Donos das terras não chegam a tribunal. Trabalho escravo nunca teve condenações em Portugal

A lei que pune o trabalho escravo de imigrantes ilegais já existe há mais de 10 anos. Apenas os intermediários foram a julgamento, mas nunca lhes foi aplicada qualquer pena. O Bloco de Esquerda reconhece as dificuldades na aplicação desta lei. Já o bastonário da Ordem dos Advogados acredita que o que está a falhar é fiscalização das condições de trabalho dos migrantes.

A lei que penaliza o trabalho escravo de imigrantes ilegais em Portugal tem mais de 10 anos, mas, até agora, ninguém foi condenado por este crime. Os donos das terras nunca chegam a julgamento e aos intermediários que responderam em tribunal nunca foi aplicada qualquer pena.

O Jornal de Notícias (JN) avança que, muitas vezes, as vítimas voltam atrás nas denúncias ou desaparecem. Quem assiste costuma recusar testemunhar por medo ou por receio de perder o sustento. Certo é que, nos poucos casos em que chega a haver arguidos, as acusações acabam por cair.

As empresas de trabalho temporário têm sido as únicas perseguidas pela justiça. Estas empresas fornecem mão-de-obra migrante, mas os sócios são, muitas vezes, absolvidos ou desaparecem. Para trás costumam ficar dívidas ao fisco, à segurança social e trabalhadores a viver em condições miseráveis.

A lei prevê penas de prisão até seis anos pelo crime de utilização de cidadão estrangeiro em situação ilegal. Cabem aqui as empresas que fornecem os trabalhadores, como os donos, gestores ou firmas detentoras de terras onde trabalham pessoas em situação ilegal. Apesar de os casos se terem sucedido nos últimos anos, tal como explica o JN, não tem sido esse o entendimento das autoridades.

O mais mediático aconteceu já em 2021, quando um surto de Covid-19 em Odemira pôs a nu as condições de milhares de trabalhadores agrícolas, legais e ilegais e obrigou mesmo à intervenção do primeiro-ministro.

As estatísticas da Direção-Geral da Política da Justiça mostram que nunca houve qualquer condenação ao abrigo do artigo 185A da lei 23 de 2007, a mesma que estabelece o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional e que prevê penas até seis anos (ou mais em caso de reincidência) pelo recurso a mão-de-obra ilegal.

BE quer que lei seja mais exigente. "É preciso acabar com esquemas de subcontratações de empresas prestadoras de serviços"

O deputado do Bloco de Esquerda José Soeiro reconhece dificuldades na aplicação da lei e insiste na necessidade de melhorar a legislação sobre o trabalho escravo em Portugal.

"Foi chumbada em novembro uma alteração a esta lei para uma responsabilização direta de toda a cadeia, ou seja, para que quando existem estes casos de abuso laboral de trabalho escravo seja imediatamente identificada como responsável toda a cadeia de contratação, incluindo o dono da exploração agrícola", afirma, em declarações à TSF.

"Em último caso, é o dono da exploração agrícola que beneficia dessa cascata de subcontratações, através da qual ele se desresponsabiliza, mas é ele quem beneficia desse trabalho que é prestado na sua exploração", explica.

José Soeiro quer que a lei seja mais exigente na criação de empresas de trabalho temporário.

"Isto tem acontecido porque há empresas que, às vezes, nem sequer têm alvará de empresa de trabalho temporário, são empresas prestadoras de serviços que são criadas por via do esquema da 'empresa na hora' e quando se vai tentar responsabilizar, o responsável desta empresa já abandonou e já foi criada uma outra empresa para contratar esses trabalhadores", esclarece o deputado, referindo que "há aqui uma questão que tem a ver com o licenciamento das empresas e com a permissividade que existe a este nível".

"É preciso também apertar ou mesmo acabar com esta possibilidade de um esquema de subcontratações de empresas prestadoras de serviços que, na verdade, são empresas que fornecem mão-de-obra, mas que escapam a todas as exigências de licenciamento", finaliza.

Menezes Leitão diz que "o que está a falhar é a fiscalização das condições de trabalho" dos migrantes

Também ouvido pela TSF, o bastonário da Ordem dos Advogados acredita que a culpa não é da lei, mas da falta de condições de trabalho dos migrantes.

"Se o trabalhador migrante que está em situação ilegal nem sequer pode confiar nas nossas forças policiais, naturalmente que a fiscalização será muito deficiente e, precisamente por esse motivo, não haverão denúncias que cheguem a tribunal em consequência desta falha de fiscalização", considera Menezes Leitão.

"Com esta falta de fiscalização por parte das condições de trabalho relativamente aos trabalhadores agrícolas, é manifesto que é praticamente impossível descobrir a situação de denúncias criminais", afirma, sublinhando que "estamos sempre a atribuir as culpas à lei e normalmente o problema está sempre na sua aplicação".

"Efetivamente, o que está falhar é a fiscalização das condições de trabalho relativamente aos trabalhadores migrantes", remata.

*Notícia atualizada às 10h38

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