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A história de Berta Cáceres, uma ativista ambiental hondurenha, líder indígena que recebeu o Prémio Goldman de Meio Ambiente em 2015 e foi assinada em 2016, é uma das muitas histórias contadas neste dicionário de 600 páginas. As investigações à morte de Berta Cáceres apontam responsabilidades aos dirigentes de uma central hidroelétrica contra a qual a ativista se opôs. Sete pessoas já foram condenadas a penas de prisão, mas a família pede castigo para os autores morais do crime.
Txema Abaigar, um dos coordenadores desta publicação da Associação SOS Racismo, considera que esta é uma história que representa bem as lutas sociais.
Ouça aqui a reportagem da TSF
"É uma obra que fala de muita gente com muita vida, um livro que qualquer um pode ler muito bem. O que vai descobrir é uma verdade alternativa à verdade oficial, que sempre oculta um monte de gente que realmente fez avançar a sociedade", afirma Txema.
Na coordenação do Dicionário da Invisibilidade estiveram além do basco Txema Abaigar, José Falcão, Ana Sofia Palma e Mamadou Ba. Ao longo de dois anos, os quatro foram recebendo o contributo das 170 pessoas de todo o mundo que escreveram as mais de três mil entradas.
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José Falcão e Txema Abaigar são dois dos coordenadores deste Dicionário da Invisibilidade
© Rita Costa/TSF
Na obra, que conta com ilustrações de André Carrilho, os cinco continentes estão divididos em seis capítulos: América Latina, Estados Unidos e Canadá, África, Ásia e Médio Oriente, Oceânia e Europa. E em cada capítulo, as entradas estão organizadas por áreas temáticas: "Lutas sociais", onde se incluem o Feminismo, Independências, Políticas e o Racismo, e "Cultura e Ciências", onde há entradas sobre literatura, música, arte, cinema e teatro, ciência e tecnologia, desporto, filosofia, teoria política e ciências sociais.
A ideia surgiu em 2018, quando "a invisibilidade das pessoas, das mulheres, dos negros e das negras estava em todos os discursos", conta José Falcão, dirigente da Associação SOS Racismo. Ao longo de dois anos, a ideia foi sendo maturada e discutida. Em plena pandemia, valeram as reuniões por WhatsApp. Em casa, no bairro Alto, em Lisboa, José Falcão foi apontando tudo em folhas de papel sublinhadas com marcadores fluorescentes.
Com tantos nomes, o risco era um dicionário com três mil páginas e também por isso há nomes que estão agrupados numa só entrada. "Por exemplo, os 17 de Angola, Luaty e por aí fora, não vem só o Luaty Beirão, vêm os 17 e assim por diante, mulheres de algum lado, ou os quatro que começaram o trabalho no PSR, o grupo de trabalho homossexual que deu origem, alguns anos depois, à marcha LGBT no Príncipe Real e à Gay Parade", revela José Falcão.
Mas no capítulo sobre a Europa não podiam faltar outras histórias e outros nomes portugueses. É o caso de Alcino Monteiro, o português de origem cabo-verdiana assassinado em 1995 por um grupo de skinheads, ou de Fernando Castro, um dos primeiros dirigentes negros na Assembleia da República, ou mesmo de Zeca Afonso, que, sendo visível, também foi invisível. "O Zeca Afonso é conhecido porque canta e não sei o quê, mas o que é que ele fez durante todo o tempo? A ideia é chamar a atenção para as causas dessas pessoas", explica o dirigente da SOS Racismo. "O Malcom X é visível, mas é visível como, de que maneira? Pelas t-shirts?"
É preciso reparar a história, mas "as reparações não é dar dinheiro a cada um, ou cada um dos bisnetos, trinetos e quadrinetos, é fazer coisas concretas para que, de facto, estas coisas sejam recordadas e sejam combatidas e isso não está a ser feito", conclui José Falcão.
O dicionário é um contributo, serve para manter viva a memória de tantos nomes e manter aceso o debate, mas há muito mais nomes de invisíveis e, por isso, os coordenadores já admitem novas edições. A primeira tem uma tiragem de 5 mil exemplares.
As encomendas já começaram a chegar à SOS Racismo. José Falcão mostra-nos notas de encomenda de várias câmaras municipais. O Alto Comissariado Para as Migrações também já encomendou uns quantos livros e a associação espera agora que o dicionário chegue às escolas, para que as novas gerações conheçam as histórias dos invisíveis.