Acordar cedo para ouvir a carriça e o cuco no Parque do Douro Internacional

Área protegida foi criada há 23 anos para proteger e valorizar a biodiversidade existente nas arribas de quatro concelhos encostados a Espanha.

Não se vestiu simpático o dia da celebração dos 23 anos do Parque Natural do Douro Internacional (PNDI). Acordou frio, cinzento e a prometer chuviscos. Porventura, nada que apoquente a bicharada que por lá medra, menos ainda as plantas que lhe servem de abrigo e pasto, habituada que está aos caprichos da Natureza.

São sete horas da manhã. O despertador é uma banda sonora, aqui e ali cortada pelo sopro do vento, tem na primeira fila as carriças, seguidas dos tentilhões, chapins, papa-figos, cotovias e até os oportunistas cucos (nidificam nos ninhos construídos por outras aves).

O vigilante do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), Tiago Menino enumera-os com uma facilidade só ao alcance de quem passa os dias "a ouvi-los e a identificá-los". Apesar de vários anos de trabalho naquela área protegida, a colega Sílvia Mourão diz que "há sempre algo que a surpreenda". Nem que mais não sejam "as mudanças que se vão verificando na paisagem espetacular".

Mas o grande espetáculo mais visível é o proporcionado pelas aves de rapina, sobretudo abutres, que se "passeiam" como se nada fosse, dois metros e meio de asas abertas, aproveitando as correntes de vento favoráveis. "São aves extremamente pesadas a aproveitam as correntes de ar quente para se deslocar", explica Tiago Menino.

Menos afoitos a passeios diante de olho humano, abundam no parque fuinhas, raposas, corços, javalis, ginetas, texugos, morcegos e muitos répteis, entre outros. Há equipamentos distribuídos no terreno que os fotografam sem que para isso tenham de fazer pose. "Não é fácil aparecerem-nos à frente, pois são animais recatados e muitos andam só durante a noite".

Grande canhão

Quando Sílvia Mourão chega à zona que lhe tiver sido destinada para vigiar, a primeira coisa que faz é "pegar nos binóculos e escrutinar a paisagem ao pormenor". Nesta altura no ano, faz-se, essencialmente, a "monitorização de aves rupícolas, que nidificam nas escarpas do Douro". Muitas delas só se estabelecem no "grande canhão português", como define o vale profundo e aqui ali quase vertical, para nidificar em março e abril e vão embora no final do verão.

O Parque Natural do Douro Internacional abrange os concelhos de Miranda do Douro, Mogadouro, Freixo de Espada à Cinta e Figueira de Castelo Rodrigo. Tem 120 quilómetros de extensão e ocupa uma área de 87 mil hectares. Foi criado em 1998.

Um parque com uma "riqueza extraordinária", resume o biólogo Carlos Santos, que resulta da "existência do desfiladeiro do Douro, com falésias muito grandes propícias à nidificação das aves, da vegetação e da atividade humana, agricultura pouco intensa e pastorícia". Todo o conjunto proporciona um habitat idílico para os abutres que abundam no parque.

O grifo é um dos mais imponentes. O abutre do Egito é uma espécie migradora, símbolo do parque e mais pequena que o anterior. O abutre preto, maior que o grifo, instalou-se por ali há uns quatro anos. "Esperemos, um dia, ter o abutre que os falta, o quebra-ossos, que já esteve aqui, mas que ainda não voltou a nidificar", deseja Carlos Santos. Esta espécie esteve quase em vias de extinção, pelo que talvez seja preciso esperar mais algum tempo.

Mas nem só se fauna e flora se faz o PNDI. O biólogo António Monteiro destaca a Geologia daquela área. "É obrigatório falar nela". O rio Douro "é o que tem mais caudal na Península Ibérica, depois de ter nascido há 20 milhões de anos, quando a Meseta Ibérica drenou, quase de forma súbita, para o Oceano Atlântico". O poder erosivo "escavou um vale extremamente alcantilado que gerou um relvo que condicionou todos os outros aspetos naturais". Daí que para António Monteiro, o Douro seja "o episódio natural mais importante da região Norte, e do parque em particular". Existem ali "espécies únicas na Península Ibérica e mesmo no Mundo".

Bichos que comem a fruta

Mas os regulamentos próprios destas áreas protegidas nunca agradam a todos. Adélia Machado, moradora em Peredo de Bemposta, fala do parque como sendo "um paraíso", pelo "sossego e ar puro" e confessa que "não o trocava pela vida em Lisboa ou no Porto". O problema é ter "bichos que comem a fruta toda, como é o caso das pegas, e as ginetas que comem as pombas". E também acha mal "não se poderem abrir caminhos de acesso onde se quer", bem como "cortar árvores como carrascos e zimbros, que estão protegidos". O que dificulta a tarefa de "limpar à volta das casas para evitar a propagação de incêndios".

Estas restrições resultam da "aplicação de um plano", esclarece Sandra Sarmento, diretora regional do Norte do ICNF, que faz com que "as pessoas tenham de obedecer a um conjunto de regras para garantir que continue a existir este importantíssimo património". Mas a aposta do instituto passa, cada vez mais, por "um diálogo permanente com as populações, no sentido de, em conjunto, ser construída uma estratégia de valorização desta área".

Para assinalar os 23 anos do Parque Natural do Douro Internacional, este dia 11 de maio, uma águia cobreira foi libertada no Miradouro de Picões, em Peredo de Bemposta, Mogadouro. Como o nome indica, a ave de rapina alimenta-se de répteis, principalmente cobras. O ICNF recolheu-a depois de ser atingida com um tiro de caçadeira e em muito mau estado. Foi recuperada, com recurso a diversas cirurgias, no Centro de Recuperação de Animais Selvagens do Hospital Veterinário da Universidade de Trás-os-Montes-e-Alto-Douro.

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