fazer revisões constitucionais ou das leis eleitorais. Não, têm de convocar todos aqueles que se revejam no sistema e no Estado direito democrático. Não só é desejável, como urgente, que PS, PSD e Iniciativa Liberal, pelo menos, se entendam sobre a necessidade de fazer uma revisão da lei eleitoral.

Aliás, tenho-me batido ao longo dos últimos anos, de forma muito evidente, por um lado, pela reforma do partido, mas também pela reforma da lei eleitoral. É absolutamente incompreensível que desde 1998 se discuta a urgência da alteração da lei e os partidos não tenham sido capazes de se pôr de acordo sobre uma matéria em que estão muito mais de acordo do que aquilo que nós possamos imaginar.

Com consequências como vimos nestas últimas eleições que atrasaram a vida do país...

Consequências tremendas no episódio que, enfim, decorreu no círculo da Europa, mas consequências também na proporcionalidade do sistema. O que sucede com o nosso sistema eleitoral e que esta última eleição mostrou é que houve mais de 600 mil votos de portugueses que não concorreram para a eleição de nenhum deputado. Ora, num país em que a taxa de abstenção é tão alta, como é que nós podemos impavidamente assistir à circunstância de 600 mil votos dos portugueses não terem contribuído para a atribuição de nenhum mandato?

Rui Rio foi acusado de, em muitas circunstâncias, ter sido uma "muleta do PS", de não vincar bem as diferenças entre o que o PSD e PS têm para oferecer. Como é que o próximo líder do PSD deverá fazer oposição?

Acho que o próximo líder tem duas a três missões fundamentais. Considero que cumpridas estas missões, poderemos chegar ao fim do mandato desse novo líder e dizer que foi bem-sucedido, caso contrário, a avaliação terá de ser consequente com o não cumprimento destes objetivos que me parecem essenciais. Primeiro objetivo, reestruturar o forma como o PSD funciona. Não podemos continuar fechados numa sede da Lapa, fechada ao mundo, fechada ao país, e não termos a capacidade de atrair talento, de falar com os portugueses e de os compreender.

Temos de pensar os nossos estatutos, o nosso Congresso, a eleição do líder, o papel das distritais e das concelhias, o modo como atraímos talento e como escolhemos os nossos candidatos. O próximo presidente do PSD tem aí uma tarefa muitíssimo relevante.

A segunda missão é a de reposicionar o PSD na sociedade portuguesa, perceber qual o nosso papel, quem é que representamos, quem são os nossos eleitores? Classe média, empresários, jovens e funcionários públicos. O que é que temos a dizer a cada um destes segmentos da sociedade portuguesa e, portanto, a segunda missão, não menos importante do líder do PSD, é articular uma mensagem para estes setores da sociedade portuguesa, reconciliar-se com eles, através da única forma que encontro de reconciliação de um partido com o eleitorado: oferecer-lhes respostas concretas para os seus problemas.

E a terceira missão fundamental é ter uma oposição atenta e responsável, mas uma oposição que não tem em momento nenhum receio de apontar as falhas de um governo, apresentando sempre as alternativas que o partido entenderia fazerem sentido naquele momento.

Para terminar, o PSD fez bem em abster-se na moção de rejeição ao programa de governo?

Fez bem no seguinte sentido: esta moção é um exercício do folclore político que, de resto, o Chega nos tem vindo a habituar. Não é uma crítica, é uma observação e a minha análise do comportamento que o Chega desenvolve na sociedade portuguesa. O PSD deve colocar-se no panorama parlamentar com uma postura diferente, se a escolha dos portugueses foi inequívoca num governo de maioria absoluta liderado pelo Partido Socialista, pois muito bem, o PSD não pode ser um obstáculo a que a vontade dos portugueses seja efetivamente manifestada com a aprovação do programa do governo na Assembleia da República. Seria verdadeiramente incompreensível que o PSD não compreendesse aquele que é o sentimento dos portugueses e do voto expresso nas urnas e tivesse uma posição diferente daquela que os portugueses reclamaram nas últimas eleições.

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